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Ilha do ES é paraíso de caranguejo raro e ameaçado de extinção (10 notícias)

Publicado em 05 de janeiro de 2024

Entre dezembro e abril, é possível notar uma peculiar migração na Ilha da Trindade, que compreende o território mais a leste do Brasil, a 1.200 quilômetros da capital do Espírito Santo, Vitória. Vindos das montanhas, centenas de caranguejos-amarelos (Johngarthia lagostoma) andam em direção à praia, onde copulam e liberam suas larvas ao mar.

Depois que as larvas se desenvolvem, os indivíduos juvenis buscam ambientes terrestres, em um processo de migração ainda mais desafiador que envolve a busca de áreas de residência nas partes mais altas da ilha, como o Morro do Príncipe, 136 metros acima do nível do mar, ou o Pico do Desejado, com altitude de 612 metros. Quando se tornam adultos, refazem o caminho dos mais velhos até as praias, como a dos Andradas, que são áreas reprodutivas. Assim, reiniciam o ciclo vital.

Essas informações básicas, mas essenciais à conservação dessa espécie em perigo de extinção, foram algumas das obtidas no âmbito de um projeto apoiado pela Fapesp. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Marine Ecology.

O grupo, liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), conta ainda com autores das universidades federais do ABC (UFABC) e de Santa Catarina (UFSC).

Após uma série de análises, os autores concluíram que o Morro do Príncipe, onde foi encontrada a maior proporção de juvenis, e a Praia dos Andradas, local com maior proporção de fêmeas com ovos e indivíduos adultos, devem ser considerados áreas prioritárias para a conservação da espécie. A Praia das Tartarugas e o Pico do Desejado foram os outros dois pontos analisados, considerados locais de residência para esses animais.

“Ainda que hoje a Ilha da Trindade se encontre com expressiva preservação, por estar dentro de uma Unidade de Conservação, é importante considerar cuidados especiais para essas áreas, para a implantação de ações de conservação mais efetivas. No Morro do Príncipe, os juvenis permanecem até se tornarem adultos, o que é importante para manter a população em longo prazo. A Praia dos Andradas, por sua vez, tem vital relevância à reprodução”, explica Márcio Camargo Araújo João, que realizou o trabalho como parte de seu mestrado com bolsa da Fapesp no Instituto de Biociências do campus do Litoral Paulista da Universidade Estadual Paulista (IBCLP-Unesp), em São Vicente.

Caranguejo terrestre

Além da Ilha da Trindade, a espécie ocorre no Brasil em Fernando de Noronha e no Atol das Rocas. A quarta ilha onde ocorre é em Ascensão, território ultramarino britânico no Atlântico. A única ocupação humana na Trindade, que na verdade compreende o pico de uma montanha submersa, é uma base da Marinha do Brasil e sua estação científica. No total, cerca de 40 pessoas se revezam a cada dois meses nesse território insular de 13 quilômetros quadrados.

Enquanto a maior parte das espécies de caranguejo passa a vida toda em contato com a água, o caranguejo-amarelo faz parte de um grupo que se adaptou às florestas, utilizando o mar apenas durante o desenvolvimento e dispersão larval. Por isso, a vegetação preservada é um importante componente para a conservação da espécie.

“A floresta da ilha é menos expressiva do que a de Ascensão, por exemplo. Mas, em Trindade, a espécie tem uma população ainda abundante e muito bem estabelecida, se alimentando não somente da vegetação local, mas de ovos e filhotes de tartaruga. Lá, o caranguejo-amarelo é uma espécie sem concorrentes, sendo um predador de topo de cadeia”, contextualiza Marcelo Antonio Amaro Pinheiro, professor do IBCLP-Unesp que coordenou o estudo.

Por não terem concorrentes na Trindade, caranguejos-amarelos são predadores de topo de cadeia na ilha, onde se alimentam até mesmo de filhotes de tartaruga (foto: Márcio Camargo Araújo João)

“Por sua vez, Fernando de Noronha, com seus 3.167 habitantes e quase 150 mil turistas recebidos só em 2022, tem um impacto maior da presença humana, desde a urbanização até a presença de espécies introduzidas, como gatos, cachorros e ratos”, completa.

por Agência FAPESP