Mais de seis meses após a enfermeira Mônica Calazans abrir a campanha de vacinação contra a COVID-19 no Brasil, a imunização parece estar avançando e pessoas na faixa dos 30 anos começam a receber a primeira dose das vacinas. No entanto, ao correlacionar dados sobre vacinação por idade e bairros da Região Metropolitana de São Paulo nota-se que ainda persiste uma grande desigualdade.
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que, na capital paulista, regiões periféricas do extremo Leste (Guaianases, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista), da zona Norte (Brasilândia e Vila Medeiros) e da zona Sul (Campo Limpo e Capão Redondo, Capela do Socorro, Grajaú, Parelheiros e Marsilac) tiveram baixo percentual de pessoas vacinadas com a primeira dose entre a população maior de 40 anos.
Os dados de 12 de julho de 2021 mostram que, a despeito de essas pessoas estarem incluídas no calendário de vacinação, o percentual que recebeu a primeira dose do imunizante dentro desse grupo em relação à população total nessa faixa etária variou entre 10 e 50%.
O mesmo foi observado em outras cidades da Região Metropolitana de São Paulo, como as periferias de São Caetano do Sul, Santo André, São Bernardo e Itapevi. Algumas outras cidades aparecem sem cobertura vacinal, provavelmente pelo atraso no registro e envio dos dados, e não foram consideradas no estudo.
“É preciso olhar para os territórios e dar maior atenção para as regiões onde as pessoas não estão se vacinando. Pode ser por negacionismo, falta de confiança na vacina, porque não podem faltar ao trabalho ou por qualquer outra dificuldade. Porém, independentemente do motivo, esse problema se resolve por meio de políticas públicas. O imunizante está disponível e precisa chegar até as pessoas", diz Raquel Rolnik, uma das coordenadoras do LabCidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
A pesquisadora ressalta que a criação de desertos vacinais, além de ampliar desigualdades e vulnerabilidades, inviabiliza a campanha como um todo. “Por isso, nosso propósito com esse estudo é indicar a necessidade de que o poder público vá até esses lugares, seja ampliando o horário de atendimento dos postos de vacinação, seja por meio dos agentes comunitários que podem ir até a casa das pessoas, seja criando postos nos pontos de ônibus e nas estações de metrô. A política pública para funcionar precisa ser territorializada”, afirma Rolnik.
O estudo liderado por Rolnik correlacionou informações do DataSUS sobre vacinação, do Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo (Cedesp) para as hospitalizações por COVID-19 e do Censo de 2010 sobre a distribuição etária pelos territórios.
Ao cruzar os dados sobre hospitalizações, mortes e de vacinados por CEP (localidade), a equipe do LabCidade tem realizado, desde o início da pandemia, estudos sobre a desigualdade da vacinação e do impacto da COVID-19 nos territórios da capital paulista. Desde maio de 2021, a equipe passou a ter acesso aos dados de todo o Estado de São Paulo, o que permitiu ampliar a amostra e realizar o primeiro trabalho sobre a Região Metropolitana de São Paulo (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/33343/ e https://agencia.fapesp.br/33625/).
Desigual do início ao fim
Estudo anterior, realizado em maio de 2021 pela mesma equipe de pesquisadores, mostrou que a desigualdade vacinal ocorre desde o início da campanha de imunização. Na cidade de São Paulo, os moradores mais pobres das áreas periféricas foram os mais atingidos pela COVID-19 e também os que menos tinham sido vacinados.
Bairros como Grajaú, Heliópolis, Sapopemba, Iguatemi, José Bonifácio, Cidade Tiradentes, Jaraguá e Brasilândia concentravam tanto o maior número de mortes pela doença como também os menores índices de pessoas vacinadas.
“Essa comparação foi absolutamente chocante: lugares com maior número de hospitalizações e mortes por COVID-19 não estavam sendo imunizados. Isso aconteceu, principalmente, em função do critério de priorização que foi por idade e até maio incluiu apenas profissionais de saúde e comorbidades. Nas periferias a expectativa de vida é menor. Portanto, a população é mais jovem que a do centro expandido da capital”, diz Rolnik.
No entanto, de acordo com a pesquisadora, conforme a campanha foi avançando e passou a atender idades mais baixas e incluiu os grupos profissionais mais atingidos pela COVID-19 – como motoristas de ônibus, profissionais de educação e, em alguns municípios da região metropolitana, garis – a expectativa era de que a desigualdade vacinal entre centro e periferia fosse diminuindo. Mas não foi isso o que aconteceu.
“O impacto da COVID-19 foi mais forte em hospitalizações e óbitos nas periferias e na área central da capital em bairros como Sé, Pari, Brás, Barra Funda, Parque Edu Chaves e Vila Medeiros, na zona Norte da capital. Mas onde ocorre a maior concentração da população com mais de 60 anos – que foi a população prioritária para a vacinação – é no centro expandido. Essa era, portanto, uma explicação para aquela desigualdade chocante antes do avanço da vacinação”, afirma.
A partir dos dados de 12 de julho, quando pessoas com mais de 40 anos passaram a ser imunizadas, Guarulhos, Osasco, Diadema e alguns territórios da zona Norte da capital paulista começaram a ter maior concentração de pessoas que tomaram a primeira dose (relação de vacinados com a população total). “Isso é positivo, pois foram lugares com altos índices de hospitalizações e mortes e também servem como exemplo de que é possível ampliar a proteção contra a COVID-19 nas periferias”, explica.
Esses exemplos mostram que, além de ter o imunizante disponível, é preciso ter ações e campanhas para fazer a vacina chegar às pessoas. “O mapa revela mais uma vez que a política pública precisa ser territorializada. Porque se nessas regiões a vacina está disponível e não está chegando até as pessoas, é necessário ter uma estratégia dentro da região e por meio de ações e campanhas mais incisivas por parte das políticas municipais”, ressalta.
Fonte: Agência FAPESP