Ferramentas computacionais aplicadas à biologia estão revolucionando o modo de estudar o que acontece no interior das células durante uma infecção, ajudando a desvendar o mecanismo de doenças e a encontrar potenciais alvos terapêuticos.
Este é o caso de um trabalho publicado recentemente na revista PLOS Pathogens, no qual pesquisadores brasileiros analisaram células sanguíneas de pacientes infectados pelo vírus chikungunya. Com auxílio de técnicas de análise de redes complexas, inteligência artificial e aprendizado de máquina, o grupo identificou a assinatura gênica da doença, ou seja, um conjunto de genes cuja expressão é alterada pela interação com o patógeno. Em seguida, o papel que os genes envolvidos desempenham nas células foi mapeado, bem como sua importância no combate ao vírus.
A pesquisa teve apoio da FAPESP e foi coordenada por Helder Nakaya , professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP). Participaram colaboradores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), do Instituto Butantan e do Laboratório Central de Saúde Pública de Sergipe, entre outros parceiros.
“Identificamos também um conjunto de genes capaz de indicar, ainda na fase aguda, se o paciente tende a evoluir para um quadro de artralgia crônica [inflamação nas articulações], relativamente comum em infectados por chikungunya. No entanto, esse achado ainda precisa ser confirmado por estudos futuros, feitos com uma quantidade maior de amostras”, disse Nakaya à Agência FAPESP.
O artigo traz resultados de análises feitas com amostras sanguíneas de 39 sergipanos infectados durante a epidemia de 2016. Os dados foram comparados com os de 20 controles – pessoas não infectadas e oriundas da mesma região dos pacientes estudados.
O primeiro passo foi analisar o transcritoma das amostras, ou seja, todas as moléculas de RNA mensageiro (que codificam proteínas) e também os RNAs não codificadores (que não dão origem a proteínas, mas têm ação reguladora no genoma) expressos nas células que compõem o sangue, como hemácias, leucócitos e plaquetas. Ao quantificar os transcritos nas amostras, os pesquisadores puderam medir o nível de atividade de 20 mil genes e avaliar, em comparação com os controles, quais ficavam com a expressão aumentada ou diminuída durante a infecção.
“Focamos nos genes codificadores de proteínas [aqueles que expressam os RNAs mensageiros], pois estes têm um papel mais fácil de ser interpretado. É relativamente simples saber se codificam um receptor celular ou um fator de transcrição, por exemplo. Conseguimos, assim, entender melhor a patogênese do chikungunya, isto é, como o vírus afeta as células e quais sistemas de defesa são ativados em resposta”, contou Nakaya.
Essa análise revelou, por exemplo, o mecanismo pelo qual as células imunes desencadeiam o processo inflamatório para eliminar o vírus. De modo geral, o conjunto de proteínas responsável por montar essa resposta de defesa é conhecido como inflamassoma. Trata-se de uma maquinaria celular que pode ser comandada por diferentes proteínas e resultar na produção de diferentes moléculas pró-inflamatórias. No caso da infecção pelo chikungunya, observou-se que a mediação é feita pela enzima caspase-1.
O achado foi validado por meio de experimentos com camundongos realizados em parceria com o pesquisador Dario Zamboni , da FMRP-USP. Os pesquisadores – ambos ligados ao Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias ( CRID ), um CEPID da FAPESP sediado na USP de Ribeirão Preto – observaram que em animais geneticamente modificados para não expressar caspase-1 a infecção pelo chikungunya não induz a liberação da molécula pró-inflamatória chamada interleucina-1-beta (IL-1ß) – ao contrário do que ocorre nos animais sem a alteração genética.