Que o Brasil teve seu processo de desenvolvimento e identidade nacional moldados pela cultura do café desde o século XIX até meados do século XX, quase todo mundo sabe. O que provavelmente poucos sabem é que isso só foi possível graças ao trabalho incansável de pesquisadores do Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio do Café “Alcides Carvalho”, do Instituto Agronômico – IAC.
No dia 27 de junho(quarta-feira), o IAC completa 125 anos e sua história como centro de pesquisa se confunde com a própria história da pesquisa em café no Brasil, pois foi criado em 1887 com o objetivo primeiro de assistir tecnicamente ao desenvolvimento da cafeicultura nacional. Desde a concepção, o Centro de Café "Alcides Carvalho" é formado por uma equipe multidisciplinar de cientistas envolvidos em inúmeras atividades de pesquisa e desenvolvimento e de transferência de tecnologia. Esse esforço de pesquisa já permitiu a produção de trabalhos clássicos da literatura agronômica brasileira sobre o produto, gerando soluções para os mais diversos segmentos da cadeia produtiva do café, não só no País, mas também em países da América Central e Latina.
Graças às pesquisas pioneiras realizadas no Instituto Agronômico, o Brasil é hoje o maior produtor e exportador mundial de café e o segundo maior consumidor da bebida. As cultivares Mundo Novo e Catuaí desenvolvidas pelo IAC são carros-chefe da cafeicultura brasileira e, representam cerca de 90% dos cafeeiros arábicas cultivados nos campos brasileiros. Entre as contribuições do IAC ao longo dos seus 125 anos para elevar o País ao posto de primeiro produtor mundial destacam-se: novas cultivares, trabalhos com a adubação do solo que viabilizaram o cultivo do café em solos de cerrado e em processamento pós-colheita - que incluem o desenvolvimento do processo cereja descascado - e estudos pioneiros em secagem, colheita mecanizada, fisiologia do cafeeiro, preparo do solo, arborização, genética e melhoramento genético, armazenamento de sementes e grãos, agroclimatologia - que trouxe grande contribuição para o zoneamento climático -, orientações para a mitigação do efeito do aquecimento global, análises químicas do solo, folhas e sementes, fertilização química, enxertia, mecanização da colheita, taxonomia e evolução das cultivares e espécies de Coffea, qualidade do produto etc.
Consórcio Pesquisa Café - A partir de 1997, com a criação do Consórcio Pesquisa Café, cujo programa de pesquisa é coordenado pela Embrapa Café (Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa), as pesquisas com café conduzidas no IAC ganharam novo impulso. Esse arranjo institucional viabilizou o melhor aproveitamento de recursos humanos, financeiros e de infraestrutura, bem como a transferência de tecnologias já validadas por instituições de pesquisa, ensino e extensão rural nos principais estados produtores. O Consórcio veio atender aos novos desafios que foram colocados para a sustentabilidade do agronegócio café de mais produtividade com competitividade e qualidade.
Genoma Café - Na área de pesquisas biológicas, um fato marcante a partir da constituição do Consórcio é a participação efetiva de pesquisadores do IAC e de Unidades da Embrapa no Projeto Genoma Café, que numa primeira fase desenvolveu o sequenciamento do genoma café, resultando na construção de um banco de dados com mais de 200 mil sequências de DNA. Isso permitiu a identificação de mais de 30 mil genes, responsáveis pelos diversos mecanismos fisiológicos de crescimento e desenvolvimento do cafeeiro. Atualmente as pesquisas são dirigidas à análise das sequencias agregando-lhes função por meio de trabalhos de identificação de marcadores moleculares e de promotores gênicos para dar continuidade ao melhoramento genéticos do cafeeiro. Os reflexos serão diretos no custo de produção, na proteção ambiental e no incremento de produtividade das lavouras, com melhoria da qualidade da bebida e da competitividade do produto.
Sistema para expressão dirigida de genes em raízes e em tecidos foliares - Pesquisa realizada por pesquisadores da Embrapa Café, do IAC e da Universidade Estadual Paulista – UNESP mediante uso de informações geradas pelo Projeto Genoma Projeto Genoma. O sistema consiste em dois promotores obtidos de plantas de café que permitem direcionar e controlar a expressão de genes a eles associados: o Promotor CalsoR, que atua nas folhas, e o Promotor Caperox, que age nas raízes em resposta a um estímulo externo, oferecendo total controle do tipo de OGM (Organismo Geneticamente Modificado) produzido. “É acoplado ao promotor um gene determinado para o que se pretende melhorar na planta, por exemplo resistência a nematóides, não afetando as demais partes, muito menos o fruto do café. E esse mecanismo só é ativado em caso de necessidade, ou seja, em resposta a um estímulo externo, o que representa mais segurança para os consumidores”, explica a pesquisadora Mirian Maluf, da Embrapa Café. Em outras palavras, o gene só será ativado se tiver algum ataque de agente biótico, que, no cafeeiro, é o nematóide da raiz e o fungo das folhas. Outra vantagem é que a técnica também pode ser usada para o melhoramento de várias espécies vegetais de interesse econômico, além do café.
Lançamento de cultivares - Falando em melhoramento genético do cafeeiro conduzidos no IAC para obtenção de cultivares de boas características agronômicas, como produtividade e boa qualidade, o Consórcio apoiou e financiou a seleção de mais seis cultivares de café pelo IAC. São elas: cultivar Tupi IAC 1669-33, resistente à ferrugem e com maturação precoce; IAC Ouro Verde; Obatã IAC 1669-20; IAC 125 RN, resistente à ferrugem e ao nematóide Meloidogyne exigua e de maturação precoce; IAC Ouro Amarelo e IAC Obatã Amarelo.
Café naturalmente sem cafeína - Realizado em parceria com a Embrapa Café, o estudo com o cafeeiro descoberto pelo IAC permitirá que amantes do bom cafezinho com problemas com a ingestão de cafeína possam vivenciar a paixão pela bebida, sem nenhum resíduo químico. Os pesquisadores estão realizando testes em plantas cujo teor da substância é de apenas 0,07%, ou seja,10 vezes menos que o café consumido habitualmente, da espécie Coffea arabica. “Inúmeras espécies, variedades e formas botânicas foram avaliadas e plantas, com teor reduzido de cafeína nos grãos, foram identificadas entre as cerca de três mil plantas da coleção de café arábica oriundas da Etiópia”, explica a pesquisadora Maria Bernadete Silvarolla, do IAC. Mudas clonadas obtidas por estaquia ou cultivo in vitro de matrizes selecionadas em função de sua superioridade agronômica, como produção de frutos e resistência aos principais agentes bióticos da cultura, encontram-se em ensaios de campo desde 2007 e devem ser registradas como novas cultivares clonais.
Origem e os genes responsáveis pela qualidade do café Arábica – É outra pesquisa desenvolvida pelo IAC no âmbito do Consórcio Pesquisa Café, e ainda com financiamento também da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, que tem fornecido também subsídios para pesquisas de melhoramento genético do cafeeiro. O estudo verificou que boa parte dos genes expressos na espécie de café Arábica – que é uma das mais cultivadas e com melhor qualidade de bebida – parece ser proveniente de Coffea eugenioides, uma espécie pouco usada nos programas de melhoramento genético do café e sem qualquer uso comercial. As pesquisas inéditas identificaram genes potenciais responsáveis pela qualidade do café e comprovaram também que a melhor qualidade do Arábica se dá pela maior expressão de genes da produção de açúcares encontrados em seu material genético.
O estudo teve o objetivo de entender as diferenças gênicas entre os cafés arábica e robusta, responsáveis por 70% e 30% da produção mundial de café, respectivamente. “Um dos principais resultados foi a verificação de que o arábica expressa uma maior quantidade de genes relacionados ao metabolismo de açúcares do que o robusta. Esse resultado confirma os dados bioquímicos anteriores, que haviam evidenciado que o grão do arábica possui mais açúcares, que seriam responsáveis pela melhor qualidade da bebida em relação ao robusta”, explica o pesquisador do Centro de Recursos Genéticos Vegetais do IAC, Jorge Maurício Costa Mondego. O estudo, entretanto, tem como mérito o apontamento de quais seriam os genes responsáveis por essas diferenças.
Com os dados em mãos, os pesquisadores do IAC, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) aprofundaram seus estudos e descobriram que a maior quantidade de açúcar do arábica provem de uma espécie de café que não tem qualquer uso comercial. Para chegar a este resultado os pesquisadores investigaram a origem do arábica, que se deu há centenas de milhares de anos, na Etiópia, a partir da hibridação natural dos genomas de C. canephora e de C. eugenioides. “Verificamos que boa parte dos genes que estão relacionados à qualidade de bebida do arábica parece vir de C. eugenioides”, conclui o pesquisador.
Mais sobre o Consórcio - O Consórcio Pesquisa Café é uma experiência de integração da ciência e da tecnologia no País tendo por base a sustentabilidade, a qualidade, a produtividade, a preservação ambiental, o desenvolvimento e o incentivo a pequenos e grandes produtores. Foi fundado por 10 instituições ligadas à pesquisa e ao café: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - EBDA, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Epamig, Instituto Agronômico - IAC, Instituto Agronômico do Paraná - Iapar, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural - Incaper, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro - Pesagro-Rio, Universidade Federal de Lavras - Ufla e Universidade Federal de Viçosa - UFV. Hoje agrega pelo menos mais 45 instituições parcerias. Ao longo de seus 15 anos de existência, o Consórcio Pesquisa Café se consolidou como espaço de geração de tecnologias, conhecimento e de transferência de tecnologia.
As pesquisas do Consórcio Pesquisa Café contam com o apoio e o financiamento do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa. [ www.embrapa.br/cafe | www.consorciopesquisacafe.com.br].