A indústria da cana em Pernambuco - que fatura entre R$ 780 milhões e R$ 900 milhões por ano - começará, nos próximo anos, a travar uma disputa em outro nível. Essa disputa será com os produtores que se utilizarão de conhecimento da genética da cana para aumentar produtividade, reduzir efeitos de pragas, diminuir salinidade e aumentar o nível de sacarose da produção. A menos que não queiram ver sua participação ainda mais reduzida nos mercados externo e interno, os cultivadores terão que pagar royalties às empresas que manipularem genes com esses objetivos. Hoje, o setor é responsável por 20% do PIB de Pernambuco.
Além dessa possibilidade, a concorrência da indústria local - que consegue faturar até US$ 100 milhões com exportações - também deverá ficar mais difícil no mercado internacional. Uma empresa belga está analisando 1.000 genes coletados pelo Projeto Genoma da Cana. A idéia é desenvolver plantas melhores para o mercado internacional.
O mais irônico é que o seqüenciamento da estrutura genética da cana-de-açúcar foi realizada com a participação de laboratórios e pesquisadores de Pernambuco. Aliás, talvez o estado do Nordeste com maior estrutura física e de pessoal para isso (veja texto abaixo). O trabalho, coordenado . pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), recebeu investimentos, naquele estado, de US$ 4,4 milhões - mais de R$ 12 milhões.
DADOS PÚBLICOS - O Projeto Genoma da Cana já concluiu o seqüenciamento dos genes. "A fase agora é de identificação dos genes que reagem a um ataque bacteriológico, ou que determinam maior produção de açúcar ou maior produtividade por hectare. A determinação desses genes podem gerar patentes", afirma o professor Marcelo Meneei, do departamento de genética da Unicamp. A questão é que essa identificação é feita a partir do seqüenciamento genético. E o que pode agravar a vulnerabilidade do setor é que todo o seqüenciamento já foi depositado em banco público - pode ser obtido por qualquer empresa do Mundo para estudo e análise. Além disso, a parte do seqüenciamento realizado em Pernambuco foi repassada à Fapesp. "Não tem jeito, teremos que pagar royalties a empresas de fora ou mesmo nacionais que identifiquem genes interessantes", afirma José Carlos Cavalcanti, diretor de Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectma).
Para Cavalcanti, a tendência é o aumento da hegemonia de produtores de cana de São Paulo. "Eles já dominam o ciclo da venda e de negócios. Agora, detém a base do conhecimento genético porque o seqüenciamento foi depositado em nome da Fapesp", afirma. Uma das razões disso foi o baixo investimento - em comparação ao que foi realizado em São Paulo na participação do Projeto Genoma da Cana.
Pessoal é capacitado
O grande trunfo do Estado com a participação no Projeto Genoma da Cana foi a estrutura de três laboratórios montada em Pernambuco e a mão-de-obra formada. São patrimônios que, apesar da pouca participação da iniciativa privada, não são perdidos. A participação de cientistas do Estado começou em 1999. Mesmo assim, faltam incentivos para que os profissionais formados nos centros de excelência permaneçam aqui.
O laboratório de genética do IPA, montado ao custo de R$ 1 milhão, é um dos três integrantes do Projeto em Pernambuco. Sete bolsistas tocam o laboratório, que hoje tenta identificar os genes que agem na defesa da cana a uma das pragas mais devastadoras da cultura, chamada de ferrugem. O trabalho pode gerar a imunidade da cana a esse fungo.
Segundo a coordenadora do laboratório, pelo menos cinco pessoas poderiam anda trabalhar no laboratório, mas por falta de vínculo empregatício foram treinadas e hoje trabalham em empresas particulares ou em outros laboratórios.
0 laboratório de bio-informática montado no Centro de Informática da UFPE, é outro bom exemplo. Ao custo de R$ 100 mil, foi bancado pela Fundação de Amparo à Ciência e Pesquisa de Pernambuco (Facepe) e CNPQ. "Foi montado para dar apoio computacional ao laboratório de genoma do IPA, e está apto a fazer análise de seqüenciamento de qualquer organismo", avisa a chefe do laboratório, Kátia Guimarães. Já o terceiro laboratório integrante do projeto, o da Universidade Federal Rural de Pernambuco, custou cerca de R$ 500 mil.
Sindaçúcar fica surpreso
O presidente do Sindicato do Açúcar e do Álcool (Sindaçúcar) Renato Cunha, foi procurado para comentar a possibilidade do grau de dependeria e vulnerabilidade do setor aumentar. Arruda afirmou que não tem conhecimento sobre a possibilidade de ser necessário se pagar royalties sobre os produtos gerados a partir do genoma da cana. "É uma surpresa negativa", afirmou.
O químico do Sindaçúcar, Tiago Delfino, informou que o sindicato vai tomar informações sobre os resultados do trabalho realizado no Genoma da cana e que já foram depositados em banco público.
Na verdade, a falta de envolvimento do setor privado em Pernambuco no Projeto Genoma da Cana, é apontado como uma das razões pela quais o pagamento de royalties será, fatalmente, feito à Fapesp. Marcelo Menoci, professor do departamento de genética da Unicamp e atual coordenador do Projeto Genoma da Cana, explica que quando a Coopersu-car, por exemplo, quiser criar alguma cana transgênica, terá que pagar royalties à Fapesp. Na compra dessas espécies por produtores locais também estará embutida uma parte dos royalties.
Da mesma forma, se alguma empresa daqui tiver interesse em incorporar plantas geneticamente modificadas, precisará pagar por isso. Cientistas envolvidos com o projeto reclamam que se o investimento em equipamento e pessoal em Pernambuco tivesse sido maior, o depósito do seqüenciamento na Fapesp poderia ter sido resguardado - ou que a geração de patentes e de royalties pudesse ser compartilhada com a fundação paulista.
Mas a questão não é somente a geração de royalties, mas de aumento e melhoria da produção) de cana-de-açúcar.
Notícia
Diário de Pernambuco