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Gazeta Mercantil

INDICADOR SOCIAL DA ONU REVELA TRÊS "BRASIS"

Publicado em 18 junho 1996

Por Liliana Enriqueta Lavoratti - de Brasília
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apurado pela Organização das Nações Unidas para medir a qualidade de vida e o progresso humano, concluiu que existem três "Brasis". O primeiro, melhor situado, é comparado com os países do Leste europeu; o segundo, intermediário, está no nível da maioria dos vizinhos latino-americanos, e o terceiro é semelhante à África. Na média, o Brasil está entre o Cazaquistão e a Bulgária. O estágio de desenvolvimento humano do Brasil foi determinado por três indicadores - renda da população, escolaridade e esperança de vida ao nascer, que compõem o IDH, divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da ONU. Por esse índice, o Brasil chegou em 1991 com 0,797 (o máximo seria 1 e o mínimo 0), considerado um nível intermediário de desenvolvimento humano. Os primeiros colocados em nível internacional são o Canadá e Estados Unidos, com 0,950 e 0,937, respectivamente. O relatório também mostra profunda transformação no perfil da população brasileira - caracterizada pela redução do peso dos jovens no conjunto dos habitantes e, ao mesmo tempo, pelo aumento do número das pessoas acima de 65 anos. A participação das pessoas abaixo de 15 anos na população cairá de 35% para 24% entre 1990 e 2020, a faixa entre 15 e 65 anos crescerá de 60 para 69% e a faixa acima de 65 anos aumentará de 5 para 8%. Essas mudanças apontam para a necessidade da reforma do Estado, que terá de se preparar visando melhorar as condições de amparo à velhice - um problema bastante sério hoje. "A combinação do subdesenvolvimento com aumento da população idosa será socialmente muito complexa", diz o documento. Para o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Fernando Rezende, dentro deste novo contexto, "é fundamental a reforma da Previdência". O Ipea participou da pesquisa. No Brasil melhor situado, com IDH acima de 0,8, vive 49,4% da população. Esse país abrange o Sul e Sudeste - Rio Grande do Sul, mais Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul -, mais o Espírito Santo (pela ordem de classificação). O segundo Brasil inclui sete estados de médio desenvolvimento, com IDH entre 0,7 e 0,8, que são: Amazonas, Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Roraima e Rondônia. Nesta parte do país vivem 17,3% dos brasileiros. Outros 33,3% da população vivem no Brasil com os índices mais baixos de desenvolvimento humano. Este "subpaís" abrange o Nordeste inteiro - Sergipe, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão, Ceará, Piauí, Alagoas e Paraíba -, mais o Acre e Pari Esses estados têm IDH menor de 0,7. O Tocantins não foi classificado por falta de estatísticas. Ao divulgar ontem o relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil, o embaixador da ONU em Brasília, César Miguel, recorreu a uma frase do presidente Fernando Henrique Cardoso para resumir o conteúdo da pesquisa. "O Brasil não é um país pobre, mas sim um país injusto", disse Miguel, enfatizando a necessidade de o governo combinar desenvolvimento econômico e humano, por meio de políticas sociais adequadas. Apesar de ter se baseado em dados disponíveis até 1991, o relatório é considerado atual, porque as três variáveis - principalmente longevidade e conhecimento - não apresentaram mudanças significativas nos últimos anos. O documento estima em 42 milhões o número de pobres no Brasil em 1990, o que corresponde a 30% da população. Eles estão em dois pólos de pobreza: o Nordeste rural e as áreas metropolitanas, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. Uma família é considerada pobre na pesquisa quando sua renda per capita se situa abaixo da linha da pobreza, ou seja, é insuficiente para adquirir os bens necessários à sobrevivência de seus membros. O número de indigentes, incluído nos 42 milhões, não foi especificado. Na região Norte os pobres são 43% da população total; no Nordeste, 46%, no Sudeste, 23%; no Sul, 20%; e no Centro-Oeste, 25%. O Brasil registrava em 1990 um dos maiores índices de desigualdade do mundo. Os 20% mais ricos da população detinham 65% da renda total e os 50% mais pobres ficavam com 12% . A renda média dos 10% mais ricos é quase 30 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres, frente a dez vezes na Argentina, cinco vezes na França e 25 vezes no Peru. A parcela da renda apropriada pelos 20% mais ricos cresceu 11 pontos percentuais entre 1960 e 1990, enquanto a dos 50% mais pobres caiu seis pontos e a das classes intermediárias permaneceu quase sem alteração. A disparidade de renda no Brasil é maior nos estratos superiores da distribuição. Aqui, uma pessoa rica é 3,2 vezes mais rica que alguém da classe média alta. Nos Estados Unidos, esta relação é de 1,4, praticamente igual ao Japão, 1,5. Já a diferença de renda entre as demais camadas sociais é compatível com a verificada no resto do mundo. Pelos padrões internacionais, o nível educacional brasileiro é intermediário, variando de 0,83 (Distrito Federal e São Paulo) a 0,54 (Alagoas) e 0,57 (Paraíba). Esse índice revela o grau de alfabetização, associado às matrículas combinadas nos três níveis de ensino. O relatório mostra também que os gastos federais com saúde, que no início da década de 80 correspondiam a 12% da receita, chegaram a subirem 1989 para mais de 17%, mas a partir daí caíram e voltaram em 1992 para menos de 12%. O número de habitantes por médico, em 1991, era de 641, variando por regiões. IDH MEDE PROGRESSO DOS PAÍSES O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é uma medida sócio-econômica para determinar o progresso de um país, região ou estado. Seu objetivo é subsidiar os governos na definição de políticas de intervenção. Longevidade, conhecimento e padrão de vida são os três componentes básicos do desenvolvimento humano, de acordo com o IDH. A longevidade é medida pela esperança de vida ao nascer; o conhecimento, por uma média entre a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior. O padrão de vida é o poder de compra, baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local. A ONU implantou o IDH em 1990 com a premissa de que, embora o desenvolvimento seja um processo no qual se ampliam as oportunidades do ser humano, três condições essenciais estão presentes em todos os níveis de desenvolvimento, sem as quais as demais oportunidades e alternativas não são acessíveis. Essas condições são as seguintes: desfrutar de uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento e ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente. Os dois primeiros componentes longevidade e nível educacional são considerados valores em si mesmos e o último como um meio para se atingir outros fins. Foram calculados índices específicos para diferentes regiões geográficas e estados, que revelam o grau de desenvolvimento humano de cada região (ou estado). PIB CRESCE 5,7% ATÉ 2010 Cinco trajetórias de crescimento econômico para o Brasil, no período de 1990-2010, foram traçadas pelo Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), O cenário mais provável leva em conta um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,5% ao ano entre 1995 e 2000, de 6,4% entre 2000 e 2010 e 5,7% no período 1995-2010. Por essas projeções, o PIB do País passaria de US$ 480 bilhões em 1995 (preços de 1990) para US$ 1,11 trilhão em 2010 e o PIB per capita cresceria de US$ 3,1 mil para US$ 5,9 mil no mesmo período, situando-se, na primeira década do próximo milênio, no mesmo nível do projetado para o mundo. O caminho que levará o Brasil a alcançar estes indicadores econômicos é marcado por desequilíbrios. É também o resultado ponderado dos outros quatro cenários. A trajetória 1 - batizada como "em busca do tempo perdido" - corresponde à retomada, ainda na década de 90, do crescimento alcançado pelo País entre 1950 e 80, da ordem de 7% ao ano. Ela pressupõe o rápido êxito do programa de estabilização, o avanço do processo de reestruturação produtiva e de revisão constitucional. Em conseqüência, seriam acelerados o crescimento do PIB e a distribuição de renda, já a partir de 1996. No entanto, a confirmação dessa trajetória é pouco provável a curto e médio prazo. A trajetória 2 corresponde à volta do quadro de instabilidade e tensão da década de 80. Apesar do Plano Real, a inflação recomeçaria a crescer e seriam necessárias novas tentativas de estabilização, com resultados somente no final dos anos 90. Os processos de transformação produtiva e liberalização da economia evoluem lentamente neste contexto, com recuos ocasionais. No plano social, as desigualdades de renda e a incidência de pobreza persistem em níveis elevados. A reforma do Estado fica paralisada por indecisão política e o PIB cresce a 5% ao ano. A configuração deste quadro tem pouca chance de ocorrer, embora não seja impossível. Caminhos de desenvolvimento intermediários caracterizam as trajetórias 3 e 4 com respectivamente 4,1% e 5,1% de crescimento médio do PIB per capita entre 1995 e 2010. A trajetória 3 tende a se aproximar da 2 e a quatro está perto da 1. As condições que definem a concretização de um ou de outro cenário situam-se basicamente nos campos social e político-institucional - pressupondo, portanto, o sucesso das medidas de estabilização e de saneamento das finanças públicas. Segundo o relatório, um conjunto de fatores sugere que o Brasil se encontra atualmente melhor situado do que no passado para ingressar em novo ciclo de progresso. Inclusive, seus autores acreditam na possibilidade de o País alcançar a igualdade social e reduzir significativamente a pobreza. Esses fatores são a queda da taxa de crescimento da população, as tendências do processo de urbanização, as capacidades empresarial e tecnológica já adquiridas e a dimensão do mercado interno.