Na infância, nos primeiros anos da escolarização, é comum que as crianças aprendam e tenham contato com histórias sobre girafas, ursos e elefantes. São animais populares, mas que não são originários da fauna brasileira e nem dela fazem parte. Numa ação que busca aproximar crianças e adolescentes do trabalho científico realizado pelos pesquisadores nas universidades, iniciativa que dialoga com a proposta de letramento científico que fundamenta o projeto “Unesp para Jovens”, a professora Kênia Cardoso Bícego, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) do câmpus de Jaboticabal da Unesp, lançou três livros infantojuvenis no formato digital sobre animais existentes no país e estudados pela docente no Laboratório de Fisiologia Térmica Integrativa (LaFiTI).
Foi assim que surgiram livros sobre o peixe Piramboia, comum na região amazônica e no Pantanal; sobre uma espécie de sapo cururu nativa do Brasil, muito presente no Cerrado; e sobre o Teiú, também conhecido como Tiú, uma espécie de lagarto nativa da América do Sul e vista com bastante frequência em algumas cidades do interior paulista, como Ribeirão Preto, município próximo a Jaboticabal. As obras infantojuvenis são acompanhadas de ilustrações e, ao final, convidam o leitor à reflexão e trazem informações sobre os animais relatados, como o nome científico e a área de ocorrência deles, fazendo referências a pesquisas desenvolvidas dentro de universidades brasileiras. “Eu sempre tive vontade de fazer alguma coisa que diminuísse a distância do que eu faço na Universidade com a comunidade”, ressalta a professora Kênia Bícego.
A docente da Unesp disse que concebeu as histórias e as escreveu tendo como público-alvo preferencial, mas não exclusivo, alunos de escolas públicas brasileiras. Pensou que os livros poderiam apoiar o ensino de ciências como materiais paradidáticos. No momento, as obras estão disponíveis, apenas no formato digital, na página do projeto “Unesp para Jovens” que reúne iniciativas que dialogam com o letramento científico realizadas no âmbito das unidades universitárias unespianas e também podem ser acessadas na plataforma da Coleção Itinerante de Zoologia, projeto de extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora, e no site do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, com sede na Universidade Federal de São Carlos e participação da Unesp.
Os livros que compõem a coleção, cujo nome provisório é “Bichos curiosos”, foram ilustrados por Semíramis Paterno, Luiz Fernando Ferreira e Natália Aranha de Azevedo. Acostumada com a escrita acadêmica, a professora levou a iniciativa adiante partindo de um princípio que permeia obras voltadas a esse universo: é fundamental não subestimar a criança em um livro infantojuvenil, apesar da necessidade da utilização de uma linguagem que não seja complexa. “Em geral, as crianças têm uma afinidade com os animais. São curiosas e querem aprender coisas novas, ficam entusiasmadas com coisas diferentes”, diz a docente.
Os bichos que protagonizam as obras foram estudados no LaFiTI, cuja linha de pesquisa se encontra dentro do campo da fisiologia comparada. A fisiologia comparada é uma área que estuda o funcionamento dos animais de acordo com a interação entre o organismo e o ambiente. “No laboratório, estudamos como os animais enfrentam as mudanças ambientais, de água, alimento, temperatura e como o organismo funciona frente a essas variações.”
No processo de escrita, ao compor as histórias, Kênia Bícego recorreu a relatos de campo e à literatura científica existente, tendo de fazer várias alterações no texto para tomar o cuidado de simplificá-lo sem apresentar conceitos errados. Ao contar a história do lagarto Teiú apelidado de Meri, por exemplo, refere-se ao conceito de hibernação. Essa espécie apresenta um padrão de fases de intensa atividade durante primavera-verão e de hibernação no inverno, independentemente da temperatura ambiente. Isto está muito bem descrito na obra. O lagarto Teiú (nome científico Salvator merianae) é objeto de estudo da docente em um projeto temático com apoio da Fapesp. A pesquisa analisa, entre outras questões, a variação fisiológica que o animal apresenta ao longo do ano, considerando sua distribuição geográfica.
Segundo a docente, que pretende escrever novos livros da coleção, o objetivo é que o trabalho desperte o interesse escolar a ponto de serem impressos e colocados à disposição em bibliotecas de escolas públicas de ensino fundamental. A professora acredita que, embora o consumo de conteúdos digitais venha crescendo bastante, muitos estudantes, em especial em escolas públicas, ainda dependem do uso de livros físicos.