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Grupo usa ozônio e aquecimento a seco para melhorar as propriedades do amido de mandioca (9 notícias)

Publicado em 03 de maio de 2021

Um grupo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) testou pela primeira vez a aplicação conjunta de duas técnicas de modificação do amido que não geram resíduos ou efluentes: o uso de ozônio e de aquecimento a seco (DHT na sigla em inglês). Os cientistas acreditam que os resultados podem contribuir para aumentar as possibilidades de aplicação do amido de mandioca em diferentes setores produtivos. O artigo foi publicado no International Journal of Biological Macromolecules.

Naturalmente presentes nos vegetais, onde exercem função de reserva de energia, os amidos são também ingredientes muito importantes para a indústria, tanto a alimentícia quanto a de papel, tecido, fármacos e tintas, sendo usados até em processos de extração de petróleo. De acordo com Pedro Esteves Duarte Augusto , professor associado da Esalq-USP e pesquisador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos (Napan-USP), as técnicas de modificação têm como objetivo melhorar alguma propriedade dos amidos para fins específicos.

“Nosso grupo tem trabalhado muito com a formação de gel, que é uma das propriedades mais importantes do amido, tanto para a indústria de alimentos quanto para outras, como a farmacêutica, por exemplo”, afirma o engenheiro de alimentos. Ele é um dos autores do artigo, que tem a doutoranda Dâmaris Carvalho Lima como primeira autora e conta com a participação de outros pesquisadores do grupo da Esalq, além de colegas da Ecole Nationale Vétérinaire Oniris e do Institut National de la Recherche Agronomique (Inrae), ambos na França. A equipe ligada a Augusto dedica-se ao estudo dos amidos desde 2015.

De acordo com o pesquisador da USP, os resultados expressos no artigo abrem possibilidades. “O gel nativo da mandioca é considerado ‘fraco’ quando comparado a outros, como o do milho, por exemplo, que é a fonte comercial mais relevante atualmente. Obtivemos um gel de mandioca até mais consistente que o de milho. Assim, esperamos contribuir para que o mercado para o amido da mandioca se amplie”, resume.

Augusto explica que, normalmente, o que se busca nessa área é um gel mais forte, uma pasta viscosa e que se forme a uma temperatura mais baixa. “No caso do amido de milho que se usa na cozinha como espessante, por exemplo, é preciso ferver para formar o gel. Nós já conseguimos reduzir essa temperatura em diferentes amidos e, assim, gasta-se menos energia para a obtenção do produto. Também buscamos a formação do gel com uma menor concentração de amido.”

No caso desse estudo especificamente, desenvolvido com apoio da FAPESP, o grupo concluiu que as técnicas de ozônio e DHT, aplicadas isoladamente ou combinadas, foram capazes de aumentar o conjunto de possibilidades de aplicação do amido nativo da mandioca. “Já vínhamos trabalhando separadamente com elas e agora as combinamos.”

O trabalho também recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do programa francês RFI “Food 4 Tomorrow”.

Diferenças

Segundo Augusto, o amido usado hoje comercialmente no mundo vem de apenas cinco fontes: milho, arroz, trigo, mandioca e batata. Os métodos mais utilizados atualmente para modificação dessa substância incluem o uso de soluções como hipoclorito de sódio (água sanitária) ou de reagentes químicos que demandam algum cuidado em termos de segurança do trabalho. É preciso garantir que não sobre resíduo no produto final e que os efluentes sejam tratados antes do descarte. “Não são obstáculos intransponíveis e os produtos que estão no mercado são seguros. Mas é sempre bom apresentar uma rota diferente.”

Ele afirma que as vantagens ecofriendly dos produtos obtidos por meios de modificação com ozônio e DHT podem ser mais valorizadas em determinados setores do que em outros. “Acredito que tenham um apelo maior na indústria de alimentos. O próprio fabricante poderá ter interesse em estampar essa informação na embalagem”, avalia.

Segundo o cientista, a aplicação das duas técnicas, uma na sequência da outra, fez uma enorme diferença no produto final. “Inclusive a ordem em que se faz isso alterou completamente o resultado. Quando usamos primeiro o aquecimento e depois o ozônio, obtivemos um gel mais firme e, na ordem inversa, um gel mais mole. Ainda não sabemos por que, mas temos algumas hipóteses, que levam em conta a maneira como as moléculas são alteradas. O interessante é que ambos os produtos finais podem ser úteis para diferentes segmentos da indústria. Esse é o lado bom de trabalhar com amido: não existe trabalho perdido.”

Há outras maneiras não convencionais de modificação do amido estudadas pelo grupo, além do uso do ozônio e do DHT. “Também se pode fazer isso por irradiação e até por ultrassom, mas são técnicas caras, trabalhosas e ainda muito distantes, em minha opinião, de serem adotadas pela indústria. Já o DHT e o ozônio são relativamente baratos, a implantação é de baixa complexidade e a tecnologia está pronta para ser aplicada. Basta que o industrial faça um estudo de viabilidade econômica para seu caso específico.”

Método

O amido de mandioca nativo usado no estudo foi um produto comercial regular fornecido por uma grande empresa do ramo. Augusto explica que, para o experimento descrito no artigo, ele e a equipe produziram o ozônio no laboratório, dando uma descarga elétrica em certa quantidade de oxigênio com 95% de pureza (em uma unidade geradora de ozônio). Segundo ele, o ozônio, composto por três átomos de oxigênio, é bastante instável, pois tende a se degradar e voltar a ser a molécula de oxigênio que existe no ar (com apenas dois átomos). “Trata-se de um oxidante muito poderoso, muito usado para inativação microbiana em filtros de água e piscinas. Em nosso caso, ele oxida o amido e se degrada rapidamente – o que é ótimo, pois o ‘resíduo’ da reação é oxigênio.”

A amostra foi colocada em um reator de vidro no qual se injetou ozônio e oxigênio. Foi então processada por até 30 minutos, sendo constantemente agitada.

Já o aquecimento a seco foi feito em uma estufa de laboratório, uma espécie de forno elétrico, no qual o calor se acumula em uma resistência. “Aquecemos eletricamente o ar, que passa pelo produto e o aquece. Só que, aqui, ao contrário de um forno elétrico caseiro, há um controle de temperatura bastante preciso. As amostras de amido foram embaladas em folhas de alumínio e seladas para garantir que não haveria perda de material.”

Novas fontes

O professor explica que sua equipe trabalha em três frentes, basicamente: identificação e caracterização de novas fontes de amido; modificação dos amidos; e exploração das possíveis aplicações (novas e tradicionais).

“Em parceria com colegas do Peru, estamos estudando a arracacha, uma raiz andina parecida com a nossa mandioquinha. Também investigamos o amido extraído da semente da uvaia, uma fruta nativa da Mata Atlântica. E já temos parceria firmada para estudar resíduos de frutos da Amazônia”, conta.

O grupo agora quer usar essas duas técnicas de modificação em outras fontes de amido e com outras condições de processo, para tentar encontrar funcionalidades adicionais. “E, por fim, vamos buscar aplicar esses amidos em produtos reais: um pão, uma sopa instantânea… Em nosso caso, na indústria de alimentos. Mas estamos abertos a parcerias para outros usos.”

Fonte: Agência FAPESP | Karina Ninni