Consideradas cruciais tanto para a expansão do agronegócio como para a conservação da biodiversidade, as duas bacias abrangem mais de 780 municípios brasileiros e englobam parte da Caatinga e do Cerrado, biomas que não só enfrentam o desmatamento como estão ameaçados pelos efeitos das mudanças climáticas.
Pesquisadores brasileiros combinaram indicadores ambientais, físicos e socioeconômicos para criar um índice capaz de expor diferentes níveis de vulnerabilidades socioambientais de acordo com as características da região. Com essa abordagem inovadora, o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (Sevi) foi aplicado para as bacias dos rios Parnaíba e São Francisco, localizadas na região Nordeste.
Consideradas cruciais tanto para a expansão do agronegócio como para a conservação da biodiversidade, as duas bacias abrangem mais de 780 municípios brasileiros e englobam parte da Caatinga e do Cerrado, biomas que não só enfrentam o desmatamento como estão ameaçados pelos efeitos das mudanças climáticas.
O resultado do estudo apontou que, para a região do Parnaíba, segunda maior bacia do Nordeste, a principal limitação para reduzir as fragilidades socioambientais é a capacidade adaptativa, ou seja, déficits de infraestrutura, de renda e de condições para o desenvolvimento humano. Já no caso do São Francisco, os fatores mais significativos de vulnerabilidade estão ligados à densidade populacional, degradação do solo, uso da terra e indicadores de clima, como temperatura e precipitação.
Essas conclusões estão em artigo p ublicado na revista Sustainability por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Teve a poio da FAPESP e do projeto Forests 2020, que é parte do International Academic Partnership Program (IAPP), da Agência Espacial do Reino Unido, e reúne especialistas em monitoramento florestal de vários países.
“A pesquisa demonstrou que problemas ligados ao desenvolvimento sustentável têm de considerar características específicas de cada região analisada e indicou as deficiências de algumas políticas públicas. Abordamos um problema que afeta muitas áreas agrícolas em vários países, principalmente em desenvolvimento”, explica à Agência FAPESP a bióloga Rita Marcia da Silva Pinto Vieira, primeira autora do trabalho.
Para a pesquisadora, que estava no Inpe quando desenvolveu o estudo, incorporar indicadores socioeconômicos permitiu consolidar a ideia de que a sustentabilidade não se relaciona somente com o clima, fatores ambientais e degradação do solo, mas inclui um componente humano e de biodiversidade.
“Normalmente esse tipo de indicador trabalha com a questão da vulnerabilidade focando em um aspecto e de forma independente. Conseguimos fazer essa integração dos dados ambientais e socioeconômicos, mostrando que a vulnerabilidade está muito atrelada tanto à exposição quanto à capacidade adaptativa do sistema como um todo. O índice revela as áreas onde de fato já existe uma alta vulnerabilidade”, completa o climatologista do Inpe Linc oln Muniz Alves, um dos autores do artigo.
Também assina o trabalho o pesquisador sênior da Divisão de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades (DIIAV) da Coordenação Geral de Ciências da Terra (CGCT) do Inpe Jean Pierre Ometto.
Passo a passo
Para compor o Sevi, os pesquisadores combinaram indicadores relacionados à adaptação (desenvolvimento humano, infraestrutura e renda); à sensibilidade (número de dias sem chuva, uso e cobertura da terra, temperatura e tipo de solo) e à exposição (densidade populacional, degradação e desertificação do solo).
O índice proposto é baseado no projeto Medalus (sigla em inglês para Mediterranean Desertification and Land Use), desenvolvido no final dos anos 1990 para estudar a desertificação em regiões mediterrâneas da Europa decorrente do uso da terra, permitindo fazer um ranqueamento com pesos por indicador.
Os valores obtidos na pesquisa foram classificados em: muito alto; alto; moderado; baixo e muito baixo.
A bacia do rio São Francisco apresentou maior área de exposição “alta” e “muita alta” do que a do Parnaíba – 62,8% e 30,7% – e também de sensibilidade. Contribuíram para esses resultados a densidade populacional, a degradação e desertificação dos solos e o número de dias sem chuva, o que influencia diretamente no risco de incêndios florestais durante a estação seca.
O quadro atual deve ser agravado nas próximas décadas em decorrência das mudanças climáticas. Pesquisas anteriores utilizando modelos globais mostraram que a vazão dos dois rios deverá diminuir em 46% e 26%, respectivamente, por causa do aquecimento global. Há ainda uma previsão de aumento da frequência de eventos extremos climáticos, atingindo especialmente a população que vive em situação de pobreza nessas áreas.
Além disso, a taxa de desmatamento no Cerrado em 2022 foi a maior desde 2015, segundo dados do Prodes, programa de monitoramento do Inpe. Foram devastados 10.689 km2 do bioma – há sete anos, a taxa f icou em 11.129 km2. Na Caatinga, o aumento foi de 25% em relação ao ano anterior.
c resceram 35% nos primeiros cinco meses em relação ao mesmo período de 2022.
Áreas protegidas
A pesquisa analisou as unidades de conservação (UCs) localizadas ao longo das duas bacias. E concluiu que as regiões de proteção integral são menos vulneráveis na bacia do Parnaíba do que na do São Francisco, onde foram encontrados pontos de “alta” vulnerabilidade em 32% da área dentro de um entorno de até 5 km. Esses locais são foco frequente de pressões humanas, como desmatamento e queimadas.
Por outro lado, o Parque Estadual da Lapa Grande, em Minas Gerais, com proteção integral, é a unidade de conservação mais bem preservada da região, com 84,6% dele apresentando baixo grau de vulnerabilidade.
“O estudo corroborou quais áreas demonstram vulnerabilidade alta, ressaltando a importância das unidades de conservação. Nesse sentido, mostramos nas recomendações que as práticas sustentáveis dentro dessas unidades podem ser adotadas também no entorno”, afirma Alves.
Por isso, os pesquisadores recomendam ampliar as áreas das UCs com a adoção de práticas sustentáveis de manejo da terra e o desenvolvimento de estratégias para manter os serviços ecossistêmicos da vegetação local.
Essas práticas de manejo e sua modernização, de acordo com o trabalho, deveriam, inclusive, ser compartilhadas com pequenos proprietários rurais. Geralmente instalados em áreas de alta vulnerabilidade socioambiental, eles enfrentam falta de recursos financeiros e acabam fazendo uso inadequado do solo, o que leva ao esgotamento de recursos naturais e agrava a pobreza.
Os cientistas avaliam que o Sevi, ao identificar indicadores de vulnerabilidade socioambiental com características regionais, contribui para subsidiar programas como o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (P NA) e outras políticas públicas voltadas à recuperação de áreas degradadas.
“Utilizamos variáveis específicas para a Caatinga e o Cerrado. Mas o método, o arcabouço desenvolvido para o Sevi com certeza pode ser aplicado para outras regiões e biomas, usando as peculiaridades de cada uma”, conclui Vieira.
w ww.mdpi.com/2071-1050/15/10/8029.