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Exame

Grande é bonito

Publicado em 25 junho 2003

Por Roberta Paduan
Quando a Aracruz comprou do grupo Klabin a fábrica de celulose Riocell, no início de junho, mais uma peça foi encaixada no quebra-cabeça de um novo desenho do setor de papel e celulose no Brasil. Os 610 milhões de dólares recebidos pela Riocell, instalada em Guaíba, no Rio Grande do Sul, ajudarão a Klabin a sanear parte de suas dívidas, na casa dos 2,7 bilhões de reais. Esse, porém, é apenas o efeito mais visível da transação - o mais recente lance de um intenso movimento de troca de ativos e de expansão produtiva que vem sacudindo as principais empresas do setor nos últimos três anos. Nesse período, três fábricas e duas reservas florestais trocaram de dono. No ano passado, a Bahia Sul e a Aracruz pagaram 25 milhões de dólares cada uma para dividir uma floresta de 40 000 hectares de eucaliptos da Vale do Rio Doce, que saiu do negócio de celulose. Um ano antes, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) havia comprado 28% do capital votante da Aracruz. E, há três anos, a Klabin pagara 510 milhões de dólares por uma fábrica de embalagens que pertencia à Suzano e à americana Riverwood. O que está por trás de todas essas mudanças de posições? "As empresas do setor de papel e celulose estão buscando foco e escala como nunca", afirma Roberta Mazzariol, vice-presidente da operação brasileira do banco de investimentos americano Violy&Company, especializado em fusões e aquisições. Antes dessa temporada, isso não era tão nítido - mesmo entre os nomes mais competitivos do setor. A Klabin, por exemplo, até muito recentemente, fabricava embalagens, papel de imprensa e celulose para terceiros. Hoje, tenta se concentrar apenas no mercado de embalagens. Em março deste ano saiu do segmento de papel de imprensa e colocou à venda a Bacell, que fabrica celulose para a área têxtil. A Suzano, por sua vez, vendeu a fábrica de embalagens Igaras para a Klabin, focando-se apenas em papel de imprimir e de escrever. Foco e escala são as duas palavras-chave para definir o momento que a indústria de papel e celulose está atravessando. "A era em que todo mundo produzia de tudo um pouco está acabando", afirma Boris Tabacof, vice-presidente do conselho da Suzano e da Bahia Sul e presidente do conselho da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). A verticalização e a concentração do setor, na verdade, estão chegando com um certo atraso ao Brasil. As grandes consolidações internacionais entre empresas de papel e celulose começaram a acontecer no início da década de 90, tendo esquentado nos últimos cinco anos. Dessa tendência à concentração do mercado em poucas e grandes empresas formaram-se companhias enormes, como a americana International Paper. Com faturamento de cerca de 20,8 bilhões de dólares por ano, a International Paper tornou-se a maior fabricante de papel do mundo ao comprar, entre outras empresas, a americana Champion. Fusões resultaram também em gigantes como a sueco-finlandesa Stora Enzo e a americana MeadWestvaco. Embora o setor de papel e celulose brasileiro seja um dos mais competitivos internacionalmente - o país é o sétimo maior produtor mundial de celulose e o 11o de papel -, o porte é um calcanhar-de-aquiles para as empresas brasileiras. Para a manutenção dessa competitividade, é preciso que o setor cresça ainda mais em escala de produção. As três maiores empresas de papel e celulose americanas produzem individualmente mais que todas as empresas brasileiras juntas. Isso significa menos poder de fogo nas negociações com clientes, condições menos favoráveis de captação de recursos no mercado financeiro e, conseqüentemente, dificuldade de se projetar em novos mercados. Para tentar ganhar vantagem competitiva nesse quesito, as grandes empresas que formam o setor de papel e celulose no Brasil estão protagonizando um ciclo de investimentos como não se via há dez anos, quando a fábrica da Bahia Sul foi erguida em Mucuri, no sul da Bahia. Fora as transações de compra e venda, as empresas de papel e celulose investiram, em média, 1,1 bilhão de dólares ao ano de 1995 para cá, segundo a Bracelpa. Parte desses recursos foi aplicada em tecnologia (veja quadro). Mas o grosso foi mesmo para o aumento de escala. Desde dezembro de 2002, a VCP acelerou seu ritmo de produção, passando de 370 000 para 750 000 toneladas de celulose por ano em sua fábrica de Jacareí, no interior de São Paulo. Duas outras fábricas de celulose (uma da Suzano e outra da Bahia Sul, ambas do grupo Feffer) estão em fase de expansão. No próximo mês, a Aracruz e a Stora Enzo iniciam as obras de construção da fábrica de celulose Veracel, no sul da Bahia. O empreendimento vai custar 500 milhões de dólares a cada empresa. A indústria brasileira de papel e celulose conseguiu estabelecer um poderoso diferencial competitivo graças às condições climáticas do país. O eucalipto, a árvore mais utilizada na produção de celulose no Brasil, atinge a idade de corte aos sete anos. As espécies utilizadas na Europa, por exemplo, levam 20 anos para chegar ao mesmo ponto. Na década de 70, essa indústria tomou força e ganhou novos protagonistas, como a Aracruz e a Cenibra. Mas foi na década de 90 que os grandes grupos do setor situaram suas empresas entre as mais modernas do mundo. Atualmente, o custo médio da produção de 1 tonelada de celulose é de 163 dólares no Brasil. A mesma quantidade do produto sai a 243 dólares na Suécia, 246 na Indonésia, 271 no Canadá e 307 nos Estados Unidos. Quais deverão ser os próximos movimentos de consolidação no setor com vistas a manter essa vantagem competitiva? "A indústria de papel e celulose deve repetir o que fez a de minério de ferro", afirma Giovanni Fiorentino, vice-presidente da consultoria Bain&Company, especializada em estratégia. "Devagarzinho, uma das empresas brasileiras vai se tornar a Vale do Rio Doce da celulose." Que empresa seria essa? Num mercado em que os grandes estão ficando cada vez maiores, enquanto os pequenos contam-se em números cada vez menores, a Aracruz, considerada pelos especialistas uma das mais eficientes empresas de celulose do mundo, chama a atenção por seu crescimento acelerado. Nos últimos cinco anos, a produção da empresa dobrou. A recém-adquirida Riocell significa incremento de escala. Com a fábrica que acabou de comprar, a Aracruz aumentará em 20% sua produção anual de 2 milhões de toneladas. Esse volume lhe confere a posição de número 1 no mundo entre os produtores de celulose de eucalipto. O que isso significa? "Poder dialogar de igual para igual com clientes que se agigantaram nos últimos anos", afirma Carlos Aguiar, presidente da Aracruz. Cerca de 97% da produção da Aracruz é exportada, sendo 38% destinada à Europa, 37% aos Estados Unidos e 20% à Ásia. Apenas 5% ficam na América Latina. "Há cinco anos, fornecíamos para dez empresas de um determinado tipo de papel", diz Aguiar. "Hoje, negociamos com apenas uma, e essa uma precisa que a gente cresça junto com ela para atendê-la nos vários continentes em que mantém operação." MADEIRAAAAAAAAA! Como a tecnologia está aposentando o machado e a motoserra. Embora os fabricantes de papel e celulose façam parte de uma categoria pouco glamourosa, a das indústrias de base, a idéia de que esse é um setor movido apenas a machados e a motosserras é um tremendo engano. Uma visita ao centro de treinamento da Votorantim Celulose e Papel (VCP) é suficiente para desfazê-lo. Desde 2001, o treinamento dos cortadores de árvores é feito num simulador que parece um videogame. Esses profissionais passam semanas lidando com árvores virtuais antes de pegar no batente de verdade. Quando, alguns anos antes, a VCP começou a substituir seus machados e motosserras por harvesters (máquinas que cortam, descascam e desgalham árvores de mais de 30 metros de altura), as habilidades exigidas desses profissionais mudaram. Antes esses funcionários eram contratados pela força dos braços. Agora têm de ter preparo e reflexos para operar botões de máquinas que custam 350.000 dólares. Segundo José Maria Mendes Filho, gerente-geral da unidade florestal da VCP, uma única harvesters substitui 45 motosserristas. Isso explica em parte como, nos últimos dez anos, a empresa passou da produção de 450.000 toneladas de celulose para 1,4 milhão de toneladas - enquanto o número de funcionários envolvidos nas atividades florestais baixou de 4.100 para 3 800. O setor de papel e celulose e um dos mais avançados do país em biotecnologia. Há um ano e meio, duas pesquisas tentam desvendar o código genético do eucalipto. Os projetos, patrocinados por varias empresas do setor, além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e do Ministério da Ciência e Tecnologia, custarão cerca de 1 milhão de dólares cada um. Com o resultado da pesquisa, que deve durar pelo menos mais dois anos, as empresas brasileiras pretendem descobrir os gens que determinam características do eucalipto, como concentração de celulose e doenças que afetam a árvore.