Notícia

Gazeta Mercantil

Genética fez o frango popular

Publicado em 19 fevereiro 1996

Por Alex Branco - de São Paulo
A engenharia genética incorporou definitivamente a carne de frango ao cardápio dos brasileiros. Na década de 70, cada habitante consumia menos de cinco quilos de carne de frango por ano. Essa demanda saltou para os 23 quilos per capita do ano passado, um índice próximo dos 29,2 quilos de carne bovina consumidos pelo brasileiro no ano passado. A rápida popularização da carne de frango é resultado das conquistas da engenharia genética. Tome-se, por exemplo, a evolução dos principais indicadores zootécnicos, como velocidade de ganho de peso, redução da idade de abate e conversão alimentar nos últimos 60 anos. O mesmo frango que era abatido, na década de 30, com 1,5 quilo e que consumia 3,5 quilos de ração ao longo do seu ciclo de vida de 105 dias, hoje rende 1,94 quilo de carne, consumindo 1,98 quilo de alimentos durante os 45 dias que leva para ser abatido. A engenharia genética populariza o frango Carne da ave torna-se mais acessível graças aos progressos verificados na redução da idade de abate, na melhoria da conversão alimentar e no ganho de peso. O frango de hoje come menos, rende mais carne e é abatido mais cedo do que há 60 anos. Quando pobre come frango um dos dois está doente. A tirada do jornalista Aparício Torelly, falecido em 1971, fazia sentido à época em que foi cunhada, na década de 50, quando o auto-intitulado Barão de Itararé militava pelo Partido Comunista e frango era prato de domingo ou dieta de doente. Nos dias de hoje, a carne de frango comparece com tamanha freqüência à mesa dos brasileiros que rivaliza com o filé mignon, a alcatra e o coxão mole. Na década de 70, o brasileiro consumia menos de cinco quilos de carne de frango por ano. Essa demanda saltou para os 23 quilos per capita no ano passado, uma taxa próxima dos 29,2 quilos de carne bovina consumidos pelo brasileiro no ano passado. Por conta da rápida incorporação à dieta do brasileiro, a carne de frango ficou conhecida como "âncora vermelha" do Plano Real e técnicos e economistas concordam que essa proteína animal continuará sendo um dos pilares de sustentação da economia neste ano. O que explica, entretanto, tão rápida disseminação do consumo da carne de frango? Há várias respostas para a pergunta, a começar pelo peculiar sistema de produção brasileiro, em que as grandes agroindústrias trabalham em regime de parceria com pequenos criadores, no sistema mais conhecido como integração. Pesa também a crescente preocupação dos consumidores com uma alimentação mais saudável, e a carne de frango, neste sentido, é tida como um produto mais leve e menos gordurosa que a concorrente carne bovina - uma meia verdade, já que a pele do frango é um riquíssimo depositório de colesterol. O maior responsável pela popularização da carne de frango, entretanto, é a genética. Não é preciso recorrer às possibilidades futuristas desenhadas pelos geneticistas - plantas produtoras de plásticos biodegradáveis, variedades de cana-de-açúcar "diet", linhagens de tabaco isentas de nicotina, por exemplo - para descrever o potencial da biotecnologia. As conquistas da avicultura industrial são o exemplo acabado da engenharia genética. Tome-se, por exemplo a evolução dos indicadores de ganho de peso, idade de abate e conversão alimentar nos últimos 60 anos. O mesmo frango que era abatido com 1,5 quilo, e que consumia 3,5 quilos de ração ao longo do seu ciclo de vida de 105 dias, hoje rende 1,94 quilo, consumindo 1,98 quilo de ração durante os 45 dias. "Graças à genética, a avicultura está reduzindo a idade de abate das aves em um dia por ano", informa o especialista Tercio Michelin, da Agroceres Avicultura, empresa que atua no melhoramento genético de linhagens de aves de corte e que fatura aproximadamente US$ 25 milhões anualmente. Mais do que dar decisiva contribuição para a superação de indicadores técnicos, a genética está sendo fundamental para que empresas e avicultores aumentem as margens de lucro na atividade - ou "agreguem maior valor", no jargão dos economistas. Depois de resolver os gargalos básicos da atividade, como idade de abate, ganho de peso e conversão alimentar, a pesquisa genética voltou sua atenção para novos desafios, como o desenvolvimento de linhagens com maior rendimento de carcaça. Os esforços foram dirigidos principalmente na apuração de linhagens com maior rendimento de partes nobres, como coxa, sobre-coxa e peito. "As aves passaram a render mais carnes nobres, que obtêm melhor remuneração que o frango inteiro, por exemplo", diz Pedro Azevedo Júnior, zootecnista da Perdigão Alimentos. De fato, o preço do quilo do filé de peito, por exemplo, gira em torno de R$ 5,00, ao passo que um quilo de asa é vendido por aproximadamente R$ 1,4 e o frango inteiro sai por cerca de R$ 1,2 o quilo. Pode-se dizer que, grosso modo, um quilo de partes nobres de frango vale o mesmo que três quilos de um frango inteiro. Superada a etapa de melhorar os indicadores técnicos, a genética avícola concentra seu foco em novos desafios, criados, paradoxalmente, pelos progressos conquistados pela genética na avicultura. "Estamos, neste momento, especialmente empenhados em aumentar a resistência da estrutura óssea das aves", adianta o pesquisador Tercio Michelin. O problema da falta de resistência óssea foi provocado justamente pela velocidade do ganho de peso das aves. A arquitetura das pernas não acompanhou o aumento de massa corporal conferido pela genética. Conclusão: de tão pesadas, as aves têm dificuldade para se manter em pé. "O problema, conhecido como tibiadescon-troplasia, é muito sério, por deformar a perna da ave e comprometer sua resistência", diz Michelin. Esse não é o único calcanhar-de-aquiles da avicultura industrial. Outros dois problemas - a ascite e a "morte súbita" - também foram criados involuntariamente pela genética. Apesar de diferentes, os dois problemas têm como causa o desproporcional ganho muscular, que compromete o metabolismo de órgãos como o pulmão e o coração. "Por conta destes e de outros problemas, a taxa de mortalidade tem atingido mais de 6% em várias granjas, quando o índice aceitável é abaixo dos 3%", diz o pesquisador. Segundo Michelin, a Agroceres Avicultura, empresa que responde pela genética de um em cada três frangos consumidos no País, investe anualmente cerca de US$ 10 milhões por ano em seu programa de melhoramento animal, para resolver problemas como o de resistência óssea e aumentar a produtividade das matrizes. A empresa exporta avós de matrizes para o Uruguai, Bolívia e Espanha. Melhoramento genético Os investimentos feitos em melhoramento genético pelas demais agroindústrias brasileiras não são elevados. A maior agroindústria do setor, a Sadia, por exemplo, não se pronuncia sobre o assunto, mas sabe-se que a empresa não está, no momento, lidando com a questão. A Perdigão investe cerca de US$ 1 milhão por ano em programas de melhoramento genético em suas três linhas de produtos - a de frangos de corte, a de Chester e a de pequenas aves, como codornas, da linha "Avis raras". Os investimentos de outra grande agroindústria, a Cevai, não são divulgados pela empresa, mas seu diretor agropecuário da Divisão Carnes, Pedro Benur Boher, promete novidades para breve: "Estamos costurando um acordo no exterior, com uma grande empresa de pesquisa e melhoramento genético, para desenvolver e lançar um produto diferenciado", adianta Boher. O mercado de aves-avós, aquelas que geram as matrizes, igualmente não gira grandes volumes. Calcula-se que o faturamento anual deste segmento fique perto dos US$ 18 milhões, cifra que corresponde a apenas 0,36% dos US$ 5 bilhões que a avicultura industrial movimenta anualmente. É preciso registrar que a genética, apesar de ser o componente de maior peso na evolução da avicultura, não é o único agente. "O desenvolvimento está apoiado no tripé genética-manejo-nutrição", diz o zootecnista Pedro Azevedo Júnior, da Perdigão. Vale também lembrar os pesados investimentos que a agroindústria brasileira vem fazendo. Ao ser recebido pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso em audiência no ano passado, o presidente da União Brasileira de Avicultura, Heitor Muller, informou que os investimentos do setor previstos para este ano somam US$ 2 bilhões. Nem tudo, entretanto, é um mar de rosas no universo da avicultura. "A festa do frango barato vai acabar", adverte o presidente da Associação Paulista dos Avicultores, Iltaka Misumota. Ele lembra que nos últimos 18 meses os avicultores ajudaram 9 governo a derrubar a inflação, vendendo o frango a preços inferiores aos de produção. "Como recompensa, o índice de inadimplência do setor saltou de 8% para 40% no período. Além disso, 60% dos 6 mil avicultores do Estado de São Paulo estão com dívidas vencidas e sem condições de saldá-las", informa Misumoto. O governo, de sua parte, aposta nos, seus estoques de milho e na entrada da próxima safra. Galinha de ovos de ouro Ocorre que a qualidade dó produto estocado não é das melhores, há dúvidas sobre o tamanho dos estoques (estimados em 6 milhões de toneladas pelo governo e em 4 milhões por fontes independentes) e o preço dos demais componentes das rações, como o farelo de trigo, soja ç complexos vitamínicos, por exemplo, aumentaram respectivamente 70%, 40% e 20% nos últimos seis meses. Ou seja, fica a mensagem de que é preciso tratar a avicultura com cuidado. Caso contrário, nem mesmo as fantásticas conquistas da genética conseguirão preservar a galinha de ovos de ouro do real.