Com base na análise de soluções adotadas em quatro diferentes cidades do país, pesquisadores financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) propõem a criação de um fundo nacional de créditos de carbono para viabilizar iniciativas de gestão do lixo urbano. Segundo o estudo, a taxa de reaproveitamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil ainda é extremamente baixa, de apenas 2,2%, mas o manejo adequado poderia reduzir a emissão de gases de efeito estufa e ainda gerar receita extra por meio da economia circular.
Manejo adequado, segundo eles, é o aproveitamento dos resíduos orgânicos para a produção de adubo e biogás, promover a reciclagem efetiva e o uso de soluções criativas para parte do rejeito.
“Não existe varinha mágica para resolver o problema dos resíduos. Mas encontramos, nas quatro cidades, boas práticas, que podem ser sintetizadas em um projeto abrangente, apoiado sobre quatro pilares: capacidade técnica e política local; educação ambiental e participação social da população; colaboração entre os três níveis de governo [federal, estadual e municipal]; e parcerias locais para inovação”, afirma o pesquisador Michel Xocaira Paes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Desses pilares, derivamos a proposta de criação de um fundo nacional de crédito de carbono, a ser gerenciado pelo governo federal com a participação dos estados e municípios. Esse fundo poderia financiar as iniciativas de redução da geração dos resíduos, por meio, por exemplo, da compostagem doméstica; transformação de resíduos em recursos, por meio de economia circular; e desenvolvimento e implementação de tecnologias locais, como a compostagem, reciclagem e o aproveitamento do biometano dos aterros. Tudo isso sob a ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa e do estímulo à economia circular e de baixo carbono. É um modelo que não só poderá ser implantado no Brasil, mas também inspirar soluções semelhantes em outros países em desenvolvimento, na América Latina, África, Ásia e BRICS (grupo de países de mercado emergente, entre eles o Brasil).”
Os pesquisadores estudaram o manejo dos resíduos sólidos urbanos em seis cidades brasileiras e escolhemos quatro delas para exemplificar caminhos para a inovação na gestão. Essas cidades são Harmonia (RS), São Paulo (SP), Ibertioga (MG) e Carauari (AM).
A gestão do lixo na maior cidade do país
Apenas a cidade de São Paulo produz cerca de 20 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) todos os dias, sendo 12 mil toneladas domiciliares e 8 mil toneladas oriundas da limpeza urbana. Em média, cada habitante gera um quilo de lixo por dia.
De acordo com o padrão nacional, cerca de 50% desses resíduos são compostos por matéria orgânica, 35% por recicláveis e 15% por rejeitos rejeitos. No entanto, segundo Paes, o uso de tecnologias que integrem compostagem, reciclagem e o aproveitamento do metano dos aterros para a geração de bioenergia, podem diminuir significativamente as emissões produzidas pelos sistemas municipais de gestão de resíduos sólidos.
“Isso corresponderia a uma redução de 4,9 a 57,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, aportando benefícios econômicos anuais de US$44 milhões a US$687 milhões em créditos de carbono”, afirmou Michel Xocaira Paes, primeiro autor de um estudo sobre o tema publicado no periódico Habitat International.
O artigo é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Paes, financiada pela FAPESP e que também recebeu apoio por meio de um projeto coordenado por seu então supervisor, José Antonio Puppim de Oliveira.
Reaproveitamento ainda é baixo em SP
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a quinta mais populosa do mundo, com mais da metade dos habitantes concentrados na capital. “Embora acima da média nacional, o percentual de aproveitamento de resíduos ainda é baixo em São Paulo: somente 3%. Por outro lado, a cidade apresenta importantes inovações, como atuação das cooperativas de catadores de materiais recicláveis; duas centrais mecanizadas para separação do material reciclável; unidades de compostagem para o tratamento dos resíduos orgânicos; e a cogeração de energia a partir do metano gerado nos aterros sanitários”, afirma Paes.
Mais uma inovação importante são os ecopontos, que já somam atualmente 125 unidades de coleta distribuídas pela cidade. O atendimento é gratuito e os resíduos aceitos incluem material reciclável (papel, papelão, plástico, vidros e metais); podas de plantas e árvores domiciliares; entulhos de construção civil; e objetos volumosos, como móveis velhos.
Iniciativas novas, ainda de pequeno porte, mas com potencial de serem replicadas, também têm aparecido na cidade. É o caso da Realixo, empresa criada por jovens com formação universitária engajados em práticas de preservação ambiental, economia circular e sustentabilidade. Mediante pagamento mensal, a empresa recolhe semanalmente resíduos orgânicos ou recicláveis nos domicílios dos usuários e depois destina os materiais a instituições parceiras, para compostagem ou reciclagem.
O caso Carauari
Carauari é um município amazônico com apenas 28 mil habitantes, localizado na margem do rio Juruá, a duas horas de avião ou cinco dias de barco de Manaus. Tem 21,5 mil pessoas na área urbana e 6,5 mil nas áreas rurais e florestais.
“Mas a distância engana. Em vez de uma população desassistida, o que encontrei lá foi uma população muito organizada, empoderada e engajada no manejo comunitário dos recursos naturais e em iniciativas de bioeconomia, economia circular e sustentabilidade. Há um forte protagonismo das associações e organizações locais em parceria com organizações não governamentais, universidades, governos e iniciativa privada”, relata Paes.
Publicado no periódico Nature, o estudo feito em Carauari apresentou informações detalhadas sobre as atividades das comunidades locais, baseadas principalmente na pesca e manejo do pirarucu e na extração de sementes para a produção de óleos vegetais. Integrados por meio de economia circular, os resíduos gerados em uma atividade, em vez de impactarem o meio ambiente, são convertidos em recursos para implementar outra atividade.
As cascas das sementes empregadas na produção de óleos vegetais são encaminhadas para compostagem. E há um aproveitamento quase integral do pirarucu: além da carne do peixe, que é o objetivo principal da pesca, as vísceras são convertidas em ração para alimentar tartarugas, as escamas fornecem material para a confecção de joias e a pele é utilizada na fabricação de bolsas, roupas e calçados.