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Gazeta Mercantil

Hipnoterapia conquista respeitabilidade científica (1 notícias)

Publicado em 01 de abril de 1998

Por Andrew Derrington - Financial Times
Uma das desvantagens de ser psicólogo é que as pessoas a quem sou apresentado tendem a achar que sou capaz de analisar seus pensamentos, interpretar seus sonhos ou hipnotizá-las. Isso pode ser frustrante quando evitam minha presença, temerosas de que eu talvez queira submetê-las aos meus supostos poderes mentais. Pior, leva a um tédio indizível quando essa suposição as leva a me relatar, detalhadamente, seus sonhos, imaginando que com isso poderei prever seu futuro. Não só não tenho a capacidade de praticar essas místicas artes mentais como sou profundamente cético a respeito da capacidade de qualquer um de praticá-las. Por formação, pertenço ao ramo mais pé-no-chão e menos romântico da psicologia: sou neurocientista. Para mim, a mente nada mais é do que o funcionamento observável do cérebro, que vejo como uma máquina imensamente complicada, porém, em última análise, compreensível - uma espécie de computador biológico. Trato o cérebro e seus fenômenos mentais em um nível puramente mecanicista. Por que, então, estou escrevendo sobre a hipnose - considerada por muitos, embora incorretamente, como o domínio exclusivo de vigaristas? A hipnose está adquirindo certa respeitabilidade médica e atraindo o interesse científico. Mas o meu interesse no assunto tem suas raízes bem perto de casa, na pessoa de Hilda, minha sogra, hoje com 86 anos. DOENÇA CRÔNICA Hilda não é o tipo de pessoa a se deixar enganar por vigaristas. Mas de algum tempo para cá ela vem fazendo tratamento com um hipnoterapeuta para aliviar a síndrome do intestino irritado, um problema que lhe causa aflição há mais de 40 anos e que sempre demonstrou resistência a todos os tratamentos farmacêuticos. A hipnoterapia parece estar funcionando. Embora seus fundamentos científicos sejam envoltos em mistério, a hipnose está ganhando apoio entre médicos que tratam de males psicossomáticos e relacionados ao stress. Ela vem sendo recomendada cada vez mais como tratamento da síndrome do intestino irritado, cujos sintomas dolorosos são provocados pelo stress e preocupação. "Estou impressionado com o efeito da hipnose sobre os pacientes", comenta Kenneth Heaton, gastroenterologista e professor de medicina da Universidade de Bristol. É importante, no entanto, exercer cautela ao escolher um hipnoterapeuta. "A maioria dos hipnoterapeutas são charlatães", afirma Robin Leighton, que tratou minha sogra. Os pacientes devem aconselhar-se com um médico, visto que a Grã-Bretanha ostenta, hoje, mais de 120 escolas de hipnoterapia, de níveis extremamente variados. Leighton, que se especializa no tratamento da síndrome do intestino irritado e da dor, formou-se em hipnoterapia nos anos 80, depois de fazer tratamento com hipnose por causa de uma lesão na coluna vertebral que o havia forçado a abandonar a função que ocupava na marinha mercante. Totalmente cético, porém incapacitado por uma dor persistente que resistia a todos os medicamentos, ele veio a consultar um hipnoterapeuta como último recurso. O resultado foi impressionante, a ponto de incentivá-lo a seguir a hipnoterapia como carreira. A essência da hipnose é o uso, pelo terapeuta, de estímulos monótonos e repetitivos - geralmente instruções pronunciadas num tom controlado, combinadas ou não com estímulos visuais - a fim de persuadir o paciente a se relaxar completamente. Uma vez alcançado esse relaxamento, o terapeuta pode falar com o paciente de uma maneira que o ajuda a desenvolver certo grau de controle sobre seu problema. No caso de Hilda, aprender a relaxar em meio a circunstâncias estressantes ou preocupantes - que normalmente induziriam os sintomas dolorosos da síndrome - transformou sua vida. Apesar de sua eficácia, a hipnose ficou restrita à periferia da medicina durante mais de 200 anos, nunca chegando a adquirir a respeitabilidade científica. Pretensos resultados extravagantes e implausíveis proclamados por charlatães não a ajudaram a superar esse obstáculo. Muitas vezes a culpa foi dos cientistas, por terem tomado ao pé da letra o que diziam os hipnotizadores, produzindo a resposta certa à pergunta errada. FORÇA MAGNÉTICA No século 18, o médico austríaco Franz Mesmer - a quem devemos o termo "mesmerismo" - proclamava que o ingrediente crucial de sua terapia era uma força magnética canalizada através das mãos do terapeuta. Ele foi humilhado e desacreditado por uma comissão nomeada pela coroa francesa, que provou que o magnetismo estava totalmente ausente da hipnose que ele praticava. A comissão deixou, porém, de investigar a verdadeira questão: se a terapia é ou não eficaz. Até hoje, os cientistas parecem concentrar suas atenções no que parecem ser meros detalhes. De há longa data, por exemplo, discute-se a questão de se o "transe" induzido pelo hipnotizador seria um estado fisiológico diferenciado ou apenas uma forma de relaxamento sonolento. O acompanhamento convencional da atividade cerebral e corporal não fornece indícios conclusivos. De outro lado, ninguém é capaz de garantir que essas medições convencionais são capazes de comprovar a existência de um estado de transe. Entre os neurocientistas, porém, está aumentando o respeito pelos resultados alcançados pelos hipnoterapeutas. No meu caso, devo admitir que, se a hipnoterapia funcionou com minha sogra, a técnica deve ter algum valor. Professor catedrático de Psicologia na Universidade de Nottingham (Inglaterra).