Notícia

Jornal do Brasil

Governo carioca ignora ciência e tecnologia

Publicado em 20 outubro 1995

Por CLÁUDIO CORDOVIL
7O governador Marcelo Alencar não está cumprindo sua promessa de dar prioridade à ciência e tecnologia em sua gestão. Apesar dos discursos de campanha e do compromisso assumido publicamente, no dia 18 de abril deste ano, de dotar a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) com R$ 20 milhões, referentes ao ano de 1995, a única agência estadual de fomento à pesquisa recebeu apenas cerca de R$ 5 milhões do governo, verba equivalente à destinação fornecida - e criticada - pelo governador Brizola, em seu último ano de mandato, para aquela instituição. Para complicar a situação, a Secretaria de Fazenda não transfere à Faperj os recursos devidos há quase dois meses. "A Faperj está totalmente desmoralizada. Estados menos desenvolvidos do que o Rio recebem verbas para ciência e tecnologia muito mais substanciais do que a nossa. Não está claro que o estado possua uma política de tecnologia. O que se vê é uma agressiva política de atração de capitais para a indústria, mas está provado historicamente que isto somente não resolve o problema do estado", justifica Arnaldo Nogueira, secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Parada - Neste momento, o Plano de Ação da Faperj está descontinuado. Anunciado com um certo estardalhaço em abril, demonstrava a intenção do governo de "tornar o Rio o maior centro científico e tecnológico do Brasil", nas palavras do governador. "Os auxílios para organização de congressos e apresentação de trabalhos no exterior foram pagos até agosto. Agora, só o pagamento das bolsas funciona regularmente. O Conselho Superior da Faperj não tem se reunido porque não há o que fazer sem dinheiro", explica o engenheiro Luiz Bevilacqua, diretor científico da Faperj. Bevilacqua assumiu o cargo em abril, fato saudado pela comunidade científica como esperança de dias melhores. Respeitado por seus pares, Bevilacqua, especialista em mecânica teórica, agora de mãos atadas, suporta o constrangimento diário de comunicar a seus colegas que seus projetos não foram aprovados. Fogueira - "Estão queimando o Bevilacqua de uma maneira horrorosa. Dos tempos do Brizola para cá, a situação não melhorou. Houve uma certa encenação neste governo mas tudo continua como antes", desabafa o antropólogo Gilberto Velho. A comunidade científica carioca está preocupada com a escassez de verbas porque o Rio de Janeiro concentra o maior número de institutos de pesquisa do Brasil. Movimentando um orçamento anual da União de cerca de US$ 1 bilhão, as instituições de nível superior e os centros de pesquisa empregam mais de 100 mil pessoas no Estado. "Este valores mostram a importância desta indústria para o Estado. É uma vocação importante do Rio de Janeiro para a qual o governo estadual não oferece nenhuma contrapartida", revela Arnaldo Nogueira. Diante do abandono da Faperj, restam dúvidas sobre como um país como o Brasil poderá competir em uma economia globalizada, onde questões como competência educacional, tecnológica e científica são mais importantes do que aumento da produção e elevação da qualidade de vida. 'A história oficial' "O anúncio dos R$ 20 milhões em abril foi um equívoco. Não tínhamos então uma dimensão correta dos problemas à frente", reconhece o secretário estadual de ciência e tecnologia. Eloi Fernández y Fernández. Para ele, as mazelas da Faperj devem-se ao fato de os recursos do ICMS estarem "comprometidos com a folha de pagamento do estado". A arrecadação com o ICMS representa cerca de R$ 3 bilhões. "A folha consome o mesmo montante", afirma Eloi. Pela constituição, 2% da arrecadação do ICMS devem ir para a Faperj, determinação que nunca foi cumprida. Outra justificativa é o fim da ciranda financeira. "No ano passado, 50% do orçamento resultaram de aplicações no mercado financeiro. A inflação jogava um papel importante nos orçamentos", diz Fernández. Esta é a versão oficial do governo. Nada mais foi dito. Fernández se recusou a responder por que a agência de fomento de São Paulo, a Fapesp, dará US$ 120 milhões para bolsas e auxílios neste ano. "Não sei como um estado com uma dívida de US$ 30 bilhões obtém verba para pesquisa." Recusou-se a explicar por que estados que não têm uma produção científica tão substancial quanto a do Rio dispõem de maior verba. "Não vou discutir a situação de outros estados". Mas, o que mais irritou o secretário foi a pergunta sobre o que os cientistas poderiam esperar da Faperj em termos de verbas até o fim do ano. "Não vou responder", disse um irascível Eloi, levantando-se e optando por encerrar a entrevista. (C.C.) Palavras ao vento Palavras, palavras, palavras. Durante a campanha e no início de seu mandato, Marcello Alencar falou de ciência com retórica triunfante. Em artigo no JORNAL DO BRASIL, do dia 22/4/ 94 (Mercado de trabalho e desenvolvimento econômico), Marcello presta um tributo à genialidade. Falando sobre a grandiosidade do parque científico-tecnológico estadual, comenta: "Tal circunstância dá ao estado uma posição singular no país, estabelecendo um potencial ímpar de recursos humanos (...) e infra-estrutura, aptos a serem usados em benefício [do] desenvolvimento". Mais adiante acusa adversários pelo descaso com este potencial: "Como resultado desta falta de sensibilidade, estes centros de ensino e pesquisa encontram-se desprezados e abandonados pelo Poder Público (...)". Em seguida, descobre o tesouro que tem nas mãos: "Este é o caminho para buscar nossa real integração competitiva no panorama internacional". E termina com promessas, agora comprometidas. "É papel do Estado (...) promover as articulações necessárias para cuja consecução toda a população possa ser mobilizada em seus mais diversos segmentos". Em agosto, ilusões à toa: "Vamos dar autonomia à Faperj e garantir recursos, de modo a que o Rio volte a ocupar um lugar de destaque no país no setor de pesquisas, recuperando um papel histórico". Sonho bom! (C.C.) AS DESIGUALDADES Rio de Janeiro - A Constituição Estadual determina que 2% da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sejam destinados à Faperj. Assim, o total devido à Faperj neste ano é R$ 60 milhões. Até agora, foram repassados R$ 5 milhões, o equivalente a 8.3% do total devido à Faperj até 30 de setembro. No entanto, em abril, o Conselho Superior da Faperj decidiu solicitar uma verba que representava apenas 35% do valor devido - R$ 20 milhões - que não recebeu. Santa Catarina - O Funcitec deve receber 1% da receita do Estado. Para 1995, o valor devido pelo governo estadual era de US$ 10.842.000. O valor repassado até agora é de cerca de US$ 3.200.000, ou 29% do devido. Pernambuco - A Facepe deve receber a dotação mínima de 1% da receita orçamentária anual do estado. Para este ano, a receita orçamentária é de R$ 1.708.007.000 e a da Facepe é de R$ 6.500.000. Até o momento, o repasse feito pelo governo foi de cerca de R$ 1.841.920, equivalente a 28% do montante devido. Rio Grande do Sul - A Fapergs deve receber, segundo a Constituição, 1,5% da receita de impostos. A projeção desta cifra para o ano é de R$ 37 milhões. Até agosto, já tinha recebido R$ 3.420.000. Mas a Fapergs receberá R$ 8.325.000, equivalente a 22.5% do valor devido.