SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Falta de insumos básicos, como alimentação e papel higiênico, e de reagentes, necessários para a realização dos exames da Covid-19, são parte da rotina dos profissionais de saúde que trabalham em laboratórios durante a pandemia.
Funcionários do Instituto Adolfo Lutz (IAL) apontam uma demanda represada de resultados com uma equipe reduzida e poucos recursos tecnológicos.
Dois profissionais do instituto, que se mantiveram anônimos, afirmam que o sucateamento das instituições de pesquisa do estado vem sendo sentido há anos e que não há incentivo à pesquisa nem reajustes salariais.
O corpo técnico do instituto inclui muitos funcionários com mais de 60 anos que foram liberados ou estão cumprindo período de férias compulsórias, como determinado pelo governo de São Paulo, sob tutela de João Doria (PSDB).
Os profissionais que permanecem atuando sofrem com estresse, sobrecarga e jornadas de mais de dez horas, incluindo finais de semana. Dores no corpo causadas pelo trabalho repetitivo de extração do material viral também foram relatadas, uma vez que o instituto não tem equipamentos robotizados.
No caso da pandemia de Covid-19, o principal gargalo está no recebimento e tratamento das amostras.
A fase pré-analítica é a mais problemática, pois as amostras chegam em caixas e precisam ser passadas para tubos criogênicos -para armazenamento nos freezers. Nesse procedimento, que é totalmente manual no instituto, há risco de contaminação pelo vírus.
A falta de segurança que esse processo pode provocar tem deixado os funcionários com medo de contágio.
A precariedade das instalações também é outro empecilho apontado pelos funcionários. A falta de freezers a -70?C, que são caros e necessitam de instalações elétricas reforçadas, dificulta o armazenamento das amostras represadas.
Pesquisadores têm usado os freezers de seus laboratórios, o que acaba prejudicando seus projetos de pesquisa em andamento.
Crises de ansiedade acometem também os alunos que desenvolvem projetos com bolsa de pesquisa na instituição. A Secretaria Estadual de Saúde não ofereceu até o momento serviço para tratamento e acompanhamento psicológico desses pesquisadores.
Servidores relatam que têm tomado eles próprios medidas para diminuir a crise de ansiedade de seus alunos, colocando músicas relaxantes e fazendo um trabalho respiratório antes do trabalho, uma vez que a secretaria não trouxe nenhum profissional para auxiliá-los nisso.
Além da ansiedade gerada pela alta demanda, faltam recursos para conseguir cumprir a demanda de processamento de amostras.
Embora a falta de reagentes para testes moleculares seja um problema em todo o mundo, no instituto, outros itens básicos, como wifi, computadores e papel higiênico não são disponibilizados. Também chegou a faltar água potável no Adolfo Lutz, afirmam os profissionais.
Procurado, o Instituto Adolfo Lutz não respondeu sobre as queixas dos funcionários e informou apenas que assuntos relacionados aos testes estão sendo tratados pelo Instituto Butantan, que também não se manifestou à reportagem.
Outros laboratórios que compõem a rede estão mais bem equipados e até mais preparados para enfrentar uma pandemia.
No Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, o professor do departamento de virologia Edison Luiz Durigon relata que, por trabalhar com vírus há anos, já havia protocolo para diagnóstico laboratorial desenvolvido em seu laboratório.
Por essa razão, o ICB já atendia parte das amostras que chegavam de hospitais para pacientes com suspeita de Covid-19, desafogando o contingente que era enviado ao IAL.
Agora, para ampliação da capacidade, o virologista afirma que abriu chamada para alunos de pós-graduação com experiência em diagnóstico laboratorial e clínico de doenças virais.
No entanto, muitos desses estudantes que começaram a atuar não recebem apoio financeiro, como bolsas de pesquisa, para essa função.
"O trabalho é voluntário, e sabemos que eles estão felizes vindo ajudar. Mas enfrentamos alguns problemas, como, por exemplo, falta de comida -com todos os restaurantes universitários fechados, os alunos não conseguem comer no campus. Estamos fazendo vaquinha, tirando dinheiro do nosso bolso para pedir comida para eles", diz.
Durigon foi o responsável pela criação dos primeiros laboratórios de nível biossegurança NB3 no país, em 2001, durante a gripe aviária. À época, recebeu financiamento do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para construção dos laboratórios, totalmente equipados com robôs para automatização do processo.
Na plataforma estadual, apenas o ICB e o Instituto Butantan, dos laboratórios públicos na capital, possuem equipamentos robotizados, o que torna o processamento mais ágil.
Quanto às dificuldades, Durigon afirma que a principal enfrentada no laboratório é a falta de reagentes. O primeiro lote de 725 mil kits do 1,2 milhão comprado pelo governo do estado não foi entregue ainda, e ele diz não saber quando vai chegar, pois a cada momento a informação que vem é de mais atraso.
O acúmulo de trabalho também tem aplacado especialmente os estudantes de pós-graduação de Durigon. "Os alunos estão todos muito ansiosos, muito sobrecarregados, estão todos esperançosos para ver quando isso vai acabar, por mais que eles façam muito, esperam sempre poder fazer mais."
No hospital Albert Einstein, o maior entrave para a realização de mais testes, assim como nas instituições públicas, é a falta de reagentes.
"Esse problema é geral, o mundo inteiro está sofrendo com falta de insumos. Notamos que os fornecedores estão com dificuldade de produzir esses insumos, principalmente da etapa de extração do ácido nucleico", explica Rúbia Anita coordenadora técnica do laboratório do Einstein.
Ela conta que o laboratório, que fazia, em média, de 3.000 a 4.000 exames por mês entre os 84 testes diferentes que realiza, hoje, faz 17 mil só de Covid-19 mensalmente. A equipe, antes com 22 profissionais, teve o reforço de mais 12 funcionários.
Segundo a coordenadora, o processo de testagem ainda tem etapas muito manuais, o que torna a realização muito dependente de mão de obra.
Os reagentes são todos importados dos Estados Unidos, Europa e alguns da China, explica João Renato Rebello Pinho, coordenador do laboratório de técnicas especiais do hospital. A China, complementa o especialista, acaba sendo a esperança para manter os números de reações que vão ser necessárias para continuar acompanhando a epidemia no Brasil.
"O país tem pessoas competentes para fazer esses exames. É importante ressaltar que a formação científica é algo bem importante aqui. Se a gente não tivesse muitas pessoas capazes, estaríamos em uma situação bem pior", afirma.
Segundo ele, além da preocupação com a quantidade de reagentes, a quantidade de trabalho também aumentou no laboratório, similarmente ao que aconteceu com os outros profissionais da saúde.
"Eu estou estudando Covid o dia inteiro, vendo melhoria nas técnicas, coisas diferentes que podemos fazer. Todo mundo que trabalha em laboratório está nisso."
As instituições particulares ouvidas pela reportagem têm programas estruturados para atendimento e acompanhamento de colaboradores, com plantões de dúvidas e atendimento psicológicos.
Nos laboratórios do Grupo Fleury, houve um reforço de profissionais na unidade do Jabaquara, em São Paulo, onde estão concentrando os esforços para testagem de Covid-19.
"Desde o dia 14 de março, quando começamos a fazer o IPCR, fizemos mais de 20 mil exames. Mas um ponto importante a ressaltar é que a gente vive um momento no Brasil de dificuldade de conseguir insumos para todos esses testes", afirma Jeane Tsutsui, diretora executiva de negócios do grupo.
A empresa tem 43 profissionais na área da biologia molecular dedicados a testes de Covid-19 e atende 29 hospitais parceiros.
Mas, ao passo que a demanda por testes para confirmar casos de coronavírus aumenta, laboratórios particulares relatam que a demanda de exames de rotina caiu.
Segundo a enfermeira Nathália Macedo Silva, da unidade Itaim Bibi do Delboni Auriemo, o laboratório, que não faz testes para Covid-19, atendeu 280 pessoas na primeira quinzena de março. Já na primeira quinzena de abril, o número está em 145. "Tudo o que é rotina caiu bastante", afirma.
Priscilla Franklim Martins, diretora-executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), afirma que existe expectativa de que aumente o número de testes disponíveis no país.
A instituição é responsável pelo projeto de avaliar kits de diagnósticos para Sars-Cov-2 disponíveis no mercado brasileiro. Ele será feito em grandes laboratórios que já atendem a rede hospitalar nacional.
"A validação de teste rápido é essencial para garantir que a confiabilidade do resultado. Há dezenas de testes registrados na Anvisa, mas eles não são validados por ninguém, só pelo fabricante", afirma a diretora.