Notícia

Jornal da USP

Hospital oferece tecnologia de ponta

Publicado em 28 julho 2002

O Hospital das Clinicas de Ribeirão Preto absorve cerca de 20% da demanda de internações da região. Segundo dados de 2000, ele realizou naquele anos mais de 520 mil consultas e procedeu a 34 mil internações. Dispõe de três prédios principais: a Unidade de Emergência, instalado no centro da cidade, o HC-Campus e o Hemocentro ambos localizados no campus da USP em Ribeirão Preto. Em 2000 havia ali 4.280 servidores, 501 médicos residentes e 248 docentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. No hospital, a população dispõe de serviços com tecnologia de ponta. Entre eles estão técnicas de fertilização assistida, transplante de medula óssea, transplante renal, transplante de ligado e cirurgia bariátrica (para obesos). O Centro de Ciências da Imagem, o Centro de Cirurgia de Epilepsia e a Unidade Especial de Terapia de Doenças Infecciosas são outros avançados setores do hospital. Também voltado para as atividades de ensino e pesquisa, o hospital serve de campo de treinamento para os alunos do curso de graduação e de pós-graduação da Faculdade de Medicina e da Escola de Enfermagem, ambas da USP de Ribeirão Prelo. Só no ano 2000, ele contou com 597 alunos de Medicina e 256 estudantes de Enfermagem. Além deles, outros 579 alunos de pós-graduação receberam aperfeiçoamento no hospital. Em 1987 foi criado, pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o (impo Especial do Programa de Hematologia e Hemoterapia (Gepro), com a finalidade de desenvolver uma política estadual para o setor. Entre as propostas apresentadas por esse grupo estava a implantação do sistema descentralizado de serviços, com a instituição de um hemocentro de referência em cada uma das quatro regiões de saúde do interior do Estado de São Paulo (Campinas. Botucatu. Marília e Ribeirão Preto). O Serviço de Banco de Sangue e Hemoterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, como está integrado a uma instituição de ensino, pesquisa e assistência e encontra-se melhor estruturado, foi consultado sobre o seu interesse em participar do sistema, incorporando o denominado Hemocentro de Ribeirão Preto. Foram implantadas, sob a coordenação do Hemocentro de Ribeirão Preto, unidades para a realização das reações sorológicas para HIV e hepatite, localizadas nas cidades de Araraquara, Catanduva, Fernandópolis, Franca, Jales, São Carlos, São José do Rio Preto e Votuporanga. Também foram iniciadas as instalações de quatro Núcleos de Hemoterapia localizados nas cidades de Araraquara, São José do Rio Preto, Barretos e Fernandópolis. Em 1994 foi concluído o prédio onde está instalado o Hemocentro de Ribeirão Preto, na confluência da rua Tenente Catão Roxo com a avenida Norte do campus. Atualmente o Hemocentro coordena toda a área de hemoterapia do norte do Estado de São Paulo e tem quatro grandes núcleos nas cidades de Fernandópolis, Franca, Presidente Prudente e Araçatuba, cuja sede está em construção. São unidades completas, com autonomia administrativa, mas com diretrizes e recursos oriundos do Hemocentro de Ribeirão Preto, que faz o monitoramento constante, sendo inclusive, ligadas on-line com a unidade central. Outras cinco unidades de hemoterapia estão localizadas nas cidades de Altinópolis. Batatais. Bebedouro. Olímpia e Serrana, além de unidades vinculadas tecnicamente e quatro agências transfusionais, atingindo uma região de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (16) 633-6049 ou no endereço eletrônico http//pegasus.fmrp.usp.br. "PADRÃO OURO DE COMPETÊNCIA" A seguir, a opinião do alguns especialistas sobre a contaminação ocorrida no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Regina Torquete Toloi, professora do Departamento de Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto: O Hemocentro tem padrão ouro de competência, com reconhecimento em todo o País e no exterior. Seu trabalho o referência para nós pois incorpora o que há de melhor na literatura mundial. O que aconteceu é lamentável mas não tinha como ser evitado pelo Hemocentro. O organismo humano leva até três meses para reagir ao vírus e hoje já não se pode mais falar em grupo de risco pois existe um número muito grande de portadores sadios que nem desconfiam que tenham a doença". Antônio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto e médico sanitarista: "O Hemocentro de Ribeirão Preto é a instituição mais séria, capacitada e bem equipada do País. A instituição possui pessoal de excelente formação e é um centro de pesquisa de ponta reconhecido nacional o internacionalmente". Célio Lopes Silva, professor do Departamento de Bioquímica e Imonologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto: "O Hemocentro trabalha de forma correta. A chance de que isso ocorra é calculada, embora remota. Isso não significa que o Hemocentro falhou. Quando você desenvolve um trabalho, uma vacina por exemplo, existo algo que pode dar errado, um eleito colateral inesperado, não só aqui. mas em qualquer lugar do mundo. Promotor Roberto Abdul Nour: "A gente deve deixar claro o seguinte: o Hemocentro é um local extremamente seguro para se realizar doação de sangue, no que se refere à captação. O doador não deve pensar "puxa vida. haverá um problema para fazer a doação". Torno a afirmar que a doação de sangue é extremamente segura no que se refere à pessoa ser infectada com o HIV. As doações são necessárias, elas salvam vidas, ao contrário de ceifá-las. O que ocorreu foi uma exceção dentre as centenas de milhares de doações que ocorrem no local. Dentre as centenas de milhares ocorreu esse falo lamentável com a menor, e esse fato não pode fazer com que as pessoas se neguem ou fiquem temerosas de fazer a doação. Acho, e tenho quase certeza, que a Procuradoria deve instaurar um inquérito público e eventualmente punir alguém que tenha sido negligente ou culpado em relação a esses fatos". Uma nova legislação pode ajudar a fazer com que os cientistas coloquem à disposição da medicina uma avançada tecnologia - a clonagem terapêutica. O projeto de lei 285/99, do senador Sebastião Rocha (PDT-AP) - atualmente em tramitação no Congresso Nacional -, prevê o uso de células somáticas para fins terapêuticos. Com isso, será permitido fazer pesquisas que utilizem células humanas para a fabricação de tecidos. No futuro, um paciente com um coração degenerado poderá doar uma célula a fim de, com ela, obter em laboratório um tecido cardíaco e implantar no órgão defeituoso. Mas o projeto de Rocha descarta o uso de células embrionárias, extraídas de embriões em estágios muito iniciais de desenvolvimento. É nesse tipo de célula, porém, que os cientistas que trabalham com doenças genéticas depositam as maiores expectativas. Diferentes das células-tronco adultas - que parecem poder se transformar em apenas alguns tecidos, mas não em todos -, as células embrionárias têm a capacidade de se diferenciar em qualquer outro tipo de célula (leia texto na página 7). O senador Sebastião Rocha considera que é necessário, primeiro, "esgotar todas as possibilidades" das células somáticas antes de se pensar em utilizar células embrionárias. "Não sabemos ainda tudo o que poderemos fazer com as células somáticas", disse Rocha ao Jornal da USP, por telefone. "No futuro, quando elas se mostrarem insuficientes, aí poderemos pensar em usar embriões", disse. O senador pediu aos cientistas "uma moratória" de pelo menos cinco anos. "Até lá, a ciência já poderá indicar se as células somáticas são suficientes ou não." Na justificativa que acompanha o projeto, Rocha considera que a clonagem terapêutica representa "uma verdadeira revolução em termos médicos e de saúde pública". Entre os benefícios que a técnica poderá trazer no futuro, ele cita o tratamento de doenças como a leucemia e o transplante de medula óssea. "Por isso, ainda que as aplicações terapêuticas de transferência do núcleo de células somáticas permaneçam conjecturais - uma vez que muito trabalho de pesquisa é ainda necessário para validar a tecnologia de base e muito tem que ser respondido antes que possamos distinguir fatos de especulação -, a clonagem terapêutica encerra um conjunto de promessas muito caras ao sonho humano para que seu progresso seja impedido antes que algumas dessas possibilidades se mostrem viáveis", afirma o senador na justificativa. "Essa é a razão pela qual não se deve proibir, no Brasil, a experimentação da clonagem terapêutica, e sim a clonagem humana para fins de reprodução, permitindo a continuação e o desenvolvimento de toda uma linha de pesquisa da qual podem resultar enormes benefícios para toda a medicina." Para a coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, professora Mayana Zatz, a permissão para o uso de células somáticas em pesquisas científicas é "algo ótimo". Mas ela lembra que tal avanço nada significa para os portadores de doenças genéticas. Como estes possuem a anomalia em todas as células, fabricar um tecido com seu material genético significa reproduzir a doença. Para essas pessoas, a única solução possível são as células embrionárias - aquelas que se transformam em qualquer tecido. Tome-se um menino portador de uma distrofia muscular - doença que causa a atrofia dos músculos. Ele só será curado se se puder obter células embrionárias, transformá-las em músculo e injetá-las em seu corpo. "O uso de células embrionárias é um caminho muito promissor para problemas assim", analisa Mayana, referindo-se principalmente aos "inúmeros" embriões que são descartados pelas clínicas de fertilização artificial. "Se temos um caminho, temos de lutar com todas as forças para segui-lo" (leia entrevista com Mayana Zatz nas páginas 10 e 11). BARREIRAS LEGAIS O grande sonho de Mayana enfrenta imensas barreiras legais para se tornar realidade. Segundo a professora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, livre-docente em Direito Penal pela USP, a legislação brasileira considera que a vida existe desde o momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide - a chamada teoria concepcionista. Como o direito à vida é assegurado, o embrião torna-se inviolável desde o instante em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide. "A lei resguarda os direitos do nascituro a partir da concepção", diz Maria Celeste. O Código Civil - tanto o antigo como o novo, que entrará em vigor em janeiro de 2003 - expõe claramente, nos artigos 1º e 2º, a teoria concepcionista. Também o Código Penal considera crime tirar a vida de alguém "a partir da concepção". Até mesmo a Constituição impede, segundo Maria Celeste, o uso das células embrionárias, uma vez que garante o direito à vida. "E essa é uma das chamadas cláusulas pétreas, que não podem ser mudadas porque se referem a um direito fundamental do ser humano", acrescenta a professora. "Ou seja, grande parte do ordenamento jurídico teria que ser mudado para permitir essa tecnologia." Mas Maria Celeste lembra que, se é "muito difícil" mudar toda essa legislação, sempre é possível haver exceções. Ela cita como exemplo os casos de aborto, considerado um crime. No entanto, em algumas situações - como uma gestação de alto risco para a mãe - ele é permitido. "Quem sabe se, também no que se refere ao uso de células embrionárias, a lei não possa abrir exceções?" Se o direito brasileiro impõe tantas restrições à clonagem terapêutica com células embrionárias, o mesmo parece não acontecer com a ética. O professor Renato Janine Ribeiro, que leciona Ética na USP, destaca que a sociedade moderna crê firmemente na idéia de que a ciência progride sem parar, mas acha que, ao contrário, a ética é permanente. "Ora, nada justifica que a ética não mude", diz Janine. "Se não ousamos dizer que a ciência chegou a seu estágio final, não devemos dizer isso da ética" (leia texto ao lado). Com isso concorda o professor de Bioética da Faculdade de Medicina da USP Marco Segre. Ele lembra, por exemplo, que considerar a concepção como o momento do surgimento da vida é "um dogma" que depende da cultura da sociedade que o adota. No passado, diz o professor, uma pessoa era considerada morta somente se o coração parasse de bater. Atualmente, em razão da necessidade de obter órgãos para transplante, é plenamente aceitável que o falecimento ocorre quando se dá a "morte cerebral". "Por que a mesma mudança não pode ocorrer no que se refere ao surgimento da vida?" Segre considera até mesmo que a clonagem reprodutiva - que tem a finalidade de criar seres humanos - não pode ser "proibida aprioristicamente". "É claro que tem que ser muito bem controlado, mas não faz sentido proibir a priori qualquer pesquisa nessa área", diz, reproduzindo o legítimo pensamento científico - aquele que deseja perscrutar todas as coisas "divinas e humanas", como já dizia o filósofo grego Platão. A clonagem reprodutiva poderia ser útil, por exemplo, para casais que, ao invés de tentar gerar filhos através de reprodução assistida, gerassem um bebê através daquela tecnologia. Para o professor de Bioética, os critérios que devem nortear as pesquisas sobre clonagem dizem respeito à autonomia do ser humano. "O que precisa ser garantido é a não-violação do desejo de cada indivíduo." Originalmente, o projeto do senador Sebastião Rocha, apresentado em 1999, proibia todo tipo de clonagem humana. Nos dias 11 e 12 de junho passado, depois de promover um seminário sobre o assunto no Senado Federal - em que reuniu cientistas, religiosos, políticos e representantes de associações de defesa de portadores de doenças genéticas -, Rocha incluiu uma emenda permitindo a clonagem terapêutica através de células somáticas. Atualmente o projeto se encontra na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cujo relator é o senador Leomar Quintanilha. Segundo previsões de Rocha, o relator deverá dar seu parecer somente em outubro, após as eleições. Depois da votação na comissão, a proposta vai a plenário, provavelmente no ano que vem. Em seguida, será encaminhada à Câmara dos Deputados. "Para ser aprovada nas duas casas, deverá levar uns cinco anos, a não ser que o presidente da República se interesse pelo projeto", prevê Rocha. Até lá, o senador pede a contribuição dos cientistas: "É muito importante que eles participem das audiências públicas que realizamos, para que exponham o seu ponto de vista". A ÉTICA KANTIANA DA CLONAGEM Para o professor Renato Janine Ribeiro, a clonagem humana não representa necessariamente uma afronta à ética. Segundo ele, a ética pode mudar assim como muda a ciência. "Uma das crenças básicas da nossa sociedade é que a ciência progride sem cessar", compara o professor, que leciona Ética e Filosofia Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. "Só que, quando pensamos em ética, acreditamos no contrário: que ela não mude com o tempo. Cremos no progresso da ciência, mas na permanência da ética. Ora, nada justifica que a ética não mude. Se não ousamos dizer que a ciência chegou a seu estágio final, não devemos dizer isso da ética", escreveu Janine no artigo "Prometeu versus Narciso: a ética e a clonagem", que publicou no suplemento "Clonagem" da revista Pesquisa Fapesp número 73, de março passado. Segundo Janine, a chave de uma ética atual só pode ser um respeito intenso ao outro. "É retomar a idéia kantiana de que o homem é um fim em si mesmo, e não meio", sugere, referindo-se ao pensamento ético do filósofo alemão Immanuel Kant, do século 18. Em outras palavras, diz, isso significa reconhecer o direito à igualdade e, curiosamente, o direito à diferença. "O direito à igualdade quer dizer que todos devemos ser aceitos como iguais, ao menos em direitos e oportunidades", afirma o professor. "Já o direito à diferença significa que cada um pode usar sua liberdade como quiser, desde que não prejudique a outrem." Lembrando que todo ser humano deve ter respeitado seu direito a ser ele próprio, Janine questiona como aplicar esse princípio a um eventual clone. "Quem clona um filho não está tentando bloquear todas as coordenadas de uma vida que deveria ser livre? E o que será quando der errado isso?", pergunta. "O importante, porém, é que essas perguntas só têm valor ético se percebermos que não se referem apenas a um eventual clone, mas a toda criatura - ou a toda criança. Não há diferença essencial entre controlar geneticamente o perfil de meu filho e controlá-lo educacionalmente: entre determinar quais serão os traços naturais da criança e quais serão os seus traços culturais."