Um importante passo rumo ao tratamento específico de uma grave doença renal foi dado por um trabalho internacional coordenado pelo brasileiro Luiz Fernando Onuchic, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A edição de maio (com antecipação eletrônica em 15 março) da American Journal of Human Genetics, uma das principais revistas científicas da área dê genética do mundo, publica o trabalho desta equipe, que inclui pesquisadores das Universidades Johns Hopkins, Yale, Alabama/Birmingham, Case Western Reserve (EUA) e Aachen (Alemanha). O grupo identificou o gene responsável pela doença renal policística autossômica recessiva, conhecida pela sigla em inglês ARPKD. A enfermidade acomete um em cada 20 mil nascidos vivos. No Brasil, onde nascem 3 milhões de bebês por ano. o número estimado de novos casos nesse período seria de 150. Até a metade dos recém-nascidos afetados pela doença morrem logo após o nascimento e até 20% dos pacientes com a doença não alcançam os 5 anos de idade. O Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo acompanha 25 casos.
O trabalho de Onuchic e seus 17 companheiros consistiu na identificação e caracterização do gene PKHD1 (sigla em inglês para Polycystic Kidney and Hepatic Disease 1), alvo de mutações em suas duas cópias na doença renal policística autossômica recessiva. Os rins das crianças que apresentam a forma severa da doença ao nascimento são aumentados, podendo chegar a um peso até 10 vezes maior que o normal. Os doentes que sobrevivem ao período inicial de vida têm uma evolução variável. Entre eles, a hipertensão arterial severa, a perda progressiva da função dos rins e anormalidades no fígado são as principais causas de piora clínica e morte. Aproximadamente metade desses doentes perdem completamente a função dos rins ao longo dos primeiros 10 anos de vida. Nesses casos, as crianças dependem de diálise ou de um transplante de rim para permanecerem vivas.
CONSÓRCIO INTERNACIONAL
O primeiro passo para a descoberta do gene PKHD1 foi dado há oito anos, quando pesquisadores alemães localizaram o gene numa região do cromossomo 6. A partir deste dado, o professor Gregory Germino, da Universidade Johns Hopkins, onde Onuchic trabalhou de 1994 a 1999, organizou e liderou o consórcio internacional que viria a decifrar a causa genética da doença. Além da publicação do trabalho na revista American Journal of Human Genetics, o grupo de pesquisadores já entrou com pedido de patente da descoberta nos Estados Unidos. O crédito da descoberta, no entanto, está sendo compartilhado com um outro grupo de investigadores da Clinica Mayo, Estados Unidos. Este grupo também identificou o gene PKHD1 praticamente ao mesmo tempo, utilizando uma estratégia cientifica diferente da de Onuchic e colegas. Seu trabalho foi publicado na edição de março da revista Nature Genetics.
"O gene PKHD1 é um gene novo, muito grande e complexo. Nossos estudos sugerem que ele possa codificar muitas proteínas distintas. A maior entre as proteínas potenciais é provavelmente a mais importante. A análise inicial desta proteína já nos dá algumas informações sobre como ela poderia funcionar", comenta Onuchic.
A descoberta deixou animados os participantes deste trabalho, uma vez que a identificação deste gene abre as portas para o desenvolvimento de tratamentos específicos para a doença. Permite, ainda, que se inicie imediatamente o desenvolvimento de um teste baseado em DNA, para detecção de mutações, que poderia ser usado para identificar potenciais portadores (do gene mutado) ou indivíduos afetados. Todo ser humano tem duas cópias de cada um dos genes localizados nos cromossomos autossomais, uma herdada do pai e outra da mãe. Para que apresente a doença renal policística autossômica recessiva, o indivíduo deve ter as duas cópias do gene PKHD1 imitadas. Quem tem apenas uma delas mutada não fica doente, mas pode transmitir a doença a seus filhos, se o(a) parceiro(a) também tiver uma cópia com mutação (probabilidade de 25% para cada filho(a)). "A implicação mais importante da descoberta do gene é que agora nós podemos ter as primeiras informações sobre o papel da proteína em condições normais. Agora nós podemos desenvolver sistemas que nos permitirão determinar porque a proteína é tão importante, e como sua mutação ou perda causa a doença", explica Gregory Germino. No Brasil, o projeto denominado Genética Molecular da Doença de Rim Policístíco Autossômica Recessiva Humana foi desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP, sob a coordenação de Luiz Fernando Onuchic e sob financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Notícia
Gazeta Mercantil