Uma pesquisa inédita do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) identificou a cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata) como a transmissora da escaldadura-das-folhas de cana-de-açúcar, a principal doença bacteriana dessa cultura. O inseto é uma praga que ataca as plantações e possui o potencial de reduzir em até 80% a produtividade. Agora, sabe-se que também carrega a bactéria Xanthomonas albilineans e a transfere para plantas sadias, transmitindo a doença que não tem controle e na maioria das vezes é assintomática.
O estudo tem um grande impacto para a agricultura nacional e paulista. O Brasil é o maior produtor mundial de cana, com cerca de 713,2 milhões de toneladas processadas na última safra (2023/2024), a maior da história, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. O Estado de São Paulo é o líder no país na produção de cana, com uma participação de 54% de todo o volume nacional. A Região Administrativa (RA) de Campinas, formada por 90 municípios, representa em torno de 10% da produção de cana paulista, segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).
O setor sucroenergético ocupa o 3º lugar na pauta de exportação do agronegócio do Brasil, superado apenas pelo complexo da soja e carnes. O estudo do Instituto Agronômico de Campinas foi publicado na revista científica Journal of Insect Science (Revista da Ciência dos Insetos, em tradução livre), publicada pela Sociedade Entomológica dos Estados Unidos em parceria com a Universidade de Oxford. Para a pesquisadora Silvana Creste, do IAC, com a descoberta, o desenvolvimento de variedades resistentes à cigarrinha-das-raízes pode ser uma das estratégias para controlar a escaldadura-das-folhas. “Essa descoberta traz um novo olhar em relação à praga e também à doença, pois nos possibilitou saber que a cigarrinha, além de ser uma das principais pragas da cana, carrega também um inimigo oculto da cana”, explicou.
A TRANSMISSÃO
A cigarrinha-das-raízes é minúscula. Ela mede cerca de 1,2 centímetro de comprimento, e as fêmeas são maiores que os machos. Após ser transferida pelo inseto, a colônia da bactéria se desenvolve principalmente na xilema, o tecido vivo em plantas vasculares cuja função básica é transportar água com nutrientes das raízes para os caules e folhas. Os danos causados pela Xanthomonas albilineans incluem baixa germinação das gemas (formação inicial da planta), queda na produtividade, redução da longevidade dos canaviais e no teor de açúcar da cana, principal item para definir o seu valor.
Os prejuízos dependem da variedade, ciclo da cultura, idade do canavial, condições ambientais, agressividade da doença isolada e do conjunto desses fatores, explicou a pesquisadora, podendo levar até a morte da planta. No Brasil, a cigarrinha-das-raízes está presente em 12 estados, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Alagoas. Ela está amplamente disseminada também nas Américas e no Caribe. Cada fêmea põe, em média, 340 ovos. O período de incubação gira em torno de 15 a 20 dias.
De acordo com Silvana Creste, a descoberta do vetor da bactéria somente foi viabilizada pela tecnologia Invicta IAC, que consiste na produção de mudas em laboratório. Através delas, a sanidade para as doenças transmitidas por mudas são certificadas por técnicas de biologia molecular, além da identidade genética atestada por DNA. “Nós tínhamos convicção de que havíamos entregado mudas sadias ao produtor quando identificamos a ocorrência de escaldadura nos viveiros. No histórico desse viveiro não havia prática do uso de instrumentos mecânicos, até então descritos como a única forma de transmissão da doença. Porém, houve alta infestação de cigarrinha-das-raízes nessa área. Tivemos um novo olhar, desenhamos um novo projeto focado nessa constatação e acabamos por desvendar essa transmissão”, explicou a cientista.
PRÓXIMOS PASSOS
O estudo que mostrou o inseto como vetor da doença bacteriana teve a participação, além da equipe do IAC, de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Jaboticabal; da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq); Instituto de Botânica da Universidade de São Paulo (USP); Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola (Fundag) e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/ USP. Os projetos que viabilizaram a descoberta foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Fundag.
De acordo com Silvana Creste, as próximas etapas da pesquisa pretendem avaliar se outras espécies da cigarrinha-das-raízes também são hospedeiras da bactéria. Outro objetivo é estabelecer novas estratégias de manejo para a praga e a doença. As regras de produção, atualmente, preconizam o uso de mudas sadias e desinfecção de instrumentos de corte no plantio e na colheita.
Conhecer os métodos de transmissão da doença, acrescentou a pesquisadora do IAC, permite definir estratégias para evitar sua ocorrência ou minimizar os danos por ela causados. A pesquisa ainda não gerou uma recomendação para controle da doença, mas a cientista destacou que a descoberta abriu uma nova oportunidade para debates, focando em estratégias de manejo para seu controle em viveiros de mudas e em canaviais, em busca de reduzir os prejuízos.
AUMENTO
Nos últimos anos, a ocorrência do cigarrinha tem aumentado. Segundo os especialistas, um dos fatores que contribuem para o crescimento populacional é a consolidação da colheita mecanizada. Esse método de retirada da cana deixa acúmulo de palha e ajuda a manter a umidade no solo, favorecendo o aumento da população de insetos. Outros itens como histórico populacional da área, manejo realizado, variedades de cana mais suscetíveis e época de corte também favorecem a infestação.
A cigarrinha-das-raízes, por si só, já causa prejuízos para a cultura da cana. Ao se alimentarem, as ninfas introduzem seu aparelho bucal através da epiderme das raízes e radicelas da planta, atravessando todo o córtex e atingindo os vasos lenhosos, de onde retiram seu alimento. A saliva liberada é rica em enzimas e aminoácidos, que auxiliam o inseto no processo de digestão do alimento, mas são tóxicos para a planta, causando necrose nos tecidos radiculares. Essa situação dificulta ou impede o fluxo de água e de nutrientes para a parte aérea da planta. A morte das raízes ocasiona desequilíbrio na fisiologia da planta, caracterizado pela desidratação.
Já os adultos alimentam-se nas folhas e ocasionam a “queima da cana-de-açúcar”, consequência das toxinas injetadas ao se alimentarem. O processo é caracterizado por manchas amareladas nas folhas. Com o passar do tempo, tornam-se avermelhadas e, finalmente, opacas, reduzindo sensivelmente a capacidade fotossintética das folhas e o conteúdo de sacarose do colmo. Essa praga provoca perdas que variam de 25% a 60% na produtividade da cana soca, conhecida também como segunda folha, e 11% na planta, com reduções de até 30% no teor de sacarose.
Edimarcio A. Monteiro/edimarcio.augusto@rac.com.br