O que prosaicos ímãs, destes que as donas-de-casa grudam na porta da geladeira, têm a ver com a tecnologia moderna? Muito, embora pouca gente saiba. Os materiais magnéticos estão presentes no cotidiano das pessoas, cumprindo funções que vão além de adornar um eletrodoméstico. Eles compõem equipamentos fundamentais ao lazer e ao trabalho, como a tevê e o computador. Uma das razões para o desconhecimento popular em torno desses materiais talvez esteja na própria evolução que experimentaram nos últimos anos: ao mesmo tempo em que ganharam em eficiência, perderam em tamanho.
Atualmente, podem ser produzidos em escala nanométrica, medida que equivale ao bilionésimo do metro. Esses minúsculos ímãs, chamados tecnicamente de nanomagnetos e que interessam a uma indústria que movimenta bilhões de dólares anualmente no mundo, estão sendo estudados em vá-rios aspectos por um grupo do Laboratório de Materiais e Baixas Temperaturas (LMBT) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. O objetivo dos pesquisadores é conceber novas idéias, processos e modelos que eventualmente possam ter aplicações futuras.
De acordo com o professor Marcelo Knobel, coordenador do LMBT, trabalhar no campo da aplicação, concorrendo com as megaempresas do setor, é unia tarefa muito difícil. Justamente por isso, alguns pesquisadores, caso dos da Unicamp, têm atuado no estágio imediata-mente anterior, contribuindo com novas idéias e modelos.
A principal missão do grupo é otimizar as propriedades dos nanomagnetos, a partir do entendimento de alguns fenômenos observados. Tal esforço, afirma o docente, exige o cumprimento de diversas fases. A primeira, obviamente, é a concepção da idéia. Em seguida, surge a etapa da produção dos materiais.
Depois, segundo Knobel, vem a caracterização estrutural dos nanomagnetos. Para isso são usados recursos como a microscopia eletrônica, a difração de raios-X e a luz síncrotron. Na seqüência, os pesquisadores geralmente submetem os materiais a um tratamento térmico, que tem por finalidade estabilizar ou otimizar as suas propriedades físicas (magnéticas e elétricas). Por fim, os cientistas investigam essas propriedades e a conexão entre elas. "Ao fazermos todo esse estudo, surgem natural-mente muitos comportamentos que não conseguimos explicar. As respostas a essas dúvidas exigirão outras teorias e modelos", explica.
Knobel esclarece que os materiais desenvolvidos e analisados no LMBT são compostos por nanopartículas magnéticas, normalmente dispersas sobre uma matriz não-magnética, como vidro ou polímero. São como minúsculos imãs dispostos um ao lado do outro, que interagem entre si. "O foco das nossas investigações, que envolve todo o trabalho citado anteriormente, é compreender o funcionamento desse conjunto", destaca o docente do IFGW. E por que esse tipo de pesquisa é importante? A resposta, mais uma vez, está na aplicação que os materiais magnéticos têm no dia-a-dia.
Tome-se como exemplo as gravações magnéticas. Os discos dos computadores) contêm minúsculas regiões conhecidas por bits. Estes estão magnetizados numa ou noutra direção (lógica binária), o que faz com que possam gravar ou ler informações. Com o passar dos anos, esses dispositivos diminuíram de tamanho, e com isso tiveram sua capacidade de armazenar dados incrivelmente ampliada. Só para se ter uma idéia, em menos de quatro décadas as densidades dos bits nos discos rígidos aumentaram cerca de 8,5 milhões de vezes. "Nós não sabemos até onde isso vai chegar, mas já existe a expectativa de que seja possível atingir a densidade de terabits por polegada quadrada", adianta Knobel. Traduzindo: os cientistas esperam "acomodar" mil bilhões de bits num espaço menor do que o ocupado por uma caixa de fósforos.
Para atingir essa meta, lembra o coordenador do LMBT, será necessário superar alguns desafios. Dois deles referem-se justamente ao tamanho reduzido dos bits. A medida que ficam menores, eles se tornam mais suscetíveis aos efeitos térmicos. A própria temperatura ambiente pode ser suficiente para fazer com que as informações se percam. Além disso, para acessar dados comprimidos num espaço tão pequeno, é necessário desenvolver cabeças de leitura igualmente reduzidas, o que cria um problema de engenharia. Os trabalhos conduzidos pelos especialistas do IFGW, diz Knobel, constituem os primeiros degraus dessa escalada científico-tecnológica. Sem esse impulso inicial, o caminho certamente se tornaria muito mais difícil. (Unicamp)
PESQUISA
Colaboração nos estudos
Além de contribuir para o desenvolvimento da pesquisa básica em torno do nanomagnetismo no Brasil, o LMBT tem formado pessoal altamente qualificado na área. Atualmente, conforme Knobel, os estudos têm contado com a participação de quatro pós-graduandos (dois estudantes de mestrado e dois de doutorado) e de mais cinco pós-doutores. O professor ressalta, ainda, a importância dos trabalhos feitos em colaboração com outros grupos, tanto nacionais quanto estrangeiros, iniciativa que tem aprimorado o conhecimento de todos os envolvidos.
No Brasil, afirma o docente, a comunidade científica que se dedica ao estudo do magnetismo tem crescido em quantidade e qualidade. Dentro dela, acrescenta, o grupo da Unicamp tem tido um excelente reconhecimento. Isso pode ser medido, segundo Knobel, pelo número e importância das publicações geradas, bem como pela quantidade de convites recebidos para a participação em eventos científicos. "Isso só comprova que o Brasil tem condições de trabalhar em nanociência e que nossos pesquisadores têm competência para contribuir nos campos das idéias e dos modelos", analisa. E completa: "só falta estimularmos a criação de novas empresas que atuem na transformação dessas idéias e modelos em produtos, de modo a criarmos um círculo virtuoso". As pesquisas realizadas no LMBT contam com o apoio financeiro da Fapesp e CNPq. (Unicamp)
Notícia
O Estado do Paraná