A humanidade nunca produziu, acessou e compartilhou tanta informação como nas últimas décadas. É inegável que esse processo gerou diversos benefícios à sociedade, mas também criou alguns problemas. Entre eles, a infoxicação.
Você já ouviu falar do termo? Sabe qual é a diferença entre infoxicação e infodemia? Leia este texto e saiba mais com a Politize!
Infoxicação: “a diferença entre o veneno e o remédio é a dose”
Essa frase de Paracelso, alquimista do século XVI, ajuda a compreender o processo da infoxicação. Afinal, o acesso à informação é fundamental para construir sociedades livres e democráticas. Por meio dele, o debate público se amplia, a ciência se desenvolve, governos são fiscalizados etc.
Nesse sentido, a fartura de informações poderia ser vista como algo essencialmente positivo, principalmente quando é comparada a seu oposto, a escassez. Neste caso elas ficam restritas a poucos grupos, que as usam como ferramenta de poder. Entretanto, o excesso de informação acarreta vários prejuízos, como a infoxicação.
Apesar de ter ganhado relevância só em 2020, com a pandemia de COVID-19, o termo é antigo. Ele foi criado pelo físico catalão Alfons Cornella em 1996, a partir da junção das palavras informação e intoxicação. Cornella, já naquela época, observou que a era da informação trouxe uma espécie de “doença” à humanidade.
Para compreendê-la, pode-se traçar um paralelo com um processo de intoxicação qualquer. Quando o corpo recebe uma quantidade excessiva de uma substância, não consegue processá-la ou o faz com dificuldade. Isso pode gerar sintomas incômodos e até graves. O mesmo ocorre com a infoxicação, também denominada “infotoxicação”.
Por isso a frase de Paracelso é tão esclarecedora. A informação em quantidade necessária e requerida certamente é um remédio para uma sociedade pouco transparente. No entanto, quando em excesso, pode ser um veneno para essa mesma sociedade.
Efeitos adversos da infoxicação
Ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, o problema do excesso de informações não diz respeito à quantidade. Não se trata de falta de espaço no cérebro para armazená-las. A questão é como se dá o processamento dessas informações. E mais: como isso muda o modo de o homem se relacionar com o mundo.
A neurocientista Natalia Mota, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica a questão à reportagem do UOL. O armazenamento em si não seria um problema para o cérebro, já que ele é plástico e flexível. Porém, a memória fica prejudicada diante da superabundância de informações.
Isso porque elas consistem em estímulos que competem para captar a nossa atenção. Como o cérebro gosta de novidade, ao receber tantos estímulos, fica sobrecarregado. Há uma elevação do cortisol, o hormônio ligado ao estresse, e ocorrem descargas de adrenalina. A repetição do processo pode levar à fadiga e à exaustão.
Outro efeito da infoxicação é a ansiedade. Há uma pressão social para que se esteja bem informado para “sair na frente” e ter sucesso profissional. Porém, é humanamente impossível lidar com tanta informação. Essa impossibilidade gera culpa e ansiedade, o que leva o indivíduo a procurar mais informação, aumentando a infoxicação.
A ansiedade gerada pelo temor de ficar desconectado inclusive ganhou um nome específico. Fear of missing out (FOMO), que em português significa “medo de ficar de fora”. Trata-se, entre outras coisas, do medo de não acessar, em tempo real, as informações que circulam na rede.
Na ânsia de tentar lidar com todo o volume de informação produzida, a quantidade se sobrepõe à qualidade. É comum, por exemplo, que as pessoas se restrinjam à leitura das manchetes de notícias nas redes sociais para se informar. Essa prática acarreta uma apreensão superficial da realidade e até equivocada, em alguns casos.
Isso porque, para de fato aprender algo através da leitura, é preciso estudar. Estudar exige leituras completas, profundas, pausadas, com tempo. Compreender um assunto prevê a sua elaboração e absorção. Mas, se a atenção está em um tema e rapidamente se desloca para outro, como digerir a informação consumida?
Bombardeado por vários estímulos ao mesmo tempo, o sujeito fica com a atenção dispersa. Apenas parte da informação é retida pela memória. E, ao recorrerem à internet para acessar informações básicas, as pessoas deixam de exercitá-la. Isso impede o acúmulo de memórias a longo prazo, gerando um círculo vicioso.
Todos esses sintomas — estresse, exaustão, ansiedade e atenção dispersa — certamente causam grande mal-estar nos indivíduos. Porém, os efeitos adversos da infoxicação não param aí. Eles também atingem a sociedade, provocando danos devastadores. Pode-se afirma r que a infoxicação é um problema de ordem pública.
O principal efeito da infoxicação na sociedade é a desinformação. Esta caracteriza por não informar ou informar de maneira inadequada. É usada não só para confundir as pessoas, mas também (e principalmente) para induzi-las ao erro. É o caso das famosas fake news, conteúdos propositalmente falsos distribuídos na internet, mas não só.
Uma reportagem da Revista Pesquisa FAPESP de 2021 mostra outros tipos de desinformação. Além das teorias conspiratórias, informações reais manipuladas, como notícias antigas e/ou distorcidas, contribuem para isso. Matérias enunciadas de modo descuidado, com manchetes polêmicas, também podem desinformar.
Talvez você, como alguém que procura se informar em boas fontes, esteja se perguntando por que a desinformação impera. Afinal, na era da informação, com acesso a tantas fontes confiáveis, como é possível circular tantas informações falsas e/ou com erros?
A explicação para isso também vem da neurociência. O produtor de conteúdo tem a difícil missão de “fisgar” a audiência em meio a uma infinidade de opções. Assim, não basta que o conteúdo seja interessante. Ele precisa tocar emocionalmente o interlocutor. O cérebro não gosta só de novidade, também gosta de emoção.
Ocorre que a desinformação gera mais engajamento emocional do que a informação. Um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology) de 2018 identificou que a probabilidade de se compartilhar notícias falsas no Twitter naquele ano foi 70% maior em relação às verdadeiras. Essas notícias se caracterizam por serem curtas, terem linguagem simples e frases de impacto.
Engajamento, por sua vez, é sinônimo de dinheiro. Os produtores de conteúdo, dos mais amadores aos mais profissionais, monetizam suas redes. Ou seja, o autor do conteúdo que é muito curtido e compartilhado ganha dinheiro com isso. Quanto mais engajamento, maior a monetização. Desinformar é muito lucrativo.
Além de lucrativa, a desinformação pode beneficiar certos grupos políticos. São vários os casos de manipulação de informação que afetaram resultados eleitorais. O mais famoso é o da Cambridge Analytica no Brexit. A manipulação de informações por plataformas digitais na semana de votação do PL 2630/20 é outro exemplo.
Por tudo isso, pode-se afirmar que, ao sobrecarregar o sujeito, a infoxicação compromete a sua relação com o mundo. Para não ficar de fora da rede, ele precisa consumir muitas informações. Com a atenção dispersa, fica mais difícil distinguir as que são confiáveis. Ou ainda, exausto, prefere se abster de tanta notícia.
O problema está tão generalizado na sociedade contemporânea que pode ser considerado uma epidemia. Epidemia é um processo de disseminação rápida de uma doença, que ataca uma grande quantidade de indivíduos ao mesmo tempo no mesmo lugar. No caso da circulação de informação, esse processo chama-se “infodemia”.
Mas infoxicação e infodemia não são a mesma coisa?
Não exatamente, apesar de estarem relacionadas. A infoxicação é o processo pelo qual os indivíduos são “intoxicados” pelo excesso de informação que recebem/procuram. Esse processo ocorre de forma diluída, em diferentes momentos e lugares, com variados temas.
Já a infodemia é um processo generalizado e concentrado, como ocorre com a epidemia de uma doença. O tema foi abordado em 2020 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em um folheto informativo.
Segundo a OPAS, infodemia é o “grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico”.
Por sua abrangência global, a pandemia de COVID-19 foi o evento em que a infodemia atingiu seu ápice. A facilidade de produção e disseminação de conteúdo via internet promoveu excesso de informação sobre o tema. Nesse mar de informações, muitas delas eram falsas ou enganosas. As fake news surfaram livremente nessa onda.
Por ser uma manifestação coletiva, a infodemia tem efeitos deletérios sobre a sociedade como um todo. A divulgação de tratamentos ineficazes contra a COVID-19, por exemplo, fez com que muitas pessoas não adotassem as medidas preventivas. Isso facilitou a circulação do vírus, o que gerou mais contaminação e, consequentemente, mais mortes.
Outra consequência negativa da infodemia foi a queda da proteção vacinal no Brasil e no mundo. No Brasil, o último caso de poliomielite foi registrado em 1989. Porém, há um grande risco de a doença voltar a ocorrer. Isso porque desde 2016 o país não atinge o índice de 90% de cobertura vacinal, e ela vem caindo. Em 2022, foi de apenas 72%.
Percebe-se assim que a infoxicação pode ter efeitos bastante graves quando ocorre em massa.
Como desintoxicar?
Diante de tudo o que foi apresentado neste texto, parece difícil, senão impossível, conseguir se desintoxicar. Afinal, o controle da produção e da disseminação de informações está nas mãos de poucos. No entanto, há caminhos possíveis.
Na esfera individual, a mudança de alguns hábitos pode ajudar, como:
Desativar notificações;
Estabelecer horários de pausa para checar as redes sociais;
Definir limites de tempo de uso;
Buscar informações em sites confiáveis;
Usar plataformas de checagem de fatos*.
*Consulte os sites disponíveis em português no
A transformação dos indivíduos também pode partir do coletivo e para o coletivo. Uma possibilidade é a educação midiática. Discutir o funcionamento da produção e da circulação da informação promove letramento informacional.
O projeto Vaza, falsiane! é um bom exemplo desse tipo de iniciativa. Ao fazer essa discussão, dá ferramentas ao sujeito para decidir por si só o que consumir na sociedade da informação, como consumir, o que compartilhar etc.
Ações como essas, no âmbito individual, são importantes. Afinal, pensando na lógica do consumo, a audiência pode se mobilizar para repudiar certas práticas. Isso pode ser feito por meio de boicotes, exposição negativa, críticas massivas etc.
Porém, elas não são suficientes para mudar a ordem das coisas no meio informacional. É preciso também que a sociedade discuta e implemente meios de regular a circulação de informação.
No mundo todo essa discussão vem sendo feita, e em alguns lugares a regulação já foi aprovada. No Brasil, foi discutido o PL nº 2630/20 no início de 2023, e a urgência de votá-lo chegou a ser aprovada. Porém, por pressão de setores políticos e das próprias big techs, a votação não ocorreu.
A infoxicação não é apenas um problema individual. Trata-se de uma questão social importante, que exige atenção coletiva. Saber administrar as doses de informação é essencial à sobrevivência do indivíduo, dos laços sociais e da própria democracia.