IAC investirá em tesoura genética para citros, café e cana Nobel de Química, pesquisa visa tolerância ao greening, café sem cafeína e cana “especializada”
O Instituto Agronômico (IAC) terá R$ 34,8 milhões disponíveis entre recursos financeiros, estruturais e de pessoal para pesquisas disruptivas nas cadeias de citros, café e cana-de-açúcar com a técnica de “tesoura genética”.
Os objetivos são, por exemplo, variedades de citros resistentes ao greening, árvores de café descafeinado e plantas de cana “especializadas” em açúcar ou energia.
“As três culturas foram escolhidas por sua importância em São Paulo e no Brasil”, diz a líder do NPOP/IAC, Mariângela Cristofani Yaly
O montante é a soma de R$ 4,54 milhões vindos de um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), R$ 4,47 milhões da iniciativa privada e outros R$ 25,79 milhões em infraestrutura e recursos humanos do Estado de São Paulo .
As pesquisas visam ampliar a base científica e tecnológica para solução de desafios bem definidos apontados pelo Núcleo de Pesquisa Orientado a Problemas – SP (NPOP-IAC) e pela iniciativa privada.
Assim, as três cadeias agrícolas terão o reforço da biotecnologia para acelerar estudos que trarão resultados inéditos, inclusive para a agricultura mundial.
A maior celeridade será proporcionada pelo método de edição de DNA, chamada CRISPR/Cas9 (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), que significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.
Esta é a tecnologia que rendeu o prêmio Nobel de Química 2020 às cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, responsáveis pelo desenvolvimento da chamada “tesoura genética”.
“Essas três culturas foram escolhidas pela importância que têm em São Paulo e no Brasil e pelo protagonismo do IAC no desenvolvimento de cultivares dessas espécies perenes e semi-perenes”, conta a pesquisadora e líder do NPOP-IAC, Mariângela Cristofani Yaly.
Na área de citros, o foco é a doença conhecida como huanglongbing (HLB) – o greening, considerada a mais devastadora nos pomares citrícolas no mundo. Na de café, o objetivo é desenvolver cultivar de café tipo arábica naturalmente desprovida de cafeína a fim de buscar saudabilidade e incluir o produto em novos mercados.
Nos estudos com cana-de-açúcar, pretende-se gerar cultivares com tolerância ao estresse hídrico e a patógenos a partir do uso de edição gênica em plantas geneticamente modificadas (transgênicas) e não geneticamente modificadas.
“O conteúdo dos três projetos e a aprovação obtida mostram o alinhamento da ciência agronômica paulista com esse cenário de inovação e tecnologia de ponta, mundialmente reconhecida pelo Nobel 2020”, afirma o diretor-geral do IAC, Marcos Antônio Machado. Para o gestor, é necessário somar esforços nas pesquisas para o agro, aumentar a eficiência e otimizar estruturas.
Além do NPOP-IAC, no edital da FAPESP chamado Ciência Para o Desenvolvimento, também foi selecionado o NPOP do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) – NPOP-BIS, voltado a ingredientes saudáveis.
Os dois projetos de pesquisa foram elaborados, avaliados e aprovados considerando os problemas específicos para os quais se voltam as soluções a serem geradas com as pesquisas.
Os recursos para esses dois NPOP de Institutos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo , que são sede das pesquisas, somam R$ 69,6 milhões, sendo R$ 7,240 milhões da FAPESP, R$ 8,47 milhões de empresas e R$ 53,89 milhões do Estado, incluindo as infraestruturas e salários de equipes.
De acordo com Mariângela, no NPOP-IAC, as equipes das três culturas estão trabalhando com ferramentas da biotecnologia, utilizando técnicas semelhantes e haverá ajuda mútua na busca por estratégias de cultivo que possam agregar valores.
“No NPOP-IAC pretendemos agregar o que estamos fazendo para obter novas cultivares e nossos sistemas de produção, a edição genômica será a estratégia usadas para as três culturas”, explica. Outra semelhança entre as três áreas é a interação com o setor privado em suas atividades científicas na chamada tríplice hélice da inovação.
Citros
No caso dos citros, pretende-se chegar a uma planta editada para controle do greening, com porta-enxerto que induza a copa a um tamanho reduzido, resultando em sustentabilidade e redução do custo de produção. Em citros, são considerados a variedade copa, parte aérea da planta, e o porta-enxerto, que fica sob o solo.
Todo o esforço será em busca de soluções para o HLB ou Greening, visto que não existe, até o momento, variedade tolerante. As equipes terão três linhas de atuação. Na primeira, serão avaliados citros geneticamente modificados (GM) em ensaios de campo, que já estão em andamento.
A segunda linha terá edição gênica por CRISPR para silenciar genes associados à resposta de hipersensibilidade da planta à infecção pela bactéria do HLB. Essa ação possibilitará o desenvolvimento de variedades copa resistentes ao HLB.
Espera-se, ao final de cinco anos, ter uma planta editada com as características de tolerância ao HLB, qualidade de fruta, aspecto e sabor desejados. Esta etapa já está em andamento no IAC.
A terceira linha de atuação será o uso de porta-enxertos citrandarins (híbridos de tangerinas com Poncirus trifoliata), obtidos no programa de melhoramento de citros do IAC. Esses materiais têm tolerância ao HLB, isto é, reduzem o impacto da doença, além de diminuírem o tamanho da copa da planta, característica muito demandada pelo setor citrícola. Veja mais infos aqui.
O Brasil é o maior produtor mundial de laranja, o estado de São Paulo é líder em produção e exportação mundial de suco. Nos pomares brasileiros, são IAC 90% das cultivares copa e 95% de porta-enxertos. O valor bruto de produção do setor citrícola é de R$ 14 bilhões, por ano. Os desafios do setor são sustentabilidade e controle do huanglongbing (HLB).
Café sem cafeína
NPOP-IAC Café está relacionado ao desenvolvimento de cultivares naturalmente sem cafeína – totalmente desprovidos de cafeína ou com baixíssimos índices. Na área de café, a pesquisa dentro do Núcleo de Pesquisa Orientado a Problemas – SP (NPOP-IAC) é direcionada ao desenvolvimento de uma cultivar de café tipo arábica sem cafeína.
A equipe propôs um método alternativo de obtenção de uma cultivar naturalmente desprovida de cafeína. Esse método é o de edição genômica, com o uso da metodologia CRISPR/Cas9, que consiste no silenciamento do gene responsável pela síntese de cafeína nas plantas.
“Essa tecnologia será adotada para bloquear a síntese de cafeína em uma variedade comercial, que já reúne atributos agronômicos e industriais desejáveis”, explica o pesquisador do IAC, Oliveiro Guerreiro Filho.
Ao invés de transferir esta característica de cafeeiros silvestres, não cultivados, para uma variedade produtiva e resistente, a equipe irá trabalhar em uma variedade comercial, já dotada de boas características e, por meio da edição genômica, bloquear nela a síntese da cafeína. “Isso é fazer edição genômica, é como se, ao editar um texto, o DNA equivalesse a uma frase e dentro desta frase fosse alterada uma letra”, simplifica.
Segundo Guerreiro, há dois caminhos que levam ao mesmo resultado: um deles é o melhoramento genético clássico, que requer de 25 a 30 anos para obter resultados; e o outro é a edição genômica. Este novo método serve para resolver diversos problemas existentes nas diferentes espécies cultivadas e de interesse econômico.
O café reúne fãs pelo mundo. Mas nem todo consumidor lida bem com a cafeína, fato que levou ao crescimento do mercado de café descafeinado. Cerca de 10% do café consumido mundialmente têm essa característica. A expansão de cafés especiais também ampliou a demanda pela bebida com baixo teor de cafeína.
Cerca de 90% do parque cafeeiro brasileiro de café arábica são compostos por cultivares desenvolvidas pelo Instituto Agronômico. O Estado de São Paulo é o maior consumidor, processador e exportador do Brasil, que é o maior produtor mundial de café. O setor cafeeiro nacional movimenta o valor bruto de produção de R$ 25 bilhões, por ano. Os principais desafios são a qualidade da bebida, o mercado de cafés especiais e a sustentabilidade da produção.
Cana “especialista”
Na área de cana-de-açúcar, o objetivo é tornar o setor sucroenergético mais sustentável e competitivo, partindo de resultados de pesquisas científicas já desenvolvidas no Instituto Agronômico.
A equipe irá desenvolver variedades de cana-de-açúcar e cana-energia transgênicas que apresentem aumento de produtividade, tolerância à seca, plantas resistentes ao fungo do carvão e modificação de parede celular para produção de etanol de segunda geração.
“A equipe do IAC identificou genes funcionalmente associados à tolerância a seca que, quando superexpressos em plantas transgênicas, também foram capazes de aumentar a produtividade em condições de estresse hídrico. Também identificou genes envolvidos na composição da biomassa lignocelulósica, de forma a viabilizar a produção de etanol celulósico ou etanol de segunda geração”, explica a pesquisadora do IAC, Silvana Aparecida Creste Dias de Souza.
Segundo a cientista, apesar do potencial energético existente na cana para produção de etanol de segunda geração a partir da biomassa vegetal, sua conversão em biocombustíveis ainda enfrenta obstáculos técnicos e econômicos.
A lignina, um componente estrutural da parede celular vegetal, dificulta o processo de sacarificação e obtenção deste biocombustível. Para obter elevados rendimentos de produtividade, que torne o processo economicamente rentável, é necessário um aperfeiçoamento da matéria-prima.
“Nossa equipe tem prospectado genes capazes de superar esse gargalo desde 2008, e, atualmente, vários genes identificados podem ser utilizados em abordagens de engenharia genética, a fim de alterar o conteúdo e/ou a composição da lignina e de outros componentes da parede celular, por meio de produção de plantas transgênicas”, explica a pesquisadora do IAC.
Os resultados alcançarão toda a cadeia de produção do setor sucroenergético e também as pesquisas nessa área. “O setor será beneficiado por ter acesso a tecnologias robustas para aumento de produtividade da cana-de-açúcar e melhoria da qualidade da matéria-prima da cana-energia para indústria de etanol 2G”, resume Silvana.
Segundo a cientista, a tolerância à seca tem sido uma característica priorizada pelos programas de melhoramento de culturas agrícolas em todo o mundo. Considerando os benefícios para o ambiente, as tecnologias a serem geradas permitirão aumentar a produtividade com economia no uso da água, além de verticalizar a produção, isto é, proporcionar maior produtividade por área. “Temos plantas transgênicas de cana energia em experimentação com até 40% a mais na produtividade”, afirma. (com informações da assessoria de imprensa)