Desde que a pecuária começou a fazer uso do conceito de integração, muitos produtores rurais viram os números de seus negócios melhorarem consideravelmente em decorrência de vários fatores. Diversificação da renda, melhoria da qualidade do solo, redução do consumo de água pelos animais, recuperação de áreas degradadas, entre outros, são algumas das vantagens desses sistemas, que conquistam cada vez mais espaço.
Hoje, já são quase 12 milhões de hectares ocupados pelos sistemas integrados de produção agropecuário-florestal (ILPF), por exemplo. Em recente pesquisa, ficou comprovado que, além disso, a integração pode ser benéfica também para evolução genética de um rebanho. O estudo, premiado internacionalmente, comprovou que a integração do pasto com árvores faz com que conforto térmico seja maior, aumentando a eficiência reprodutiva dos animais, o que pode acelerar a evolução genética do rebanho como um todo.
Sempre que a temperatura do corpo do gado leiteiro ou de corte aumenta, uma série de consequências negativas se desdobra. Quando um animal sente desconforto devido ao calor, ele começa a produzir uma quantidade maior de cortisol, um hormônio diretamente relacionado ao estresse.
Segundo os pesquisadores, o aumento da concentração desse hormônio faz com que os animais se alimentem menos, o que prejudica significativamente a produção. Em um animal de corte, há menos crescimento e, portanto, menos produtividade. Do ponto de vista reprodutivo, os altos indicadores corporais térmicos representam danos ao produtor.
Por exemplo, quando a temperatura do corpo de um touro aumenta, a temperatura interna dos testículos também aumenta. Isso causa menor qualidade de sêmen. Nas fêmeas, o processo é semelhante. Quando a temperatura interna aumenta, os oócitos produzidos são de baixa qualidade, o que muitas vezes dificulta a fertilização. Se ocorrida a fertilização, o embrião requer condições favoráveis para o seu desenvolvimento e uma temperatura ideal é uma delas.
O feto é altamente sensível a oscilações térmicas e pode até morrer precocemente, antes que os profissionais que acompanham a gestação percebam isso. Além disso, em situações em que há estresse durante a fase gestacional, o desenvolvimento e a funcionalidade da placenta são prejudicados e o feto pode ser malformado.
A pesquisa foi conduzida pelo pesquisador Alexandre Rossetto Garcia, da Embrapa, que trabalha com biotecnologia de reprodução animal e é membro de uma Pesquisador Alexandre Rossetto Garcia trabalha com equipe multidisciplinar que vem comparando a pecuária m sistemas integrados e convencionais. De acordo com ele, o sombreamento reduz a temperatura ambiente em até cinco graus, o que é excelente para o conforto térmico e bem-estar do animal, e a fertilidade bovina também pode ser afetada pela exposição a altas temperaturas e à intensa radiação solar.
O estudo indica que as vacas que vivem em pleno sol apresentaram taxa de produção de embriões de 36%. Já as que vivem em área sombreada tiveram um incremento nessa taxa, que chegou a 43%. Esse aumento de sete pontos percentuais, equivalentes a quase 20%, representa um impacto significativo, especialmente porque o experimento foi realizado em um sistema já ajustado e que apresenta boas taxas de produção de embriões.
O experimento foi feito com 18 vacas com bezerros ao pé mantidas no sistema ILPF da Embrapa durante o verão e o outono. Essas vacas pariram no sistema e, uma vez por mês, eram levadas ao curral para aspiração de folículos ovarianos, onde ficam os gametas. Esses gametas foram entregues a um laboratório particular em Cravinhos (SP), que produziu os embriões. “A produção de embriões foi usada como medida da eficiência reprodutiva”, explicou Alexandre.
Os resultados mostraram que o microclima mais favorável observado no sistema ILPF, com menor incidência de radiação solar sobre os animais, contribuiu para o aumento na produção de embriões. A pesquisa sobre conforto térmico e eficiência reprodutiva foi realizada com novilhas e fêmeas adultas de corte em um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e premiado na 32ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Tecnologia de Embriões, considerada o maior congresso de reprodução animal do país. O estudo foi apresentado pela doutoranda Amanda Prudêncio Lemes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. No futuro, os pesquisadores planejam continuar esta linha de pesquisa com machos em idade reprodutiva.
Na prática Pertencente a um dos maiores produtores de gado nelore mocho do Brasil, o Grupo Carlos Viacava, a fazenda Campina, em Caiuá (SP), é pioneira na adoção de um sistema que integra a criação de gado com o cultivo de grãos. Especializado na produção de matrizes, animais altamente selecionados e comercializados para dar origem a outros rebanhos, o grupo vem diminuindo a ocupação das suas propriedades pelo gado e aumentando a participação dos grãos.
Embora a ocupação da propriedade pelo rebanho tenha caído de 97% para 50% desde 2012 (sendo hoje a outra metade cultivada com milho, sorgo, feijão guandu e, principalmente, soja) a rentabilidade com o gado aumentou. Segundo os produtores, o consórcio entre animais, pastagem e grãos tornou o solo tão mais rico que o gado passou a expressar melhor sua genética. Além disso, as vacas passaram a se tornar férteis com apenas 14 meses de idade (a média brasileira é de 24 meses), gerando mais bezerros ao longo da vida.
A fazenda Campina é um exemplo de como o sistema Integração Lavoura-Pecuária (ILP) aumenta a disponibilidade de nitrogênio e de outros nutrientes no solo, trazendo ganhos para a pecuária e para o meio ambiente, pois ajuda a mitigar a emissão de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa para a atmosfera.
“O gado hoje expressa muito melhor a sua genética por conta da qualidade do pasto. Nos últimos anos, ganhou em média 500 gramas por dia, enquanto no sistema anterior ganhava 100 gramas por dia”, disse Juliano Roberto da Silva, zootecnista do grupo empresarial. Na pecuária leiteira, a integração lavoura-pecuária também tem viabilizado a expansão de grandes projetos de produção de leite. Em São Gotardo, no interior de Minas Gerais, a Sekita Agronegócios, empresa tradicional na produção agrícola desde 1974, adotou este conceito e, hoje, já atingiu uma produção diária superior a 59 mil litros, tornando-se a quarta maior produtora de leite do Brasil em apenas dez anos na atividade.
O crescimento expressivo é resultado de uma gestão eficiente, que inclui grandes investimentos em genética de ponta e o uso eficiente dos dejetos. São 3,5 mil hectares de área produtiva, divididos entre agricultura e pecuária. O rebanho bovino conta atualmente com 1,5 mil animais da raça holandesa em lactação, obtendo uma média diária por vaca de 39 kg/ leite.
“Quando decidimos iniciar na pecuária leiteira, em 2008, fizemos um estudo, levando em conta a parte de agricultura da fazenda, para avaliar se seria viável o aproveitamento do esterco dos animais como biofertilizante para as áreas de lavoura. Nossa análise inicial indicou que isso seria possível e que o leite ofereceria maior rentabilidade, o que realmente ficou comprovado com o passar dos anos na atividade”, diz Leonardo Garcia, diretor de pecuária da Sekita.
Para chegar à meta traçada, um dos principais investimentos foi na parte de genética. Todas as bezerras que nascem na fazenda passam por teste genômico para a escolha daquelas que serão futuras doadoras e terão sua genética multiplicada no rebanho. O foco é a seleção de animais de elevada produção leiteira, boa conformação, saúde e maior vida produtiva, característica que expressa quantos meses a mais uma vaca permanece no rebanho.
“Hoje, há uma preocupação em produzir animais longevos, que durem no sistema, pois isso reduz a necessidade de reposição do rebanho e, consequentemente, torna o custo de produção mais baixo para a propriedade. Uma das prioridades na escolha dos touros é utilizar animais com avaliação genômica com alto TPI (fórmula americana que combina o mérito genético do animal para as características de produção, saúde e tipo em um único índice)”, destaca Luiz Fernando Rodrigues Oliveira, regional Patos de Minas da Semex Brasil, que auxilia a Sekita na elaboração e execução de todo o planejamento genético do rebanho.
A cada 60 dias, a equipe da Semex visita a fazenda para definir os acasalamentos por meio de tecnologias, como o programa Optimate. A parceria entre a central e o criatório já dura dez anos. Hoje, a Sekita, além de ser uma das maiores produtoras de leite, tornou-se uma grande fornecedora de genética para todo o País e realiza leilões anuais para a comercialização de animais, atingindo grande liquidez. Também vem conquistando premiações nas principais exposições da raça Holandesa.
“Esses resultados comprovam a expressiva evolução genética do criatório, que está sempre em busca de novas tecnologias, investindo em qualidade de manejo e na genética de suas matrizes”, conclui Luiz Fernando.