Por que algumas pessoas conseguem emagrecer com facilidade e outras não? Por que a maioria delas recupera o peso perdido, mas não todas? Por que pacientes obesos submetidos à mesma dieta ou intervenção cirúrgica apresentam respostas diferentes ao tratamento?
Para tentar responder a perguntas como essas, a equipe do Laboratório de Estudos em Nutrigenômica (LEN) vinculado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) tem estudado, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), variáveis genéticas envolvidas nos processos de perda de peso, gasto energético e alteração na composição corporal em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica ou a dietas.
São diversos os fatores envolvidos na etiologia da obesidade e a genética é certamente um deles. Estamos ainda descobrindo as peças de um quebra-cabeças complexo, ou seja, estudando genes relacionados com a obesidade. No futuro, acredito que poderemos usar esse conhecimento de uma maneira integrada tanto para desenvolver tratamentos mais personalizados como novos medicamentos, disse a professora Carla Barbosa Nonino, coordenadora do LEN.
Os estudos do grupo, até o momento, têm como foco principal a família das proteínas desacopladoras (UCPs) moléculas encontradas na membrana interna das mitocôndrias que participam na regulação do gasto energético, termogênese, metabolismo dos ácidos graxos livres e diminuição das espécies reativas de oxigênios.
Já se sabe que a UCP1 é expressa principalmente no tecido adiposo marrom, enquanto a UCP2 e a UCP3 são expressas em vários tecidos, incluindo o adiposo branco e a musculatura esquelética, contou Nonino.
Em um estudo publicado recentemente na revista Nutrition, o grupo estudou dois polimorfismos no gene codificador da UCP2 conhecidos como Ala55Val e -866G>A e mostrou que eles podem servir como biomarcadores de perda de peso após a cirurgia bariátrica.
A investigação foi conduzida durante o doutorado de Carolina Nicoletti Ferreira, bolsista da Fapesp. Foram acompanhadas 150 mulheres com obesidade grau 3 (índice de massa corporal igual ou maior do que 40) submetidas a um procedimento conhecido como derivação gástrica em Y de Roux, no qual parte do estômago e parte do intestino são removidas.
Os resultados indicam que os indivíduos com o alelo mutado para ambos os polimorfismos apresentam maior perda de peso cerca de um ano após o procedimento cirúrgico, mesmo depois de ajustado pela ingestão alimentar e prática de atividade física, contou Nonino.
Já em um trabalho publicado na revista Clinical Obesity, o grupo mostrou que esses dois polimorfismos do gene UCP2 influenciam o consumo alimentar de pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica. Aqueles indivíduos com pelo menos um alelo mutado apresentaram tendência a maior consumo de carboidratos, na avaliação feita um ano após a cirurgia, contou Nonino.
Em artigo publicado na revista PLoS One, o grupo mostrou que, em 13 pacientes submetidos à intervenção cirúrgica, a expressão dos genes UCP1 e UCP3 contribuem para a oxidação de lipídio e carboidrato um processo importante para que esses substratos possam ser usados como fonte de energia, em vez de serem armazenados na forma de gordura.
Não houve alteração na expressão desses genes após o procedimento cirúrgico. Porém, observou-se que os genes UCP1 e UCP3 influenciam a oxidação de substratos energéticos após a cirurgia, sendo que, quanto maior a expressão de UCP3, maior oxidação de carboidratos e oxidação total, contou a pesquisadora.
Além disso, a expressão de UCP3 também influenciou a diminuição do índice de massa corporal e de massa gorda, bem como o aumento da massa corporal magra seis meses após a cirurgia bariátrica. Quanto maior a expressão de UCP3, portanto, maior foi a perda de peso e de massa gorda seis meses após a cirurgia, disse Nonino.
Outro gene investigado pelo LEN é o da perilipina 1 (PLIN1). Segundo Nonino, esse gene codifica a proteína mais abundante no entorno dos adipócitos e que desempenha papel-chave no armazenamento de lipídeos.
Em um estudo publicado em julho na revista Obesity Surgery, a equipe do LEN mostrou que a expressão gênica de UCP2 e PLIN1 influenciam a taxa metabólica de repouso e o porcentual de perda de peso em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
Observou-se que os genes UCP2 e PLIN1 influenciam o aumento da taxa metabólica de repouso no período pré-operatório, quando ajustado por peso. Além disso, a expressão desses genes contribui para maior porcentagem de perda de peso após seis meses de cirurgia bariátrica, disse a pesquisadora.
O artigo descreveu ainda que, na avaliação feita seis meses após a operação, a expressão de UCP2 havia quase dobrado em relação aos níveis pré-cirúrgicos. Já os níveis de PLIN1 não foram alterados após o procedimento.
O aumento da expressão gênica de UCP2 foi relacionado à maior taxa de metabolismo em repouso, podendo trazer uma maior perda de peso, avaliou Nonino.
As análises foram conduzidas durante o mestrado de Bruno Affonso Parenti de Oliveira, bolsista da Fapesp.
A expressão aumentada de UCP2 também foi relacionada à maior perda de peso em um trabalho feito com mulheres obesas submetidas a dieta hipocalórica (1.200 kcal por dia). Esses resultados já estão disponíveis no site do European Journal of Clinical Nutrition. As análises foram conduzidas durante o mestrado de Cristiana Cortes de Oliveira.
Outra linha de investigação do LEN é a relação de Polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) do gene UCP1 com as doenças associadas à obesidade, como o diabetes. Em artigo publicado na revista Nutrition, por exemplo, os pesquisadores evidenciaram a relação entre o polimorfismo de base única na região promotora do gene da UCP1 (-3826 A/G) com menor peso e menor quantidade de gordura corporal em relação a indivíduos que não apresentam o alelo mutado. Mostraram ainda que a presença do alelo mutado em homozigose (alelos herdados do pai e da mãe) foi protetor para o desenvolvimento do diabetes do tipo 2.
Fonte: Agência Fapesp