CAXAMBU, MG - O que prometia ser uma desinteressante mesa-redonda sobre bolsas de estudo transformou-se, na noite de anteontem, num bate-boca entre dois pesos-pesados da academia brasileira: o professor de filosofia José Arthur Giannotti, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, e o sociólogo Octávio Ianni, professor da Unicamp. Ianni acusou parte dos debatedores de pensar a política de bolsas de estudo para mestrado e doutorado de maneira excessivamente tecnocrática.
"Antes de discutir isso, deveríamos discutir que universidade queremos. Isso não foi colocado, então não sei do que vocês estão falando. Acho que é de uma universidade de modelo tecnocrático, que é o contrário da universidade na qual acredito", afirmou o professor. "O que está por trás desta discussão é a proposta de privatizar a universidade." Giannotti, que não fora citado por Ianni, decidiu reagir. Acusou o sociólogo de fazer uma "operação ideológica" e de usar "demagogia", Ianni, da platéia, gritou: "Não faça isso, Giannotti. Você entendeu bem o que eu disse é está sofismando. Não faça isso."
Curioso, nessa briga, é que ela envolve dois professores com histórias muito parecidas. Tanto Giannotti quanto Ianni eram professores da USP e foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5 em 1969, assim como o presidente Fernando Henrique Cardoso. Giannotti e Ianni tomaram caminhos diferentes depois disso. Também tem opiniões divergentes sobre o governo Fernando Henrique e, nas entrelinhas, era um pouco sobre isso que estavam discutindo anteontem. Giannotti é amigo pessoal do presidente. Construiu fama de polemista vigoroso e não deixa sem resposta as críticas a certas políticas do atual governo que ajudou a formular. Ianni permanece fiel ao ideário da esquerda que compartilhou no passado com Fernando Henrique e Giannotti.
O estopim da discussão foi a apresentação do físico José Fernandes Perez, diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Em tom agressivo, fez um diagnostico sombrio da qualidade dos estudantes brasileiros de pós-graduação. "O Brasil não está formando pesquisadores, mas apenas pessoas com títulos acadêmicos." A propósito de uma pesquisa segundo a qual a idade média do estudante de mestrado é de 32 anos e a de doutorado, 38, alfinetou. "Nossos pesquisadores são velhos. Para mim, pesquisador velho é pesquisador morto."
Foi para criticar Perez que Ianni pediu a palavra e fez seu discurso. A platéia, formada por estudantes de mestrado e doutorado, solidarizou-se com Ianni, o que levou Giannotti a chamar de "demagógico" o discurso do sociólogo. Uma estudante perguntou a Perez se "burocrata velho também era burocrata morto". Perez pediu desculpas, mas o mediador do debate resolveu encerrar a sessão "porque o nível do debate passou do que seria aceitável".
Notícia
Jornal do Brasil