A discussão sobre a genômica ser uma nova e revolucionária ciência ou apenas uma técnica pedestre -ciência sem hipótese, como já se disse- encontra versão menos escolástica no dilema da publicidade que se pode ou deve dar às montanhas de dados genéticos que produz
Marcelo Leite é editor de Ciência da "Folha de SP", onde publicou este artigo (cienciaemdia@uol.com.br):
No Brasil, cientistas engajados no sequenciamento (soletração) do DNA de organismos de interesse agroindustrial, como eucalipto e cana-de-açúcar, sempre debatem a questão, mas o fazem entre as paredes de laboratórios e instituições de amparo à pesquisa.
Como a maior parte desse esforço é sustentada com dinheiro público, todo dado genético obtido nesse tipo de pesquisa deveria em princípio ser posto à disposição da comunidade científica brasileira e internacional nos bancos de dados de acesso livre, como o GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ Genbank).
O seqüenciamento do eucalipto terminou em fevereiro de 2002. Teve a participação de quatro empresas, cada uma investindo cerca de US$ 100 mil: Votorantim, Ripasa, Suzano e Duratex. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP), que catalisou a formação do consórcio, deu US$ 530 mil.
Todos os parceiros firmaram um acordo de propriedade intelectual sobre possíveis aplicações dos genes identificados. Afinal, há muitos interesses em jogo: o Brasil tem mais de 3 milhões de hectares de área plantada de eucalipto e produz cerca de 6,3 milhões de toneladas de celulose por ano.
Até hoje não saiu um artigo científico apresentando os resultados do trabalho -as revistas especializadas costumam exigir que os autores ponham as seqüências de DNA à disposição de outros cientistas no GenBank.
Já o genoma da cana-de-açúcar, com um custo de R$ 4,4 milhões bancados pela Fapesp e minoritariamente pela empresa Copersucar, seguiu percurso diverso.
O anúncio da finalização do sequenciamento dos genes da planta que responde por 30% do produto agrícola do Estado de SP, há dois meses, foi paralelo ao da aceitação de um 'paper' na revista especializada 'Genome Research' (http://www.genome.org).
Como de praxe, as seqüências foram depositadas no GenBank, vale dizer, lançadas no domínio público. Em tese, isso permite que outros pesquisadores as estudem para a produção de inovações de interesse para a agroindústria da cana.
'Não podemos proibir os pesquisadores de publicar, senão [o trabalho] fica secreto', justifica José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp e mentor dos projetos genoma bandeirantes.
Perez ressalva que se trata de dados brutos, não dos resultados do processamento que lhes agrega valor potencial, e que esses dados de interesse não estão nem estarão no GenBank.
A publicação foi antes autorizada por comissão da Fapesp, que, por cautela, distribuiu em junho um termo de compromisso de confidencialidade dos dados a todos os integrantes do projeto. 'O fato de ter sido tornado público não autoriza ninguém a pedir patente [por conta própria].'
Mais ainda: nem todos os trechos de DNA soletrados e candidatos a genes foram escancarados. Pelo menos mil deles, objeto de uma parceria com a empresa belga Crop Design, ficaram de fora.
A Fapesp nada recebeu pela entrega desse milhar de seqüências que serão esmiuçadas na Bélgica, mas receberá 7,5% da receita, quando e se a análise resultar em patentes relacionadas com outros vegetais além da cana, e 92,5%, se a patente contemplar o vegetal seqüenciado no Brasil.
'Estamos aprendendo ainda a fazer essas coisas', diz Perez.
(Folha de SP, 2/11)
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