Nísia Trindade, ministra da saúde, e Lula Brasil quebra recorde de mortes pela doença, mesmo com alerta da OMS em 2023; Estado deve agir, em vez de culpar o clima
O ano finda com um indicador trágico para a saúde brasileira. Em 2024, mais pessoas morreram por dengue no país (5.873) do que a soma dos oito anos anteriores (4.992), segundo levantamento da Folha com base no Datasus
Com o período de chuvas iniciado, e já causando mortes como se viram em São Paulo, o poder público tem o dever de se preparar para conter a doença em 2025.
Devido ao aquecimento global, aliado ao El Niño, a incidência da dengue neste ano de fato subiu em todo o mundo, principalmente nas Américas. Mas, no Brasil, falhas nas três esferas de governo podem ter piorado a situação.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, foram mais de 12,6 milhões de casos na região, quase o triplo do que em 2023, e mais de 7.000 mortes. Argentina, Brasil, Colômbia e México respondem por 90% dos casos e 88% dos óbitos —e o Brasil, pela maioria de ambos os indicadores.
Populações de Sul e Sudeste do país foram mais afetadas, dada sua vulnerabilidade. Como vivem em regiões de clima mais ameno, tiveram menos contato com os sorotipos do vírus. Mas, com a alta do calor e das chuvas, o Aedes aegypti se prolifera.
Em 2024, as maiores taxas de óbito por 100 mil habitantes foram as de Distrito Federal (15,2), Paraná (6,19), Goiás (5,41), Minas Gerais (5,24), São Paulo (4,27) e Santa Catarina (4,22).
A mudança climática, contudo, não pode mais ser ser usada como artifício para explicar tal morticínio. O fenômeno é estudado há décadas e suas consequências são projetas pela ciência —a OMS já em 2023 havia alertado para piora da dengue daquele ano até este.
São necessárias ações integradas entre o Ministério da Saúde, estados e municípios.
No curto prazo, alocar recursos em atendimento ambulatorial, agilizar diagnósticos, intensificar campanhas de conscientização e ampliar estoques de vacinas —além da japonesa Qdenga, de duas doses, o Instituto Butantan enviou pedido de registro do seu imunizante de dose única para a Anvisa em 16 de dezembro.
Em médio e longo prazos, há que expandir o método Wolbachia, que usa uma bactéria para limitar a procriação do mosquito, ampliar o acesso ao saneamento e instituir programas de adaptação à mudança climática. No âmbito doméstico e global, ainda é preciso desenvolver drogas para conter a piora no quadro clínico de pacientes infectados.
Há muito a ser feito pelo poder público. Esperar pela tragédia anunciada e culpar o aquecimento global não são opções.
Folha de São Paulo