Como países que eram economias agrícolas muito pobres no período pós 2ª Guerra Mundial tornaram-se berços dinâmicos de empreendedorismo e inovação nas décadas de 1980 e 1990? Qual foi a estratégia utilizada por esses países que, hoje, são especialistas em produzir sistemas eletrônicos de forma flexível, com baixo custo e alta qualidade – como é o caso de Taiwan – ou abrigar uma centena de empresas de tecnologia, mais do que qualquer país fora da América do Norte, como é o caso de Israel?
De que maneira, cidades como Bangalore, na Índia, e Hangzhou, na China, situadas na periferia da economia mundial e em países que não possuem os fatores que economistas veem como essenciais para o desenvolvimento – como o Estado de direito e a defesa da propriedade intelectual –, se tornaram atualmente polos de desenvolvimento de software e tecnologias?
Uma das respostas para essas perguntas, segundo AnnaLee Saxenian, professora da University of California em Berkeley, nos Estados Unidos, foi o esforço sistemático feito nesses países e regiões de incentivar a criação de empresas voltadas a desenvolver e produzir componentes e subsistemas para companhias situadas no núcleo avançado da economia mundial.
Com isso, as empresas nacionais se inseriram em cadeias globais de fabricação de produtos de alto valor agregado e inovadores, apontou Saxenian, durante palestra no “Workshop Creating Local Prosperity through World-class Science Based Business Development”, realizado na quinta-feira (16/06), na FAPESP.
Durante o evento, promovido em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram discutidos os desafios e oportunidades para estados e municípios que queiram incentivar políticas voltadas a estimular negócios baseados em pesquisa científica e tecnológica.
“As cadeias globais de valor e inovação preconizam que a produção pode ser decomposta em formas que permitam o design colaborativo de peças e sua reintegração periódica em conjuntos complexos”, disse Saxenian.
“Os empreendedores e empresas precisam ser capazes de colaborar com essas cadeias globais para melhorar o design e/ou o processo de fabricação de um determinado produto. E isso requer a elevação de seus padrões de produção”, disse.
A fim de se integrar globalmente, países emergentes, como Taiwan, criaram fundos de capital de risco (venture capital) para fomentar o desenvolvimento de empresas e indústrias que possam participar do processo de design colaborativo – ou co-design – de produtos capitaneado por empresas norte-americanas e europeias.
Além disso, adotaram políticas industriais “abertas”, por meio da criação de instituições ou redes de pesquisa externas a fim de estabelecer “nós” e relações em redes de pesquisa estabelecidas por empresas do Vale do Silício nos Estados Unidos, por exemplo, para identificar parceiros para fazer o co-design de produtos, ou para conectá-las a outras redes, apontou Saxenian.
“Ao apoiar um portfólio diversificado de empresas, combinado com acompanhamento e orientação para seleção de mercado, esses países emergentes estão institucionalizando um processo econômico contínuo de reestruturação e transformação de suas economias domésticas, ligando-as aos atores mais exigentes e capazes em mercados globais”, avaliou a pesquisadora.
Por meio de políticas industriais abertas, países como a China e a Índia, por exemplo, melhoraram suas habilidades e capacidades de desenvolver e produzir componentes e subsistemas em áreas estratégicas e hoje têm parcerias em todo o mundo em setores como o automotivo, o de dispositivos móveis, o de softwares e o de serviços.
Por sua vez, Taiwan é o país que tem o maior número de pesquisadores listados como coinventores em patentes registradas por empresas baseadas no Vale do Silício, na Califórnia.
O país asiático é um dos maiores fornecedores de componentes do IPhone 6, da Apple, apontado por Saxenian como um exemplo de produto fabricado por meio de uma cadeia de fornecimento global, com componentes inovadores produzidos em todo o mundo em países como a China, Japão, Taiwan e Coreia do Sul, à frente dos Estados Unidos.
“Componentes-chave do IPad, por exemplo, são produzidos na Coreia do Sul, o Japão e Taiwan, embora o software e o design do produto sejam feitos por empresas do Vale do Silício”, ponderou Saxenian.
Autodescoberta
De acordo com a pesquisadora, a abertura de países emergentes para o mundo exige um processo de autodescoberta do que podem comercializar e do que são capazes de servir.
Os empreendedores e empresas desses países que buscam entrar em novos mercados devem demonstrar não apenas a capacidade de produzir um determinando componente ou produto, mas também de melhorar a concepção ou processo por meio do qual é fabricado em colaboração com potenciais clientes e seus fornecedores.
Além disso, devem definir e investir em capacidades distintas, uma vez que hoje há uma indefinição de fronteiras industriais, exemplificada por smartphones que ao mesmo tempo são telefones, mas também funcionam como câmeras fotográficas e computadores pessoais, apontou a pesquisadora.
“Em um mundo onde as fronteiras entre os setores estão se tornando indistintas, é mais importante hoje ser capaz de pesquisar de forma eficaz em diferentes domínios do conhecimento do que dominar e gerar ideias e tecnologia dentro de qualquer um deles especificamente”, afirmou Saxenian.
Alguns dos conselhos que a pesquisadora dá aos países que querem inserir suas empresas de base tecnológica nas cadeias globais de inovação é se conectar – e não replicar – a regiões de sucesso, como o Vale do Silício, e buscar colaboradores e parceiros.
“É preciso que as empresas procurem parceiros globais e locais para colaborar, identificar e competir em novos mercados, resolvendo problemas e se adaptando a novas circunstâncias de forma conjunta”, apontou.
Esses conselhos foram seguidos à risca pela empresa brasileira de tecnologia da informação CI&T.
Formada em 1995, ano que marca o início da internet comercial no Brasil, por três engenheiros da computação egressos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a empresa, que nasceu como uma startup, teve como seus dois primeiros clientes centros de pesquisa da IBM nos Estados Unidos e na França.
Hoje, a empresa possui filiais nos Estados Unidos, Inglaterra, China, Japão e Austrália, tem clientes como o Google, a Coca-Cola, a Motorola e o Itaú e fatura mais de R$ 440 milhões por ano.
“Olhamos para os Estados Unidos como um mercado-alvo e, por meio de uma abordagem de combinar engenharia e design, conseguimos nos estabelecer no mercado norte-americano e aproveitar as ondas de transformação digital para continuar crescendo”, disse Cesar Gon, diretor-presidente da empresa, à Agência FAPESP.
“Nosso caminho da internacionalização foi construído primeiramente por meio de uma ambição que já nasceu na fundação da empresa de ser uma multinacional brasileira. E, segundo, por meio da construção de competências, acesso e entendimento de cada mercado”, afirmou Gon, que fez mestrado com Bolsa da FAPESP.
A empresa é uma das 286 startups fundadas por alunos egressos da Unicamp, que geram hoje mais de 19 mil empregos e faturaram R$ 3,5 bilhões em 2015. (Fapesp/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.