Notícia

Correio da Bahia

Imaginário x Diversidade

Publicado em 11 novembro 2006

O professor Johnni Langer e Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e pós-doutorado em Historia pela Universidade de São Paulo - USP, como bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP

Pesquisador dos temas imaginários na cultura de massa e mídia, especial mente os vinculados a civilizações e povos antigos e medievais, Johnni concedeu entrevista exclusiva ao Caderno Aprovado!, falando sobre temas relacionados ao continente africano.
O doutor elogiou a criação da lei 10639, mas diz que os manuais precisam dar valor à historia africana na Idade Media, com civilizações tão importantes quanto as fundadas na Europa.
Autor de artigo "Civilizações perdidas no continente negro: o imaginário arqueológico sobre a África", o professor diz que só a Educação pode retirar a visão estereotipada que temos sob a África. "Somente com o estudo, divulgação e incremento da pesquisa histórica e educação A eliminação de estereótipos veiculados pelo imaginário só pode ocorrer com õ conhecimento histórico, que também fornece identidades para o presente e para o futuro", afirma Langer. Leia a íntegra da entrevista:

Caderno Aprovado: Qual a visão do continente africano que impera no imaginário popular?
Johnni Langer: Eu diria que o imaginário sobre a África que impera na cultura de massa do ocidente possui duas vertentes principais: A: imagem de barbárie e primitivismo africanos morando em choupanas, executando musica em tambores, seminus e com vida bucólica (ignorando o progresso tecnológico e social que os próprios europeus trouxeram desde o século XX e as grandes cidades construídas a partir do século XX), B: um continente selvagem e repleto de perigos e de animais selvagens, sem levar em conta a enorme discrepância geográfica e biológica (existem africanos que nunca viram leões na vida, por exemplo). Assim como para um ocidental (norte-americano ou europeu) e difícil imaginar o Brasil sem florestas ou indígenas, para a cultura de massa contemporânea a idéia de África com animais e africanos selvagens ainda e uma constante muito poderosa e vai desaparecer com muita dificuldade.

CA: Como o senhor imagina que a África vai se "curar" desse passado trágico de exploração?
JL: E uma pergunta complexa. Não podemos pensar na África como uma região uniforme, nem em termos natamis ou humanos, muito menos no histórico. Cada região possui singularidades no que diz respeito a um passado de colonização e também a especificidades culturais que tiveram respostas diferentes a esse mesmo processo.
Assim, o próprio entendimento do passado colonial e variável conforme a nação africana, para alguns possui aspectos positivos (principalmente nas variáveis tecnológicas e na exploração dos bens de consumo) e para outros negativos (exploração humana, racial, econômica) E através da educação interna, abada ao bom relacionamento externo com as nações ocidentais, que acreditamos existirem as melhores possibilidades de sucesso no futuro para os "traumas" históricos em cada caso africano.

CA: Porque a imagem da África subdesenvolvida continua a imperar mesmo nos lugares da diáspora, como nas periferias das capitais brasileiras?
JL : Porque não podemos esquecer que o Brasil e a América Latina como um todo foram colonizados (e ainda - o são) não somente em termos sócio-econômicos, mas também em termos culturais Deste modo, somos herdeiros de um processo de imperialismo do imaginário que ate hoje e transmitido via mídia, historias em quadrinhos, literatura e principalmente cinema.
Como as imagens são mais poderosas no imaginário que o texto escrito, o ensino tradicional não pode competir e mudar esse quadro tão cedo. Como já havido dito antes, muitos brasileiros se mostram perplexos quando africanos visitam o pais e afirmam que nunca viram leões na vida, por exemplo. O imaginário possui um quadro fixo de elementos e tudo o que sai deste esquema perturba o individuo. Se existem regiões muito pobres na África, isso não significa que também não existem grandes centros urbanos e extremamente desenvolvidos. A existência de florestas tropicais não e uma constante geral para o continente, que também possui desertos, savanas e outros contrastes geográficos. Existe uma grande quantidade de regiões onde imperam os africanos negros, mas também muito antes dos europeus, ocorriam os locais de influência branca (via herança árabe).

CA: Os programas assistenciais ao continente organizados pelas entidades internacionais não-governamentais ou mesmo pela Onu, estão revertendo o problema da África.
JL: Cada região da Aflita possui problemas internos de vários tipos. Não posso afirmar que os projetos assistencialistas estrangeiros vão modificar o quadro de sena crise econômica e pobreza de alguns locais, porque esses problemas são causados alem de motivos naturais (seca) por crises sociais e políticas (guerras e conflitos) e herança colonial, o que pode exigir empenho de ordem interna os próprios africanos devem ditar o rumo dessas soluções.

CA: O senhor acompanhou a implementação da Lei que obriga as escolas a ensinarem Historia da África Que avaliação faz da iniciativa governamental?
JL: Foi uma iniciativa excelente.Acredito que é principalmente através da educação que podemos reverter muitos estereótipos, alem de estabelecer importantes modificações sociais para o futuro. Por meio desta lei, muitas publicações estão ocorrendo, eventos acadêmicos, cursos, treinamentos específicos, enfim, uma serie de medidas muito eficientes. Apenas chamo a atenção para um ponto muitos manuais e estudos estão concentrando seu foco exclusivamente no período contemporâneo (séculos XIX e XX), esquecendo outras épocas igualmente importantes para a historia da África, como a Idade Media e seus esplendorosos remos Mali, Zimbawe, entre outros, que possuíam civilizações tão sofisticadas como a Europa do período (com bibliotecas, cidades monumentais) e cujas rumas são hoje visitadas por muitos turistas, mas ainda são poucos conhecidas fora da África.

CA: Atualmente quais são os piores problemas do continente e como o senhor acha. que eles deverão ser resolvidos?
JL: De um lado, especialmente a te organização de muitos Estados e sua orientação para as reais demandas da sociedade civil, superando os desafios eminentes. De outra perspectiva, uma melhor incremento da agricultura, propiciando fonte de empregos, alimentos e matérias-primas para a industria. Não adianta as colaborações internacionais se a fome em alguns paises não e combatida internamente, visto o aumento demográfico alarmante. Nas palavras do especialista Jose Saraiva, a fome africana tem origem no sistema econômico gerado pelo colonialismo e só tem solução numa superação interna do subdesenvolvimento e da dependência. Outro problema que surge com grave intensidade e o aumento da Aids, que só e combatida eficazmente com campanhas educacionais e mudanças de altitudes da própria sociedade.

CA. Como educadores e estudantes podem contribuir para modificar o pensamento em relação África ou mesmo contribuir para reconstrução dessa cultura fundamental para a formação do Brasil?
JL: Somente com o estudo, divulgação e in da pesquisa histórica e educação A eliminação de estereótipos veiculados pelo imaginário só pode ocorrer com o conhecimento histórico, que também fornece identidades para o presente e para o futuro. A formação de do país possui vínculos muito estreitos com a África, mas e preciso também se dar conta que o continente africano e um conjunto muito complexo de culturas, de diversidades biológicas e geográficas — mesmo durante o século XVI e ate hoje. Essa e a palavra correta para se entender a África no seu passado e no seu presente diversidade. Respeitando as diferenças, mas pensando nos problemas comuns e também no processo diacrônico (uma mesma colonização estrangeira)