Estudantes e funcionários das universidades estaduais fizeram passeata ontem em direção ao Palácio dos Bandeirantes. Mas a Polícia Militar impediu que os manifestantes chegassem perto da sede do governo do Estado.
O governo do Estado deu um ultimato ontem aos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) e decidiu que não vai mais negociar enquanto os alunos não deixarem o prédio da reitoria, ocupado há 29 dias. A afirmação foi feita pelo secretário de Estado da Justiça, Luiz Antonio Guimarães Marrey, após uma reunião entre representantes do governo e estudantes ligados às universidades públicas paulistas: USP, Unicamp e Unesp.
Marrey havia se comprometido a voltar a conversar com os estudantes hoje. Mas, no final do dia, condicionou qualquer conversa à desocupação da reitoria. "Enquanto não houver desocupação, não haverá mais negociação", disse o secretário.
Ontem, o governador José Serra baixou novo decreto sobre as universidades. No texto do documento, chamado de decreto declaratório da gestão, o governador mexeu num dos pontos de insatisfação dos manifestantes: a autonomia das universidades estaduais, que, segundo eles, estava ameaçada por decretos publicados anteriormente pelo governador.
Um desses decretos, o que criou a Secretaria de Ensino Superior, teve sua redação alterada em alguns pontos considerados importantes. A alínea que definia como atribuição da secretaria a "ampliação das atividades de pesquisa, principalmente as operacionais", passou a ser simplesmente "ampliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão".
A mudança parece pequena, mas os grevistas (estudantes e funcionários) interpretavam a expressão "principalmente as operacionais" como um direcionamento das pesquisas para o que chamam de interesses do mercado. Na pauta de reivindicações dos estudantes, o trecho era referido diretamente como algo que agredia o "ensino e a pesquisa autônomos, livres de interesses mercadológicos".
Em outro ponto, o novo texto ressalta a questão da autonomia universitária, que não estava tão explícita na versão anterior. No decreto publicado ontem, há um trecho em que a redação é clara: "Busca de formas alternativas para oferecer formação nos níveis de ensino superior, com vista a aumentar o acesso à universidade, respeitadas a autonomia universitária e as características específicas de cada universidade".
A preocupação do governo, na prática, foi afirmar claramente que nenhum dos decretos fere a autonomia universitária. O decreto declaratório, o primeiro da gestão Serra, foi feito em resposta a um pedido dos reitores das três universidades e do presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado, para que o governador reafirmasse a questão da autonomia e colocasse fim ao conflito.
Recuo — O decreto do governo, publicado ontem no Diário Oficial do Estado, teve diferentes interpretações. Para alguns, Serra cedeu à pressão dos estudantes e recuou no que diz respeito à autonomia universitária. Para outros, o governo apenas esclareceu as dúvidas e os pontos de conflito.
"Foi, nitidamente, uma vitória dos estudantes. Esse é o momento adequado para saírem de cabeça erguida desse impasse, desocupando a reitora", afirmou o jurista Fábio Konder Comparato. Para ele, faltou cuidado no momento da publicação dos decretos. "Fica um pouco humilhante para o governador falar em recuo. Ele compreendeu que tinha havido abuso na edição dos decretos e procurou corrigi-los", afirmou Konder Comparato.
Para o secretário do Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, o governo não recuou. Ele afirmou em entrevista à Rádio Jovem Pan , que não há mais motivos que sustentem a ocupação da USP.
O ex-ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso e hoje deputado federal, Paulo Renato de Souza (PSDB-SP), concorda com o secretário. Segundo ele, "há intransigência por parte dos estudantes". Para o ex-ministro, o novo decreto de Serra não é um recuo, mas apenas uma ratificação de que a autonomia da universidade não está ameaçada. Paulo Renato também afirmou que, como diretor da Unicamp, redigiu a autonomia da universidade e sabe que as medidas não ferem a autonomia.
Em nota divulgada pela manhã, os estudantes da USP afirmaram que, com o novo decreto, o governo sinalizou "diálogo" e que compreende a importância da luta pela autonomia universitária. No entanto, a nota não sinaliza o fim da ocupação da reitoria.
Notícia
Diário do Comércio (SP)