A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) abriu uma investigação para apurar um possível desvio milionário de recursos para pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Servidores afirmam que os valores subtraídos de pesquisas podem passar de R$ 2 milhões. A FAPESP não cita valores. A Unicamp, por sua vez, diz que “a soma é vultosa”.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, a averiguação foi solicitada depois de uma auditoria da FAPESP detectar irregularidades na prestação de contas dos docentes ligados ao Instituto de Biologia da Unicamp. Estima-se que 28 professores podem ter tido seus recursos de pesquisa desviados por uma ex-funcionária.
O suposto desvio foi descoberto quando a FAPESP identificou irregularidades na prestação de contas de um pesquisador do mesmo instituto. Quando solicitou esclarecimentos, a instituição descobriu que a mesma situação ocorria com outros pesquisadores da unidade.
Uma investigação preliminar conduzida pela direção do instituto aponta a atuação de Ligiane Marinho de Ávila, de 36 anos, ex-funcionária da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), fundação sem fins lucrativos ligada à universidade. Ela foi demitida por justa causa em 18 de janeiro, quando o caso foi descoberto.
Apesar de a investigação indicar o fato de que a funcionária teria desviado o dinheiro sem o conhecimento dos docentes, a FAPESP afirmou que os pesquisadores são responsáveis pela gestão financeira dos recursos que recebem. A agência informou que, caso as irregularidades se comprovem ou não sejam sanadas, os professores terão de devolver os valores.
Funcionária desviava verbas desde 2018
A Funcamp é uma fundação de direito privado e sua principal atividade é ser intermediária entre terceiros e a Unicamp no que se diz respeito aos recursos financeiros, físicos e humanos em favor de convênios e contratos. O trabalho de intermediação viabiliza projetos acadêmicos voltados ao desenvolvimento do ensino superior e das pesquisas de ciência e tecnologia do Brasil.
No site da fundação, consta que são mais de 1,5 mil projetos, que movimentam mais de R$ 600 milhões por ano.
A responsabilidade pelas prestações de contas do uso das verbas de pesquisa normalmente é dos pesquisadores. Ligiane, no entanto, assumiu essa tarefa em 2018. Ela foi funcionária da Funcamp por cerca de uma década e trabalhava na Secretaria de Apoio ao Pesquisador do Instituto de Biologia. A funcionária tinha acesso a todos os dados financeiros dos projetos dos docentes.
Depois de passar a ser responsável pela prestação de contas, Ligiane abriu uma microempresa, em abril de 2018. O empreendimento supostamente fazia a manutenção e a reparação de equipamentos não especificados. A empresa foi encerrada em janeiro deste ano, seis dias depois de sua demissão.
Segundo a investigação da FAPESP, ao longo desse período, ela emitiu diversas notas frias em nome da empresa dela. Nas notas, a mulher informava os serviços supostamente prestados aos pesquisadores da Unicamp para não levantar suspeitas sobre o desvio das verbas destinadas à pesquisa.
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Os colegas de trabalho de Ligiane estranhavam a vida acima do padrão que ela levava. A ex-funcionária trocava frequentemente de veículo, sendo o último um Chevrolet Equinox, avaliado em aproximadamente R$ 200 mil. Ligiane tentava disfarçar ao afirmar que sua família era rica.
Os servidores da universidade estão incomodados com o caso e estão pressionando a direção para que uma medida mais enérgica seja tomada em relação à ex-funcionária. A situação levou a Coordenação do Instituto de Biologia a divulgar um comunicado em que explica as ações adotadas.
No documento, a Coordenação diz que, nos meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, foi identificada uma série de inconsistências no trabalho da servidora. A primeira delas é o fato de ela manter uma empresa de prestação de serviços desde 2018.
“Além do fato em si, identificamos também que a servidora incluía notas fiscais de sua empresa (e de duas outras) e recibos forjados nas prestações de contas de 28 de nossos docentes. Não obstante, a servidora fazia TEDs (Transferência Eletrônica Disponível) com valores variáveis para sua própria conta”, traz trecho do comunicado interno.
O que dizem os envolvidos
Ligiane ainda não se manifestou sobre as investigações. A Funcamp diz que comunicou os fatos a todas as instâncias envolvidas e que pediu a abertura de um inquérito à Polícia Civil. O instituto também afirmou que aguarda o posicionamento da FAPESP.
Segundo o comunicado, praticamente todos os trabalhos da Secretaria de Apoio Institucional ao Pesquisador (Saip-IB) estão voltados a identificar e listar todas as fraudes para servirem como provas.
“Solicitamos a compreensão e paciência de toda a comunidade até que tenhamos novas definições sobre o caso e sobre o próprio funcionamento da SAIP-IB”, diz o comunicado.
Por meio de nota, a Unicamp confirmou que está apurando o possível desvio, mas disse que não poderia fornecer nenhuma informação nem detalhe sobre o caso, sob o risco de prejudicar as investigações.
Já a FAPESP declarou que segue as investigações e disse ter ampliado as análises para outras prestações de contas realizadas pelos pesquisadores em questão.
“Caso eventuais irregularidades se comprovem e não sejam sanadas, a FAPESP cobrará dos pesquisadores a devolução dos recursos”, disse, em nota. “Ao mesmo tempo, iremos acompanhar as providências legais que as vítimas do crime estão tomando.”
A fundação destacou ainda que todos os pesquisadores que recebem recursos da FAPESP devem prestar contas seguindo “regras estritas”. Os pesquisadores podem contar com apoio administrativo das instituições de pesquisa à qual estão vinculados, como no caso da Funcamp.