A pedido dos reitores das três universidades estaduais paulistas, e no dia em que cerca de milhares de alunos, professores e funcionários programavam uma passeata até o Palácio dos Bandeirantes, o "Diário Oficial do Estado de São Paulo", nesta 5ª feira (31/5), trouxe um decreto declaratório - recurso jurídico usado para esclarecer a interpretação de determinada norma - do governador José Serra (PSDB) que reafirma a autonomia das instituições. O protesto ocorreu mesmo assim - reuniu entre 3 mil e 5 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar, teve estudante detido e prejudicou o trânsito nas zonas sul e oeste da cidade.
No palácio, uma comissão de alunos da Universidade de São Paulo (USP), que ocupam a reitoria há 29 dias, foi recebida pelo secretário-adjunto da Casa Civil, Humberto Rodrigues. Eles pediam a "livre manifestação" e nada falaram sobre os decretos ou autonomia universitária. Dois representantes foram escolhidos os deputados do PSOL Ivan Valente e Carlos Gianasi, para falar com o secretário Aloísio Nunes, da Casa Civil.
Na saída, os deputados disseram que o secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, Luiz Antonio Marrey, receberia os manifestantes amanhã (1º). Mas Marrey, também presente, condicionou: "Não haverá negociação enquanto eles estiverem na reitoria." Os alunos disseram que a ocupação continua, ao menos até as 18 horas de amanhã, quando farão uma nova assembléia.
Quanto ao texto publicado no "DO", ele explicita que os decretos editados neste ano, que incluem suspensão de contratações na administração direta e indireta, não se aplicam às universidades. É o que o governo vinha afirmando desde o começo da polêmica. Esta foi a primeira vez que Serra usou o recurso.
A única modificação refere-se ao decreto que criou a Secretaria de Ensino Superior, para a qual ficaram transferidas a USP, a Unesp e a Unicamp. O governador dá nova redação a dois incisos que provocaram polêmica. Também suspende dois artigos que deixaram margem para entender que o titular da pasta poderia ter ingerência nos assuntos internos das instituições.
Essas mudanças do decreto, segundo avaliações de professores, criaram um esvaziamento das funções do secretário de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, pois os artigos que tratam das atribuições do titular da pasta ficaram explicitamente sem poder sobre as universidades. O secretário nega enfraquecimento. "Ficou definido o que já era a idéia desde o começo, que é manter a autonomia das universidades, sem ingerência do secretário na vida interna. Sobrou para mim o que é mais importante, que é a discussão sobre a inclusão, o acesso " Questionado sobre a atuação da secretaria, ele afirma que "pretende, por exemplo, criar um curso a distância para carentes em parceria com as universidades".
Em sua introdução, o governador afirma que "considerando que os decretos nº 51.461, nº 51.471, nº 51.473, nº 51.660, nº 51.636, respeitam o princípio da autonomia universitária (...), considerando que surgiram interpretações reiteradamente equivocadas acerca do alcance e aplicabilidade dos referidos decretos (...), e considerando a conveniência de eliminar os equívocos de interpretação e fixar o exato sentido dos referidos decretos (...)". O texto continua com cada decreto e frase "não se aplica às universidades estaduais paulistas e à Fapesp".
Resposta
A publicação foi a solução encontrada pelo governo para responder aos protestos que culminaram com a ocupação por um grupo de alunos da reitoria da USP há quase um mês. O decreto, costurado pela assessoria jurídica do governador foi discutido ontem (31) em uma reunião entre o governador, os secretários da Fazenda, Gestão Pública, Justiça e Defesa da Cidadania, Ensino Superior e os reitores. Também foram chamados alguns professores da universidade.
Há cerca de uma semana, secretários e governador faziam reuniões diárias. A questão era encontrar uma maneira de deixar claro que não havia interesse em ferir a autonomia universitária sem parecer que o governador fazia concessões ou recuava diante dos alunos - os últimos encontros de negociação terminaram sem avanços significativos.
Com o decreto declaratório, o governo deixa claro, sem precisar revogar ou recuar diante do que pediam os estudantes, que seus decretos não interferem na vida universitária. Politicamente, na negociação, não deixa de ser uma maneira de ceder e dar um primeiro passo para chegar a um entendimento.
"O novo decreto esclarece em definitivo pontos importantes que ainda vinham causando controvérsia na comunidade das três universidades, além de reiterar as garantias expressas nas cartas dirigidas anteriormente ao Cruesp pelos secretários", afirmou hoje José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp e presidente do conselho dos reitores.
A professora de Direito Constitucional da USP, Odete Medauar, que no início da semana sugeriu a edição de um decreto do tipo, para acabar com dúvidas quanto à constitucionalidade dos decretos, elogiou a atitude. "O governo teve bom senso, mesmo que um pouco tardio. Isso esclarece de vez qualquer interpretação em outro sentido", afirma. "Agora, cabe aos alunos cumprirem a ordem judicial e saírem da reitoria."
Para o secretário-geral do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, o governador José Serra deu um passo importante para que se consiga chegar a uma solução para o impasse na USP. "Foi um avanço bastante significativo", afirma. "Até então, observávamos uma intransigência por parte do governo." Na avaliação dele, a mudança de postura do governo foi muito influenciada pela opinião de juristas de credibilidade.(ae)
Notícia
Folha de S. Paulo - Vale (São José dos Campos)