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Jornal da USP

HISTORIA - Museu Paulista redescobre o seu subsolo. Com arte e beleza (1 notícias)

Publicado em 17 de agosto de 1998

Museu Paulista da USP, mais conhecido como Museu do Ipiranga, tem novos motivos para ser um dos pontos mais bonitos e curiosos da cidade. Desde o início do mês, está apresentando ao público, a beleza do seu próprio subsolo. Um espaço inusitado que permaneceu aterrado por mais de cem anos. Depois de um projeto arqueológico cuidadoso, foram descobertas salas entre cortadas por arcos que se enfileiram em um desenho que mostra o requinte da arquitetura do final do século passado. Toda a área de 242 metros quadrados foi devidamente planejada para destacar a história e a arqueologia com arte. Está sendo ocupada por exposições de fotos, quadros e objetos de diversos temas. SURPRESAS DA HISTÓRIA "A recuperação do subsolo é um dos projetos que foram desenvolvidos com empenho", conta, orgulhoso, o diretor José Sebastião Witter. "Nos últimos anos, temos batalhado muito para resgatar o Museu Paulista na sua arquitetura original. Com isso, também estamos redescobrindo os espaços que foram sendo ocupados de forma inadequada ao longo do tempo." Quem visita o Museu Paulista começa a apreciar a sua beleza há quilômetros de distância. A surpresa começa ao entrar no bairro. No início da avenida D. Pedro I, já é possível avistar a imponência do prédio amarelado cercado por palmeiras imperiais. Uma visão que fica ainda mais luminosa ao se aproximar do edifício e observá-lo entre os jardins franceses. Assinado pelo engenheiro-arquiteto italiano Tommazo Gaudenzio Bezzi, esse monumento vem desde a sua inauguração, em 1895, atraindo turistas do mundo inteiro. Foi uma das primeiras construções em tijolo feita em São Paulo. E o mais curioso: conseguiu cumprir a sua meta de perpetuar a memória da Independência, criando um impacto pela elegância de suas proporções e riqueza de ornamentos. Agora toda essa história tem novas nuances. A surpresa de quem vê as dimensões das portas, o hall suntuoso, a decoração das escadarias amplas, as pinturas do teto do salão nobre cresce ao entrar no corredor que leva ao subsolo. Ao descer os primeiros degraus, o visitante se depara com um nicho em arco onde está exposto um vaso do início do século da Fazenda Ipanema, de Sorocaba. A peça é cercada por duas telas de oito metros de comprimento assinadas por Aldo Locatelli que registram o Brasil Colônia. EXPOSIÇÕES DIVERSAS Um corredor leva aos outros espaços. São duas salas, quatro saletas e três ambientes, onde foi mantida a construção original. É possível ver a pedra bruta argamassada e o teto de vigas de madeira inspirado no sistema construtivo romano. "Procuramos incorporar o estilo rústico nas exposições", explica o museólogo Ricardo Nogueira Bogus. "Até a iluminação foi preparada para esse fim." Bogus atuou na preparação da área para abrigar as peças. Espremido em vitrines, cantos e nichos de apenas um metro de altura, conseguiu compor mostras diferentes com harmonia e criatividade. O subsolo leva o visitante a uma viagem pela história dos costumes e da arte. A coleção de ferros de passar com centenas de peças procedentes de vários lugares é muito singular. Estão ordenadas cronologicamente em duas longas vitrines. Há, ainda, uma vitrine central com ferros de passar de brinquedo e uma outra com os fogareiros que os esquentavam. Curiosa também é a mostra "Tropas e Tropeiros" onde há dezenas de esporas e estribos dos séculos XVIII e XIX, malas e acessórios de viagem e pinturas com imagens de pousos. A exposição "Mineração de Ouro" reúne instrumentos de mineração (carumbé, bateia, almocafre) e pesos. Para resgatar a memória da Independência, foram selecionadas pinturas, reproduções fotográficas e objetos relacionados com a época. Tem também detalhes da construção do edifício do Museu Paulista. Outra mostra que vem chamando a atenção é a dos objetos e imagens relacionadas com o movimento de Canudos, a Guerra do Paraguai, a Revolução de 1924 e a Constitucionalista de 1932. "Por enquanto, este espaço tem tido uma visitação limitada", conta Miyoko Makino, historiadora e diretora técnica da Difusão Cultural. "Mas todos se surpreendem muito com essa nova área. É um lugar que propicia um clima diferente e consegue nos remeter à história." QUESTÃO DE IDEALISMO A restauração do subsolo e do museu, na avaliação de Miyoko, é resultado do idealismo, do trabalho e da integração dos funcionários. "Se o Museu Paulista está ficando cada vez mais bonito, é graças ao empenho de todos, dos arqueólogos, pesquisadores aos ajudantes de serviços gerais." O diretor José Sebastião Witter acompanha satisfeito a movimentação. Como historiador exímio, faz questão de arregaçar as mangas para registrar as mudanças de perto. E com a mão na massa. Literalmente. Observa a limpeza e restauração das portas que agora estão na sua cor original, exibindo as veias da madeira. " São de pinho-de-riga. Olha que beleza!", acentua. Verifica as pinturas das paredes e quadros. Sobe no telhado para constatar se está tudo em ordem. "Quando cheguei aqui, havia goteiras por toda parte. Mas isto não era nada diante dos riscos do teto caindo", diz. "Vários pedaços da argamassa centenária começaram a se desprender. As duas torres estavam ameaçadas." Witter decidiu sair em busca do patrocínio. "A nossa equipe de museólogos, arqueólogos, historiadores passou a desenvolver os projetos, mostrando que era preciso de uma reforma urgente." Com a colaboração da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Fundação Roberto Marinho, o Museu Paulista começou a ser recuperado no decorrer de 1995. Três anos depois, o monumento volta à sua beleza natural. "Ainda tem muito trabalho pela frente, mas o edifício, agora, pode preservar e contar a história do País com mais segurança", diz Witter. "Ninguém pode negar a sua importância na vida urbana da cidade e também como patrimônio cultural." Hoje, o Museu do Ipiranga exibe uma beleza centenária, mas com a segurança dos edifícios modernos. Por todo o prédio existem cerca de 45 câmeras espalhadas estrategicamente e há salas de segurança com dezenas de monitores, onde se pode observar toda a movimentação do público. Um conjunto desses aparelhos encontra-se na sala do próprio diretor. "Estou sempre andando de um lado para o outro. Gosto de observar a reação dos visitantes diante das obras e participar de perto da rotina do museu", diz Witter. "E quando fico na minha sala, acompanho tudo através deste canal interno." A visão do diretor em seu gabinete vai ainda mais longe. Fez questão de mudar a sua mesa e colocá-la em uma posição estratégica, bem em frente a uma janela aberta para a área central do parque. É diante dessa vista generosa, entre o canto dos bem-te-vis, canários e sabiás, que o historiador voa longe. "Esse museu ainda estará entre os mais belos do mundo", planeja. ARQUEOLOGIA ABRE ESPAÇOS PRECIOSOS É um trabalho que exigiu fôlego, dedicação e muito idealismo. Durante os três últimos anos, a equipe de arqueólogos e pesquisadores mergulhou em um projeto especial. Para redescobrir o Museu do Ipiranga das pranchetas do arquiteto italiano Tommazo Gaudenzio Bezzi e reencontrá-lo majestoso como em 1895, quando foi inaugurado, foi preciso se embrenhar no meio de entulhos e fragmentos que se acumularam durante um século. O projeto de escavação começou em 1995, contando com a coordenação experiente de Margarida Davina Andreatta, arqueóloga e pesquisadora do Museu Paulista da USP. "Na edificação do prédio ocorreu o que é comum no final das obras: os restos e fragmentos do material empregado durante a sua construção foram depositados cem o entulho em seu subsolo", relata. Com o passar dos anos, os próprios funcionários passaram a utilizar a área para guardar o que não servia, tornando o local cada vez mais intransitável e inóspito. Todo esse entulho foi retirado e ressurgiu uma área de 242 metros quadrados. "Esse processo foi feito com auxílio de novas técnicas arqueológicas", explica Margarida. "O trabalho se desenvolveu dentro de um cronograma adequado e com registros dos testemunhos e estruturas documentadas através de inventários, fotografias e desenhos." A pesquisadora conta que no decorrer da escavação, foram encontradas cerca de 400 evidências (peças e fragmentos), que testemunham o processo de construção do edifício e que representam o material arqueológico-histórico-industrial da época. A cada dia, o grupo se deparava com uma descoberta. O entulho remanescente passou a compor uma pesquisa arqueológica pioneira no País. "Entre os restos de obras foram recuperados material lítico representado por seixos de quartzito, fragmentos de granito e fragmentos de mármore de Carrara", observa Margarida. "Foram identificados tijolos de 25 marcas ou tipos diferentes. Entre os rostos industriais foram encontrados ferramentas de metal, talhadeiras, ponteiras. Já entre os restos domésticos, foram resgatados vidros, fragmentos, louça faiança." Todo esse material encontrado no subsolo trouxe subsídios importantes para a história dos costumes, da arquitetura, da engenharia e também ampliou o conhecimento sobre o processo construtivo na virada do século.