GPCR não é só mais uma sigla abreviando um complicado nome do vocabulário científico. Na verdade, os GPCR, ou “receptores acoplados a proteínas G”, estão envolvidos em aspectos tão fundamentais da biologia que um em cada três medicamentos de todos disponíveis no mercado age neste grupo de proteínas. Localizados nas membranas das células, os GPCR têm um papel-chave em processos como resposta hormonal, comunicação entre neurônios e percepção de imagens, odores e sabores.
E é por isso que a pesquisa a respeito não para. “Nos últimos 10 anos, a ciência envolvida nos GPCR passou por uma revolução”, diz o professor Júlio César Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Ele foi um dos organizadores do Symposium on GPCR in Health and Disease – realizado este mês no ICB – que reuniu destacados pesquisadores e dois convidados internacionais: Yang Kevin Xiang, da Universidade de Califórnia Davis, e Brian Kobilka, Prêmio Nobel de Química de 2012, que participou, à distância, da Universidade de Stanford, nos EUA.
Qualidade e diversidade
Como os GPCR estão envolvidos em muitos processos biológicos diferentes, a temática das pesquisas também é bem diversificada, incluindo patologias como diabetes, câncer, obesidade e doença cardiovascular, além de muita ciência básica. Conheça algumas.
Chacoalhando a ciência básica
Aspectos gerais do mecanismo de ação dos GPCRs estão bem estabelecidos e já são parte de livros de texto de qualquer estudante de biologia. Mas o que se revela agora é que detalhes desses processos são muito mais complexos do que se pensava. Por exemplo, um trabalho recente liderado por Kevin Xiang observou que existem duas subpopulações do mesmo receptor GPCR de adrenalina dentro das células neuronais. Essas subpopulações têm estruturas tridimensionais diferentes, estão localizadas em lugares diferentes da célula e são alvo de diferentes vias de sinalização. O que essa pesquisa mostra, entre outras coisas, é que os GPCRs são muito mais do que “interruptores moleculares” que ativam ou desativam processos biológicos. Eles são pontos de controle que integram uma grande quantidade de sinais e que coordenam respostas complexas.
Você sim; você não
A diversidade na função dos GPCR também se manifesta na variedade de moléculas capazes de ativar um mesmo receptor, mas produzindo efeitos diferentes. O desafio agora é fazer valer a escolha de cada efeito. Nessa linha, há um grande interesse na busca dos chamados “agonistas enviesados”: moléculas que sejam capazes de ativar um determinado GPCR para produzir um efeito, mas que não desencadeiem efeitos secundários indesejados.
Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, três pesquisas do grupo liderado pelo professor Cláudio Costa-Neto trabalharam com agonistas enviesados. Uma delas envolveu duas variantes recém-descobertas da ocitocina, um hormônio apelidado frequentemente de “molécula do amor” e que tem um papel importante na empatia, nas relações sexuais e nas interações entre mães e filhos. Apesar de agirem sobre o mesmo GPCR que a forma mais comum, as novas variantes da ocitocina têm efeitos diferentes. De fato, quando os pesquisadores administram as novas formas do hormônio a ratos macho, observa-se que eles cuidam mais da prole do que com a forma normal.
Canabinoides e emagrecimento
Parcerias universidade-empresa também contemplam os GPCRs. Andreia Heimann, CEO da Proteimax, conta que sua equipe atua em colaboração com pesquisadores da USP em busca de um fármaco para tratar obesidade por meio da ativação do receptor de canabinoides 1 (CB1), um dos GPCRs responsáveis pelos efeitos da maconha. A ideia é que o novo fármaco seja um agonista enviesado, reproduzindo os efeitos benéficos do Cannabis na perda de peso e no acúmulo de gordura, mas não os efeitos prejudiciais no sistema nervoso.
Brian Kobilka, Nobel de Química de 2012, descreveu junto com sua equipe a estrutura tridimensional dos GPCR. Ele destaca como esse conhecimento pode ajudar no desenvolvimento de novos fármacos. Em vez de testar moléculas experimentalmente uma a uma, ao conhecer a estrutura do receptor é possível fazer uma triagem virtual dos potenciais fármacos, selecionando para a fase experimental apenas as moléculas mais promissoras. Essa abordagem também permite achar com mais facilidade agonistas enviesados, que ativem os receptores de forma que um certo efeito biológico se mantenha, mas que os efeitos indesejados sejam minimizados.
Time de peso
Uma seleção de cientistas brasileiros integrou o evento. O professor Júlio César Ferreira ressalta que a presença do País na área dos GPCR é forte, e há muitos trabalhos de grande qualidade. “A gente não perde em nada [em relação a outros países], temos pesquisadores de referência em âmbito internacional”.
Além dos mencionados, também apresentaram o trabalho dos seus grupos os professores e pesquisadores da USP Roger Chammas, Bettina Malnic, Emer Ferro, José Krieger, Edilamar Oliveira e Juliane Campos, e o pesquisador da Unicamp, Luiz Leiria.
Se vira nos 2’
Um aspecto inovador do simpósio no ICB foram as sessões “Speed dating”, nas quais os pesquisadores mais jovens apresentaram seu trabalho em mini-palestras de dois minutos – cronometrados. De acordo com Júlio César Ferreira, o formato é excelente para aprender a sintetizar o trabalho, o que é muito mais complicado do que pode parecer. “Eles gastam cinco vezes mais de tempo para preparar uma palestra de dois minutos que uma palestra de meia hora”.
O Symposium on GPCR in Health and Disease aconteceu no dia 15 de junho no ICB e teve organização dos professores Júlio Ferreira e Patrícia Brum, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Morfofuncionais, em parceria com a Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP, e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Interprise.
Mais informações: e-mails jcesarbf@usp.br, com Júlio César Ferreira, ou pcbrum@usp.br, com Patricia Brum.