Cerca de 50 professores de diversas unidades e campi se reuniram no dia 24 de novembro para discutir os rumos da pós-graduação no workshop "Mestrado: retrospectiva e perspectivas", organizado pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação
Folhagens escondem, no pátio vizinho à sala do Conselho Universitário, uma estátua de Nicolau Copérnico. Provavelmente, muitos dos participantes do workshop sobre o mestrado não repararam na imagem do homem que provou que a Terra gira em torno do Sol. Nem Copérnico poderia imaginar, em sua tranqüilidade de pedra ali no pátio, as discussões e os trabalhos intensos daquela última quarta-feira ensolarada de novembro.
Após o pronunciamento do reitor Jacques Marcovitch, formaram-se quatro grupos, a partir das 10h. Mais próximo à porta ficou a numerosa equipe da Saúde, com 19 participantes. Os membros das Exatas e das Engenharias se dividiram em duas pequenas células na primeira fila da platéia, e os professores de Humanas se refugiaram na sala anexa. Todos teriam de responder, até o meio-dia. às mesmas cinco perguntas:
1. Qual a importância do mestrado nas diferentes áreas do conhecimento?
2. É o mestrado uma etapa obrigatória para o doutorado?
3. Qual a relação do mestrado com a iniciação científica?
4. Qual a duração adequada para o mestrado?
5. Quais as novas visões sobre o mestrado?
Como era de se esperar, cada grupo elaborou as questões a seu modo e com seu método. Em alguns pontos concordaram, mas a diversidade inter e intragrupos afinou a tônica dissonante do encontro. Entre os poucos denominadores comuns, a reiteração de que o mestrado não é etapa obrigatória para o doutorado. Sua importância varia de acordo com a área de conhecimento e, na maioria dos casos, prepara o aluno para a vida acadêmica. Quando o candidato já é maduro humana e cientificamente, pode-se encaminhá-lo para o doutorado. Ainda assim, a transferência é rara. como também o é o doutorado direto. Entre as exceções estão o Instituto de Química, a Faculdade de Direito e as Faculdades de Medicina. "Tento estimular o doutorado direto". afirmou Franco Maria Lajolo. que foi pró-rei-tor de Pós-Graduação entre 1992 e 1993.
Notou-se que falta agilidade nas agências de fomento à pesquisa e. quando o aluno passa de mestrado para doutorado, fica no mínimo 90 dias sem bolsa. À tarde, a platéia teria mais informações sobre a política de bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjunto da Diretoria Científica para Humanidades da Fapesp, disse que há uma reação em cadeia entre a criação de novos programas de pós-gradua-ção e o aumento de bolsas para desenvolvê-los. Isto resultou na multiplicação por sete do número de bolsas oferecidas pela Fapesp, que, de 783 em 1995, subiram para 5.352 neste ano, superando a Capes no Estado de São Paulo. Esse inchaço levou ao desequilíbrio entre os investimentos em bolsas (35%) e em recursos materiais (65%). "Esse valor para bolsas está 5% acima do teto máximo definido pelo Conselho Superior da Fapesp", informou Luiz Henrique Lopes dos Santos. "Vamos substituir o critério quantitativo pelo seletivo. Nossa meta é o doutorado, mas isso não quer dizer que vamos desqualificar o mestrado." O representante da Fapesp foi, logo a seguir, questionado pelo professor de Sociologia Brasílio Salum: "Como não desqualifica o mestrado se reduz o tempo das bolsas?".
Apesar do crescimento das bolsas e do surgimento de novos cursos de pós-graduação, o Brasil conta com apenas 12% da população em idade universitária cursando efetivamente a universidade. "Na Argentina são 30% e nos Estados Unidos, 70%", informou o professor Antônio Mc Dowell de Figueiredo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Para aumentar a graduação, é preciso crescer a pós, o que pode ameaçar a qualidade de ensino." No caso da USP, a situação é um pouco mais confortável, pois 98% dos docentes têm doutorado, sendo que a Lei de Diretrizes e Bases, no artigo 52, exige o mínimo de um terço de mestres ou doutores. Porém, Figueiredo calcula que, mesmo se todos os pós-graduados do Brasil lecionassem, o número não seria suficiente. O professor da UFRJ lançou o desafio, e lembrou que um dos coadjuvantes nessa luta pode ser a educação a distância.
Tempo de titulação é uma incógnita
Um dos temas mais discutidos em todos os grupos pela manhã foi o tempo de titulação. Fazendo as contas, os professores da Saúde constataram que um médico sai doutor no mínimo aos 34 anos. Contando o pós-doutorado, o profissional se formaria por volta dos 40. João Zanetic, do Instituto de Física, questionou: "Será que o mestrado não está se alongando para substituir o doutorado?". Sua área, Ensino de Física, oferece apenas o mestrado.
Fernando Spagnolo, assessor de Avaliação da Capes, lembrou, em sua apresentação durante a tarde, que muitas vezes se elogiam mestrandos durante a defesa de uma forma dúbia: "Parabéns, sua dissertação poderia ser uma tese de doutorado". "O aluno não sabe se agradece ou lamenta o tempo perdido", ironizou Spagnolo.
A professora de Literatura Telê Ancona Lopes, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), reforçou entre os colegas de grupo a diferenciação entre mestrado, que esgotaria métodos de pesquisa, e doutorado, que os ultrapassaria. Telê pediu aos professores que observassem se o projeto rende um doutorado, pois, "às vezes, o aluno faz do mestrado o projeto da vida dele e não sobra nada para o doutorado". A professora criticou, dentro do grupo das Humanas, algumas dissertações "muito bem-feitinhas mas com pouca imaginação crítica. São colchas de retalhos de citações, com tudo o que os grandes nomes pensam sobre o assunto e nada de autoria do aluno".
Em busca de estabelecer a fronteira entre mestrado e doutorado, Héctor Francisco Terenzi, pró-reitor de Pós-Graduação, sintetizou: "O doutorado é uma etapa importante pois, a partir desse momento, o pesquisador deixa de ser orientado e desenvolve uma vida acadêmica própria". Para Terenzi, isso significa que o doutor precisa formar um grupo de pesquisa e buscar recursos em agências de fomento à pesquisa. "E como um filho: quanto mais novo se tornar independente, melhor", comparou o pró-reitor.
Para além da pressão institucional, é interesse do aluno concluir brevemente sua pesquisa, como observou Maria Cristina Cacciamali, do Prolam (Programa de Pós-Graduação para a América Latina). "Em 1994, o tempo médio de titulação era de sete anos", contabilizou Maria Cristina, lembrando que, muitas vezes, o aluno abandonava o curso sem entregar a dissertação. "Devemos mostrar ao aluno que é dele o interesse de conseguir titulação logo", propôs a professora, que avaliou: "Não vejo com restrição um doutorado de cinco anos, um mestrado, sim".
Ao final do encontro, os grupos fizeram as seguintes propostas de tempo de titulação: Exatas, 30 meses para bolsista; Saúde, 36 meses como limite; Engenharia, 24 meses. Esta equipe, por sinal, notou que inexiste correlação entre o número de créditos e o tempo de titulação, já que a área exige o maior número de créditos e apresenta o menor tempo de titulação.
Notícia
Jornal da USP