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Agência C&T (MCTI)

Idéias quentes para uma ética ambiental (1 notícias)

Publicado em 10 de abril de 2008

Por José Eli da Veiga, de Cambridge

Esses três recentes e utilíssimos lançamentos de duas editoras britânicas têm muita coisa em comum, embora sejam dirigidos a segmentos bem diferentes de leitores. São textos de filosofia moral, escritos por profissionais do ramo, e sobre o mais crucial cacho de desafios do século XXI: os socioambientais. Além disso, são irrelevantes as diferenças de abordagem teórica, embora seja imensa a diferença de estilo entre os dois primeiros e o terceiro. Os professores Dale Jamieson, da universidade de New York, e Kevin Gibson, da católica Marquette (Wisconsin), sistematizaram seus cursos em amplas introduções às éticas ambiental e empresarial. Já a aposta do secretário do Royal Institute of Philosophy, James Garvey, foi bem mais arriscada: dizer sem rodeios o que considera certo e errado em um mundo em aquecimento ("Right and wrong in a warming world" é o subtítulo). 

Impossível exagerar a importância dessa trinca, pois os desafios colocados pela emergência socioambiental são antes de tudo éticos. No que se refere às empresas, é até desnecessário argumentar, pois basta pensar um pouco no termo escolhido para essa dimensão: "responsabilidade". Mas não é muito freqüente que o mesmo seja assumido por cientistas sociais, com destaque, é claro, para os economistas. Tendem a transmitir a ilusão de que os graves problemas socioambientais deste século poderiam ser razoavelmente analisados no âmbito de suas disciplinas, sem necessidade de abordar questões prévias e bem mais abstratas sobre o modo com que a espécie humana lida com todo o restante da natureza. Exemplo bem recente acaba de ser oferecido por Jeffrey D. Sachs, ao afirmar que "o controle climático não é um jogo moral, mas um desafio tecnológico prático e solucionável" ("Scientific American Brasil", abril 2008, pág. 28). 

O pior é que a maioria dos analistas nem sequer percebe quanto qualquer de suas opções metodológicas está profundamente enraizada em alguma das grandes famílias da filosofia moral. Principalmente no conseqüencialismo (com suas três ramificações utilitaristas), e por vezes universalismo kantiano. Nem tanto na chamada "ética da virtude", pois esta só surgiu a partir de 1958 em obras de discípulas de Wittgenstein, principalmente a ultra-conservadora católica Elizabeth Anscombe. E é interessante notar que Jamieson aponta para grandes similaridades entre essa "ética da virtude" e os discursos dos pensadores americanos que mais influenciaram o socioambientalismo contemporâneo: o abolicionista Henry David Thoreau (1817-1862), o preservacionista escocês John Muir (1838-1914), o especialista em florestas Aldo Leopold (1887-1948) e a bióloga marinha Rachel Carson (1907-1964). 

Será que, para orientar comportamentos individuais e coletivos diante das graves questões socioambientais contemporâneas, deve-se escolher alguma dessas opções de filosofia moral, alguma das inúmeras religiões, ou mesmo a espiritualidade proposta por Leonardo Boff? É o contrário que parece ser confirmado pelas evidências apresentadas nesses três excelentes livros. Nenhum deles chega a dizer que os avanços científicos no âmbito ecológico apontam para a necessidade de uma ruptura com os limites de todas as atuais correntes éticas. Mas os três demonstram preferência por certo ecletismo, que chamam de "pluralismo". Algo que possa juntar os pontos mais fortes de cada corrente, para encontrar as posturas éticas que respondam ao principal desafio do século XXI: o desenvolvimento sustentável. 

O melhor exemplo está justamente no aquecimento global. Três são os critérios que devem orientar qualquer proposta de ação, segundo Garvey. E eles têm a ver com passado, presente e futuro. Não há como apagar as "responsabilidades históricas" nesse fenômeno eminentemente cumulativo que é a concentração de gases estufa na atmosfera. Por mais que seja difícil operacionalizar essa diretriz, seria inadmissível exigir o mesmo esforço de contenção das emissões da parte de populações que muitas vezes ainda nem tiveram acesso à eletricidade. Coisa semelhante ocorre com o segundo critério, que se refere às presentes diferenças de "capacidade" de que os segmentos sociais dispõem para obter mais eficiência energética, reduzir seu consumo, seqüestrar carbono, ou evitar emissões. A trindade se completa pelo critério relativo ao futuro, inteiramente embutido na recente noção de sustentabilidade ambiental. O que está em em jogo aqui são as tão faladas, mas quase sempre menosprezadas, gerações futuras. 

O problema seria bem mais simples se esses três critérios convergissem, em vez de conflitar. Todavia, o mais provável é o contrário, como salienta Garvey. Particularmente o terceiro, da sustentabilidade, expressa essencialmente o dever de se evitar que seja acelerado o processo de extinção da espécie humana. Ora, a depender do grau de concentração de gases estufa na atmosfera, e da decorrente probabilidade de inadmissível elevação da temperatura média do globo, é claro que os outros dois critérios deixarão de ter tanta pertinência. Diante de um cenário catastrófico para futuras gerações, poderá se tornar imoral enfatizar as diferenças pretéritas entre as nações, ou mesmo admitir que as emissões sejam reduzidas somente pelos que já tem capacidade de fazê-lo. 

É claro que nada disso constituirá problema se a razão estiver com os chamados "céticos", que negam a preponderância da ação humana na mudança climática em curso. Mas nenhum dos três livros leva a sério essa hipótese. Garvey dedica um capítulo para convencer o leitor de que só existe incerteza científica sobre questões das mais secundárias, e que seria ridículo dar ouvido aos que tentam refutar as teses do IPCC. Jamieson chega a admitir a hipótese de que os "céticos" estejam certos, mas sugere que sua probabilidade seja idêntica à de que o leitor ganhe amanhã uma fortuna na loteria. 

Outro ponto comum que merece destaque é o desdém pelo chamado "princípio da precaução", aceito pelos 160 países que assinaram a Declaração da Rio-92, e que adquiriu tal importância na França a ponto de ser inserido na Constituição. Só é abordado por Garvey em cinco parágrafos dedicados à sua completa desqualificação. Por mais estranho que pareça, sequer é mencionado nos dois outros livros, que terão muito mais influência, pois são manuais que já estão sendo adotados em inúmeros cursos universitários de língua inglesa. 

José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA-USP. Com apoio da Fapesp, está na Universidade de Cambridge como pesquisador associado do "Capability & Sustainability Centre". Página web: www.zeeli.pro.br