Um certo incômodo assombrava Laurent Porto, 29, quando ficava defronte ao espelho. Por isso, buscou ajuda para empreender batalha contra o motivo do desgosto: a barriga. Em uma visita ao nutricionista, descobriu: estava no temido “grupo de risco”. A sua circunferência abdominal ampliava em três vezes as chances de desenvolver, no futuro, problemas cardiovasculares. A partir de então, mais do que por vaidade ou uma questão apenas estética, o estudante de teatro passou a encarar aquele incômodo como questão de saúde.
Detalhe: o rapaz, à época com 27 anos, se exercitava periodicamente – por conta dos estudos cênicos. Mas, ainda assim, mesmo jovem e fisicamente ativo, Porto se enquadrava em grupo de vulnerabilidade. Isso, porque, mesmo que seu Índice de Massa Corporal (IMC) não indicasse quadro de obesidade, sua circunferência abdominal apontava para o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, pois ele tinha o chamado pneuzinho.
As medidas do abdômen, aliás, foram objeto de um estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A conclusão: mesmo que não tenham sobrepeso e sejam fisicamente ativas, pessoas com concentração de gordura abdominal têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios no coração.
O experimento, publicado na revista “Scientific Reports”, visou o que o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Vitor Engrácia Valenti ilustra como “falso magro, aquela pessoa que tem um pneuzinho”. “São pessoas que acham que está tudo bem, mas como pudemos ver, não é bem assim. Mesmo que pouca, mesmo que a pessoa pratique algum esporte, a gordura abdominal representa perigo”, atesta o coordenador da pesquisa.
Para avaliar os riscos, o estudo usou como métrica o resultado da estatura do indivíduo dividida pela circunferência do seu abdômen. O valor indica o acúmulo de tecido adiposo nessa região. Com base nesse dado, os voluntários foram separados em três grupos: um com entre 0,40 e 0,44 (abaixo da zona de risco), 0,45 até 0,50 (próximo do limite) e, finalmente, entre 0,50 e 0,56 (acima do limite de risco). “Medimos, então, a frequência cardíaca em repouso e na primeira hora depois dos exercícios”, relata.
O Estudo
O pesquisador explica que 52 homens com idades entre 18 e 30 anos, que não apresentavam alterações metabólicas ou problemas cardíacos, realizaram uma série de atividades, sendo sempre monitorados. No primeiro dia, ficaram em repouso por 15 minutos e depois realizaram uma corrida de esforço máximo em uma esteira ergométrica. Depois, tiveram uma hora de descanso.
No segundo e último dia do estudo, o grupo realizou caminhada no equipamento, com esforço moderado. “Medimos, então, a frequência cardíaca em repouso e na primeira hora depois dos exercícios”. Valenti explica que quanto maior for a demora em recuperar a frequência cardíaca, maior é o risco de desenvolvimento de distúrbios no coração. Este era o caso dos grupos mais próximos da faixa de risco.
Cuidados
Esse tipo de paciente, que não possui doença cardiovascular, mas está acima da faixa de risco, “precisa ser orientado no geral: perder gordura e, se bons, manter os níveis de triglicéride, glicose e pressão arterial”. É o que sustenta o cardiologista Evandro Guimarães de Souza, coordenador do comitê de hipertensão arterial da Sociedade Mineira de Cardiologia. “Com atividades físicas e uma dieta alimentar, esses pacientes conseguem reduzir o risco até que alcance a faixa da normalidade”.
O médico alerta que “a circunferência abdominal não deve ser tratada apenas pelo viés estético” – como, aliás, Laurent Porto veio a descobrir. Tanto que já se está estabelecido que a circunferência do abdômen acima de 88 cm, para as mulheres, e de 102 cm, para os homens, deve ser encarado como sinal de aleta. “Esse tipo de gordura funciona como um órgão, que libera substâncias que agridem o endotélio (camada mais superficial dos vasos sanguíneos) – o que faz aparecer a placa de colesterol, podendo levar a um enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou outras doenças vasculares”, explica ele.
“Barriguinha de chope” merece atenção maior
No percurso de uma viagem, Reginaldo Alves, 33, começou a sofrer crises alérgicas. Efeito comum da medicação que recorreu, passou a sofrer com certo inchaço, ostentado na barriguinha. Então, passou a odiar as fotos que fazia e decidiu mudar de rotina, na busca de corrigir a circunferência abdominal, “totalmente desproporcional”, como ele avalia. Assim como tantas outras histórias, o comunicador também foi mobilizado pela vaidade e acabou descobrindo que estava acima da faixa do grupo de risco.
“Na rotina do consultório, a gente encontra muito esse tipo de situação – em que o Índice de Massa Corporal (IMC) não configura obesidade, mas há excesso de gordura no abdômen”, comenta Edines Moreira Alves, diretora do Conselho Regional de Nutricionistas da Nova Região (CRN9).
Para entender as dinâmicas metabólicas que a famosa “barriga de chope” provoca, Edines esmiuça tecnicamente o problema: “A medida da circunferência e alterações de colesterol e triglicérides são indícios de gordura visceral – uma espécie de gel subcutâneo, que libera substâncias inflamatórias e fica em volta de órgãos como os rins, pâncreas e fígado”, diz a nutricionista.
A profissional observa que o sedentarismo e hábitos alimentares desregrados levam a esse acúmulo. Para sair da faixa de risco, portanto, o jeito é aderir aos exercícios físicos com maior regularidade e buscar cotidianamente ter uma alimentação mais saudável, afirma Edines.
Mudança
Essa transformação foi o que Alves buscou para si. “Antes, comia muitos produtos ultraprocessados e fazia refeições incluindo itens de muita gordura saturada”, cita. Depois de consultar uma nutricionista, ficou evidente que ele precisaria trabalhar a sua relação com a comida.
Quanto aos exercícios físicos… “Sempre foi uma coisa meio namoro de malandro”, brinca Alves, que já chegou a ter apenas 6% de gordura corporal. No vaivém da vida, entre mudanças de Estado e de estilos, acabou perdendo o ritmo. Hoje, vê que “quando falamos de atividade física, falamos de saúde preventiva”. “Ter uma vida mais equilibrada e saudável é o que eu busco, é o que, agora, me norteia”, conclui. (AB)
MUDE DE VIDA
Pelo começo. Marcos Viotti, treinador físico na Bodytech, indica passos para reduzir a circunferência abdominal
Auto avaliação. O educador físico explica que a mudança de rotina vem mais pelo que se vê no espelho do que pelo mostra a balança.
Cuidado. Antes de começar, é recomendável procurar um educador físico, formado, que avalie as limitações patológicas e genéticas.
Entusiasmo. As atividades devem trazer motivação, pois a continuidade é fundamental e os resultados são melhores se aliados a uma dieta balanceada.
Mãos à massa. O importante é realizar atividades que se adequem às suas condições físicas. “Respeite suas limitações e não tente dar um passo maior que as pernas”, recomenda Viotti.
Reeducação. A nutricionista Andreia Bauermann ajuda a pegar atalhos na hora de repensar sua alimentação
Pare. Não faça dieta! Restrições alimentares geralmente não funcionam e acaba-se por desistir.
Devagar. Procure aderir a um estilo de vida mais saudável.
Aposta certa. Coma mais frutas, hortaliças e laticínios com baixo teor de gordura; inclua a ingestão de cereais integrais, frango, peixe e frutas oleaginosas.
Fuja deles. Reduza a ingestão de carne vermelha, doces e bebidas com açúcar.
Substitua. Não consegue ficar sem sobremesa? A sugestão é ir trocando, aos poucos, o tradicional chocolate ou pudim pelo chocolate com pelo menos 70% de cacau, que é rico em polifenóis.
Fonte: O Tempo Online