Autores do estudo fizeram a descoberta em uma paisagem de ecossistemas inundáveis, no médio Rio Negro, na região do município de Barcelos
Savanas nativas estão se expandindo no interior do sistema amazônico em consequência de incêndios florestais recorrentes, aponta estudo publicado no periódico Ecosystems.
A pesquisa, apoiada pela Fapesp, foi realizada por Bernardo Monteiro Flores, atualmente pós-doutorando em ecologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e por Milena Holmgren, professora do Departamento de Ciências Ambientais da Wageningen University, nos Países Baixos.
“Por muito tempo, as partes periféricas da floresta amazônica foram consideradas as mais vulneráveis, devido à expansão da fronteira agrícola. Essa degradação da floresta, ao longo do chamado ‘arco do desmatamento’, continua ocorrendo e constitui algo muito preocupante. Mas verificamos que, além dela, está acontecendo também um processo de savanização no coração da Amazônia, bem longe da fronteira agrícola”, relata o pesquisador à Agência Fapesp.
Os autores fizeram a descoberta em uma paisagem de ecossistemas inundáveis, no médio Rio Negro, na região do município de Barcelos, a pouco mais de 400 quilômetros a montante de Manaus, onde manchas de savana de areia branca crescem em meio à floresta preservada. A causa apontada são incêndios recorrentes, cuja intensidade e frequência vêm aumentando no contexto maior da mudança climática global.
“Nós mapeamos 40 anos de incêndios florestais usando imagens de satélite e coletamos informações detalhadas em campo para avaliar se as florestas queimadas estavam mudando. Ao analisar a abundância de espécies de árvores e as propriedades do solo em diferentes momentos no passado, descobrimos que os incêndios florestais haviam matado praticamente todas as árvores, possibilitando que a camada superficial do solo, rica em argila, sofresse erosão com as inundações anuais e se tornasse progressivamente arenosa”, conta Flores.
Além disso, os pesquisadores constataram que, no processo natural de recuperação das áreas queimadas, o tipo de cobertura vegetal passou por importante modificação, com a proliferação de árvores típicas das savanas de areia branca, que se tornaram cada vez mais dominantes, junto com plantas herbáceas nativas.
Campinas
De onde vieram essas árvores de savana? Segundo Flores, as savanas fazem parte do sistema amazônico. Aproximadamente 11% da Amazônia está coberta por savanas. São savanas antigas, bem diferentes de um bioma tão rico em biodiversidade quanto o Cerrado, porém, mesmo assim dotadas de muitas espécies vegetais endêmicas. A população local as chama de “campinas”. Vista do alto, a paisagem amazônica apresenta pequenas ilhas de savana cercadas por um mar de floresta. As sementes das espécies vegetais de savana são carregadas pelas águas, peixes e aves. E, quando chegam a uma área queimada e de solo degradado, são elas, e não as sementes das espécies de floresta, que têm maior chance de germinar e repovoar aquele pedaço de terra.
“Nossa pesquisa mostrou que as savanas nativas estão em expansão e podem se expandir ainda mais na Amazônia. Não ao longo do ‘arco do desmatamento’, onde as gramíneas exóticas estão se espalhando, mas sim a partir de manchas de savana de areia branca disseminadas por toda a bacia, em regiões remotas”, afirma Flores.
Aqui há um ponto muito importante a ressaltar. Na Amazônia, as florestas inundáveis, chamadas de florestas de igapó ou de igarapé, são muito menos resilientes do que as florestas de terra firme. Queimam com maior facilidade e, uma vez queimadas, seu solo, lavado pelas águas, degrada-se muito mais rapidamente. “Elas constituem o ‘calcanhar de Aquiles’ do sistema amazônico”, diz Holmgren, coautora do estudo. “Temos evidências de campo de que, se o clima amazônico se tornar mais seco e os incêndios mais intensos e frequentes, as florestas inundáveis serão as primeiras a colapsar”, acrescenta.
E esses dois fatores – clima mais seco e incêndios mais intensos e frequentes – já são uma realidade, no quadro da mudança climática em curso. O próprio estudo mostrou que, durante o severo El Niño de 2016, os incêndios ocorridos na região do médio rio Negro queimaram uma área sete vezes maior do que a acumulada nos 40 anos anteriores.
“A perda adicional de florestas inundáveis pode resultar na emissão de enormes quantidades de carbono, estocado nas árvores, solos e turfeiras, e também reduzir a disponibilidade de recursos como peixes e produtos florestais para os povos locais. As novas descobertas reforçam a urgência de defender as florestas remotas. Por exemplo, implementando um programa de manejo de fogo para diminuir a propagação de incêndios florestais durante os períodos secos”, alerta Flores.
Por Redação Jornal de Brasília
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo