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Identificação de polimorfismo (1 notícias)

Publicado em 02 de julho de 2009

Por Alex Sander Alcântara

Um grupo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara (SP), em parceria com colegas de outros centros de pesquisa, tem inovado ao utilizar técnicas que identificam polimorfismo (alterações na estrutura cristalina das moléculas do princípio ativo) em medicamentos.

O grupo de pesquisa é precursor, no Brasil, na utilização dos métodos Rietveld e da difração de raios X por policristais (DRX) para detectar o polimorfismo. O fenômeno ocorre quando dois ou mais compostos têm a mesma fórmula química mas estruturas cristalinas diferentes. Pode se manifestar tanto durante a síntese de um princípio ativo como no processo de fabricação ou armazenamento do medicamento.

De acordo com Carlos de Oliveira Paiva-Santos, professor adjunto do Instituto de Química de Araraquara, diferentes polimorfos podem ter propriedades físico-químicas variadas, capazes de alterar a eficácia de um remédio.

“Nosso grupo trabalha no desenvolvimento das ferramentas de caracterização dos fármacos por difração de raios X por pó. Isso envolve a quantificação de polimorfos de maneira inequívoca, a determinação da forma e as dimensões dos cristais, sendo a estrutura cristalina conhecida ou não”, disse Paiva-Santos à Agência FAPESP.

O coordenador do Laboratório Computacional de Análises Cristalográficas e Cristalinas (LabCACC) é um dos pesquisadores do Projeto Temático “Influência da texturização e de defeitos cristalinos nas propriedades ferroelétricas de filmes finos e cerâmicos”, apoiado pela FAPESP e coordenado por José Arana Varela, diretor executivo da Agência Unesp de Inovação e vice-presidente do Conselho Superior da FAPESP.

A pesquisa envolve a síntese de filmes finos com propriedades ferroelétricas, que “podem ser usadas como memórias para computadores ou outros dispositivos, eletrônicos”, conta Paiva-Santos.

Ao dar exemplos sobre a importância de identificar casos de polimorfismo, o físico cita a talidomida, medicamento usado nas décadas de 1950 e 1960 para combater enjôos matinais em grávidas. A indústria farmacêutica considerava o medicamento seguro, mas posteriormente foi comprovado que provocava malformações congênitas nos bebês.

Segundo Paiva-Santos, o composto era vendido no que se chama mistura racêmica, na qual as unidades da molécula se apresentam como se uma fosse a imagem da outra vista em um espelho.

“Uma das formas apresentava os efeitos nocivos e a outra forma os terapêuticos. Com o medicamento sendo vendido com a mistura das duas formas, quem o usava acabava sofrendo os dois efeitos. Hoje, sabe-se que a forma terapêutica também é metabolizada para a forma nociva e que, por isso, a talidomida deveria ter sido evitada por grávidas”, explicou.

O pesquisador salienta que atualmente a droga é utilizada, com cautela, para tratar casos de hanseníase, câncer, transplante de medula, lúpus e Aids.

Outro exemplo de polimorfismo ocorre com o mebendazol, usado para eliminar vermes do organismo. O antiparasitário tem três polimorfos conhecidos, chamados de forma A, B e C. A estrutura cristalina da forma A foi determinada por Paiva-Santos e equipe.

“A forma C é a que possui efeitos ativos para a redução dos helmintos. A forma B é nociva e a forma A não possui efeito terapêutico, ou seja, é como se fosse parte do placebo. A identificação dessas formas é fundamental para a fabricação do medicamento. Deve-se tomar muito cuidado para que a forma B não esteja presente o medicamento”, destacou.

Métodos aprimorados

A difração de raio X por policristais detecta o polimorfismo e o método de Rietveld determina a porcentagem em que ele ocorre nos princípios ativos de drogas. “Os métodos que usamos não são novos, mas estamos definindo como eles podem ser aplicados, sem ambiguidade, na análise de fármacos”, contou Paiva-Santos.

O grupo da Unesp inovou ao empregar o método de Scarlett-Madsen (SM) que, por ser bastante novo, ainda não foi aplicado em casos reais, nem mesmo com óxidos. Os pesquisadores estão aprimorando o método para aplicação com fármacos nos quais a estrutura cristalina normalmente não é conhecida.

“Um trabalho nosso usando o método de SM foi apresentado em maio na Escócia pela doutoranda Selma Gutierrez Antonio, no 8th Pharmaceutical Powder X-ray Diffraction Symposium, com excelente aceitação. Pôde-se verificar que poucos usam os métodos de Rietveld e ninguém usa o método de Scarlett-Madsen, exceto nosso grupo, para a análise de polimorfos”, disse Paiva-Santos.

Segundo o professor da Unesp, o grupo mostrou que muitas vezes os polimorfos, embora estejam presentes, não são identificados devido à qualidade inadequada dos dados de difração. “Acreditamos que, no Brasil, embora existam profissionais competentes, ainda são poucos para a demanda na área de fármacos”, apontou.

A identificação é normalmente feita com base em um banco de dados de difração de raios X, comercializado pelo International Centre for Diffraction Data (ICDD). “Mas esse banco, além de ser caro e requerer a renovação da licença anualmente, apresenta falhas, mesmo quando o difratograma é obtido com base na estrutura cristalina”, afirmou Paiva-Santos.

“Essas falhas são corrigidas quando observadas por especialistas mas, enquanto isso não ocorre, o usuário corre o risco de se basear em informações erradas. De certa forma podemos dizer que não temos certeza do que estamos fazendo quando baseamos nossas análises nesse banco de dados”, disse.

O grupo de pesquisadores do LabCACC já conseguiu analisar várias substâncias e definir critérios para quantificação de polimorfos das matérias primas, como ácido mefenâmico (anti-inflamatório não esteróide), carbamazepina (antiepiléptico, neurotrópico e agente psicotrópico), tibolona/isotibolona (para reposição hormonal feminina ou metabólico da tibolona), atorvastatina (estatina para controle do colesterol), gestodeno (usado na fabricação de pílula anticoncepcional) e mebendazol (antiparasitário).

“Além desses estamos trabalhando com outros compostos, como sinvastatina (estatina para controle do colesterol), bezafibrato (reduz os níveis de triglicérides e colesterol) e espiroonolactona (diurético, anti-hipertensivo)”, acrescentou.

Discussão nacional

Com o apoio da FAPESP foram adquiridos os difratômetros do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) da Unesp e do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGC-USP), onde parte das medidas é realizada. Dados de difração também são obtidos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

“Embora esses equipamentos não sejam dedicados unicamente à análise de fármacos, pois a demanda é muito grande para os materiais cerâmicos e filmes finos, nós os usamos quando possível para nossas análises”, disse Paiva-Santos.

“Nosso objetivo é montar um laboratório dedicado a essas análises, pois, como temos verificado, para cada fármaco temos um tipo de problema a resolver, principalmente aqueles que envolvem a anisotropia dos cristalitos, a orientação preferencial e a sobreposição de picos que mascaram os picos de alguns polimorfos”, apontou.

Segundo o professor, o polimorfismo deve ser discutido dentro de uma política pública de saúde no Brasil, levando em conta as necessidades básicas da população.

“Trata-se de um grande desafio e acreditamos que isso deve ser norteado por uma política pública. Existe um grande debate sobre o patenteamento de polimorfos, se devem ou não ser patenteados e em que condições isso pode ocorrer. Novas drogas devem ser patenteadas, claro, porque senão as pesquisas nessa área seriam aniquiladas. Mas o patenteamento de um novo polimorfo deve ser tema de política pública”, disse.

Além de Paiva-Santos, o grupo é composto por Fabio Furlan Ferreira (LNLS), Flávio Machado de Sousa Carvalho (IGC-USP), Rogério Machado (Departamento de Física da Universidade Federal do Sergipe), Selma Gutierrrez Antonio (IQ-Unesp) e alunos de mestrado e de iniciação científica.

Mais informações: http://labcacc.iq.unesp.br