Antas e queixadas são os maiores mamíferos herbívoros das florestas Neotropicais. Eles costumavam habitar a maior parte das florestas de América do Sul, mas a caça ilegal e os desmatamentos para explorações agrícolas ameaçam a sobrevivência das duas espécies na maioria da sua distribuição geográfica. Entretanto, o papel ecológico da anta e queixada, e a sua importância para o funcionamento e manutenção dos serviços ambientais prestados por as florestas (incluindo biodiversidade, ciclagem de nutrientes, manutenção de nascentes e retenção de água, estocagem de carbono) ainda é desconhecido.
Uma equipe de pesquisadores da Unesp no câmpus de Rio Claro concluiu que a extinção conjunta da queixada e da anta causa uma redução na diversidade de plantas da floresta. Os resultados de um experimento que começou há 10 anos mostram que as comunidades de plantas são mais diferentes nas áreas em que ambos herbívoros estão simultaneamente presentes, e que nas florestas onde só um deles ocorre, a diversidade é menor. A pesquisa, publicada na prestigiosa revista científica Journal of Ecology da British Ecological Society, sugere que queixada e anta tem funções ecológicas complementares.
Serviço ambiental
As queixadas são grandes devoradores de sementes e plantas jovens que moram em grandes grupos familiares – freqüentemente com mais de uma centena de indivíduos – que com o seu consumo e pisoteamento de plantas reduzem fortemente o número de plantas no sub-bosque das florestas tropicais.
Antas, ao contrário, são solitárias e alimentam-se de folhas e frutos de um grande número de espécies, mas sem causar impacto negativo no número de plantas. Depois de consumir frutos, a anta os defeca em lugares distantes, movimentando sementes de um local a outro da floresta onde, com sorte, esses eventualmente se tornaram uma árvore adulta.
"Enquanto as queixadas agem como pequenos “tratores” revirando o solo da floresta, a anta é um gigante gentil transportando sementes na sua barriga. Eles têm funções ecológicas muito diferentes", indica o pesquisador Nacho Villar, autor responsável pelo trabalho. As duas espécies andam grandes distâncias dentro das florestas, de tal maneira que a perturbação causada pelas queixadas se sobrepõe com o espalhamento de sementes causado pela anta.
"Pensamos que a perturbação causada pelas queixadas pode aumentar a chances das sementes de várias espécies dispersadas pela anta em se tornar árvores adultas, conseqüentemente aumentando a diversidade da floresta a escalas espaciais grandes", explica Villar, que atualmente desenvolve seu pós-doutorado na Unesp de Rio Claro. O modelo padrão (chamado de “Janzen-Connell model”) sugere que inimigos naturais especializados, tais como invertebrados e fungos parasíticos e bactérias, são responsáveis por manter a grande diversidade de plantas das florestas tropicais. "Ao contrário dos consumidores especializados, os grandes herbívoros das florestas tropicais são consumidores generalistas, pois alimentam-se de grande variedade de recursos. Além disso, muitos desses grandes herbívoros comem e depois dispersam sementes a longas distâncias, aumentando a chances das plantas consumidas por eles de escapar dos seus inimigos especializados, o que tem um efeito positivo (tecnicamente chamado de "mutualista"). Conseqüentemente os seus efeitos não encaixam bem com o modelo padrão. É possível que ambos processos estejam operando simultaneamente e regulando a diversidade da floresta.”
"A gigante gentil.” A anta: um grande herbívoro solitário das florestas de America do Sul que se alimenta de frutos e folhas de plantas. Antas transportam grandes quantidades de sementes a longas distâncias, por meio do consumo da polpa das frutas e posterior defecação das sementes. (Crédito: Wikipedia)
A caça ilegal e a conversão de floresta em explorações agrícolas são os fatores mais importantes que ameaçam antas e queixadas ao longo de América do Sul. Isso leva muitas populações a serem extintas localmente em diversas regiões das florestas tropicais. Estudos prévios têm especulado que tanto a anta como a queixada poderiam ser possíveis "engenheiros de ecossistemas", mas este é o primeiro estudo com dados de campo que sugere que só o efeito combinado das duas espécies tem um impacto positivo substancial na diversidade. "A extinção dessas duas espécies das florestas tropicais de América do Sul pode ter efeitos substanciais na dinâmica da floresta, talvez equivalente a erradicação de elefantes das florestas de África e Ásia, o dos gnus das savanas. Aliás, as queixadas são uma das presas favoritas da onça pintada, o predador de topo nas florestas tropicais de America do Sul, de tal maneira que a sua extinção atinge todos os níveis da cadeia trófica", adiciona Villar.
“Estamos começando a compreender as conseqüências ecológicas da extinção massiva de populações de grandes herbívoros das florestas tropicais. Ainda estamos explorando a ponta do iceberg. No nosso experimento temos pesquisas em andamento ligando a extinção de esses grandes mamíferos tão icônicos, a floresta acima e abaixo do solo, e treinando uma nova geração de ecólogos de florestas tropicais que integrem a sua paixão pela história natural com uma perspectiva de ecossistema aplicada as florestas tropicais. Precisamos gerar esse conhecimento antes que seja tarde demais, e experimentos de longa data como o nosso são essenciais para atingir esses objetivos.”
O projeto de longa data, financiado pelo programa BIOTA da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) foi iniciado em 2009 peloprofessor Mauro Galetti da Unesp de Rio Claro. Dentro do projeto, vários subprojetos estratégicos dirigidos por pesquisadores de pós-doutorado, doutorado, mestrado e de graduação estão gerando novas descobertas relacionadas aos efeitos da defaunação de grandes herbívoros na diversidade e dinâmica das florestas tropicais.
O estudo está disponível no site: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1365-2745.13257.
Contato do Pesquisador
Nacho Villar
LaBiC Laboratório de Biologia da Conservação | Unesp Rio ClaroEmail: nachoprad@gmail.com