Pesquisa coordenada pela USP com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) ‘é irresponsável e não-científica’, diz pesquisador do Inpa, Lucas Ferrante
Manaus – A pesquisa coordenada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que apontou que Manaus pode ter atingido imunidade de rebanho, foi contestada pelo cientista Lucas Ferrante – doutorando do programa de Biologia (Ecologia) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
O pesquisador do Amazonas, que tem diversos artigos publicados em revistas científicas como Nature Medicine, explicou que o estudo paulista que sugere que Manaus pode ter atingido imunidade de rebanho não passa de uma “literatura cinza”. “Nada científico, pois, não passou por nenhuma revisão dos pares. Por isso que estamos tendo o cuidado, pois isso causa um impacto negativo. As coisas precisam ser revisadas, principalmente, coisas graves. As pessoas divulgam isso de uma maneira irresponsável e isso é muito sério”, disse Ferrante.
Segundo a pesquisa apresentada pela (FM-USP), divulgada pela Agênca Brasil, que é a agência de comunicação do governo federal, o percentual de pessoas que teriam contraído o vírus atingiu 64,8% e teria se estabilizado em 66,1% nos dois meses seguintes ao pico.
Nos primeiros meses da pandemia, em março e abril, o percentual de infectados era de 0,7% e 5%, respectivamente. Para os autores do estudo paulista, embora intervenções não farmacêuticas e uma mudança no comportamento da população possam ter ajudado a limitar a transmissão da doença, a alta taxa de infecção nos últimos meses sugere que a imunidade de rebanho é um fator que contribuiu para a queda do número de casos.
“A mortalidade elevada e a queda rápida e sustentada de casos sugerem que a imunidade populacional teve um papel significativo na determinação do tamanho da epidemia em Manaus”, diz trecho do artigo, ainda sem revisão por pares.
Os pesquisadores alertam, no entanto, que os resultados foram obtidos a partir da análise de amostras de um banco de doadores de sangue, o que requer cuidados para tornar tal amostragem representativa. Isso porque, em geral, os doadores são adultos saudáveis e podem não representar a população geral da cidade. Além disso, não há consenso sobre a proporção de uma população que deve ser infectada com o novo coronavírus antes que a imunidade de rebanho seja alcançada, apontou o estudo.
Metodologia da USP
Os resultados apresentados no artigo foram obtidos em uma combinação de modelagem matemática e análises sorológicas de amostras de sangue doado à Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (Hemoam) entre os meses de fevereiro e agosto. Foram selecionadas amostras de mil doadores em cada mês e analisadas a presença de anticorpos contra a Covid-19.