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Jornal da Unicamp

Geógrafa propõe zoneamento geoambiental para regiões vulneráveis (1 notícias)

Publicado em 21 de setembro de 2015

Por Isabel Gardenal

Municípios litorâneos como Caraguatatuba, São Paulo, precisam de uma maior atenção das autoridades governamentais para a realização de um planejamento urbano, uma vez que ficam situados em áreas de dinâmica frágeis, segundo estudo de mestrado apresentado ao Instituto de Geociências (IG). “Eles podem enfrentar riscos, não somente à devastação do meio ambiente, mas também à população. Isso porque faltam políticas de organização territorial de infraestrutura urbana”, concluiu a geógrafa Cibele Oliveira Lima, autora da dissertação.

O trabalho de Cibele – orientado pela docente do IG Regina Célia de Oliveira no período entre 2013 e 2015 – traz proposta de um zoneamento geoambiental, que surge como ferramenta técnica de planejamento integrado e passa a representar uma solução para o ordenamento racional dos recursos para regiões de maior vulnerabilidade. Esse zoneamento garante a manutenção da biodiversidade, dos processos naturais e de serviços ambientais ecossistêmicos.

A proposta de zoneamento geoambiental defendida por Cibele parte de uma metodologia organizada pelos pesquisadores José Rodriguez, Edson da Silva e Agostinho Cavalcanti (2004) no livro Geoecologia das Paisagens: Uma Visão Geossistêmica de Análise Ambiental.

Nessa metodologia, efetuam-se primeiramente inventários físico e socioeconômico (com o maior número de informações do município), organizados em texto sistêmico e em cartas temáticas na escala 1:50.000, que ajudam a detalhar a fragilidade e o estado ambiental da região.

Essas informações, salientou a mestranda, são comparadas para chegar a um diagnóstico que aponta os principais impactos ambientais na área estudada. Então é que se elabora o zoneamento geoambiental, com ações para o desenvolvimento futuro do município, para a preservação do meio ambiente e para a melhoria na qualidade de vida.

Cibele e sua orientadora fizeram o trabalho de campo em Caraguatatuba. Para essa tarefa, elas também contaram com a participação da Defesa Civil. Juntas visitaram 19 áreas de ocupação irregular em zonas de “muito alto” e de “alto risco” a escorregamentos e a inundações.

Trata-se de assentamentos localizados nos núcleos Tinga, Jaraguazinho, Rio do Ouro, Benfica, Cantagalo, Casa Branca, Martim de Sá e Olaria, no setor Central do município, e Sertão dos Torinhos, que se localiza no setor Sul. Essas áreas se constituem as mais frágeis e críticas ambientalmente falando, afirmou a pesquisadora.

Ao conhecer o território, ela calibrou as informações dos mapas, acrescentou novos dados, fez a coleta de material fotográfico e conversou com moradores locais sobre situações recentes. Também esteve na Universidade de Havana, em Cuba, onde fez um estágio orientado pelo professor Rodriguez, um dos autores da metodologia.

Foi aí que compreendeu o valor do quadro físico e socioeconômico da área, da produção de cartas e mapas temáticos, e dos trabalhos de campo supervisionados pela Defesa Civil.

A geógrafa reforçou a pertinência de estudos de natureza geoambiental que apontem pontos de fragilidade ambiental. Esses estudos, constatou, podem colaborar para planos de disciplinamento de uso que, além de intervir com menor risco, podem promover a manutenção da qualidade dos sistemas naturais costeiros.

CARACTERÍSTICAS

Cibele escolheu Caraguatatuba – cidade que tem cerca de 100.800 habitantes vivendo em uma área de 485 km² – pela sua importância como polo regional do litoral norte de São Paulo, pela sua relevância econômica para a região e porque possui poucos estudos ambientais nessa escala.

Historicamente, contou a pesquisadora, a ocupação dessa cidade foi feita com a chegada de estrangeiros que se instalaram na Fazenda dos Ingleses (hoje um sítio arqueológico). Isso trouxe à cidade benefícios como aumento da população, aparecimento de trabalhadores agrícolas, artesãos e comércio, e crescimento substancial da arrecadação municipal.

Com o desenvolvimento turístico e o novo cenário de transformação, impulsionado por projetos como o pré-sal, veio a necessidade de um estudo que aliasse o uso dos recursos naturais com as atividades econômicas, de forma que o meio ambiente sofra o menor impacto possível.

“Mudanças são necessárias para planejar o futuro, avaliar os impactos socioambientais dos grandes empreendimentos, procurar formas de usá-los para a sustentabilidade local e regional, e mitigar os efeitos negativos”, salientou Cibele.

Caraguatatuba cresceu. Novos bairros e estradas surgiram e, a partir de 1950, o fluxo de turismo aumentou exponencialmente. Contribuiu para a instalação de novas infraestruturas urbanas e obras de saneamento que comportam as necessidades de uma população cada vez mais flutuante.

Mas nessa mesma época, o município passou a ter problemas socioespaciais, ocupação irregular do território e aumento exacerbado de seu contingente populacional, todos decorrentes de um planejamento ineficaz.

Hoje, um dos principais problemas é a população flutuante de alta temporada. Outros são o aumento do fluxo de migrantes de outras regiões menos desenvolvidas do litoral norte e a supressão das vegetações originais (como manguezal e mata atlântica), que, mesmo protegidos por lei, sofrem pressão do desenvolvimento e da instalação de mineradoras ou ocupação urbana irregular.

“Tudo isso tem implicações para a qualidade de vida e a destruição do meio ambiente local. No caso do aumento de turistas e migrantes, têm surgindo problemas socioespaciais de falta de estruturação do aparelho urbano, o que tem feito com que as pessoas passem por inconvenientes como falta de luz, de água, de abastecimento de comida e de coleta de lixo, produzindo inclusive problemas de saúde”, reparou a autora.

Com a destruição da vegetação original e perda de inestimável patrimônio de fauna e flora, os processos erosivos e de escorregamento de massa (que ocorrem naturalmente) passaram a se intensificar e a trazer problemas de segurança para a população que vive em áreas de risco, discutiu a mestranda. Apesar disso, Caraguatatuba ainda é o município mais estruturado do litoral norte, em termos de ações de Defesa Civil e da Prefeitura.

Por outro lado, mesmo com essas ações para melhorar as condições de vida da população, não ficou claro o cuidado do governo municipal com o meio ambiente. O maior obstáculo é a falta de articulação com o poder público, que muitas vezes acaba usando instrumentos antigos e defasados ou com escala não adaptada às nuances do município.

Na opinião de Cibele, o zoneamento deve partir de diagnósticos específicos para cada área avaliada, com vistas a identificar as causas e as medidas para conter e gerenciar os impactos ambientais, à luz de uma visão sistêmica, a fim de fazer uma correta interpretação.

“É preciso entender que a ação do homem é um elemento ativo e participativo que pode alterar as escalas do tempo e agilizar os processos naturais. É preciso dizer que uma proposta de zoneamento deve assegurar, ainda que em longo prazo, a igualdade no acesso aos recursos naturais, econômicos e socioculturais, melhorando a qualidade do meio”, descreveu a pesquisadora.

 

Publicação

Dissertação: “Zoneamento geoambiental do município de Caraguatatuba (SP)”

Autora: Cibele Oliveira Lima

Orientadora: Regina Célia de Oliveira

Unidade: Instituto de Geociências (IG)

FinanciamentoFapesp