Notícia

Jornal do Brasil

Fumo pode levar à perda dos dentes

Publicado em 17 março 1996

Por ALICIA IVANISSEVICH
Gengiva, ligamento e osso são atacados por elementos tóxicos presentes no cigarro. Os graves danos que o hábito de fumar provoca no organismo são mais do que conhecidos: doenças do pulmão, distúrbios cardiovasculares e várias formas de câncer. Estudos recentes apontam para mais um alvo no corpo humano extremamente suscetível à ação do cigarro: as gengivas e as estruturas (ossos e ligamentos) que sustentam os dentes. O resultado do consumo de maços por anos e anos é previsível: grande risco de apresentar doença periodontal e conseqüente perda dos dentes. "Nos últimos anos, vem aumentando a preocupação com os danos que o fumo traz para os tecidos que sustentam os dentes", comenta Eliane Porto Barboza, doutora em periodontia pela Universidade de Boston e professora da Universidade Federal Fluminense. "As mais novas pesquisas, como a publicada por Grossi no Journal of Periodontology no ano passado, mostram que o cigarro é um dos principais fatores de risco no desenvolvimento e na progressão da doença periodontal (infecção que atinge gengiva, ossos e ligamentos)", diz. Estruturas - Eliane adverte que o fumo não só afeta a coloração dos dentes - ficam amarelados - , mas compromete todas as estruturas que os sustentam. Uma gengiva doente pode significar a perda de vários dentes. Nos Estados Unidos, onde 26% da população adulta fuma, o vício já é considerado um problema de saúde pública. No Brasil, a estatística se repete: são 30 milhões de fumantes que correspondem a um quarto da população. Eliane explica que, na doença: periodontal, a gengiva se descola do dente, abrindo um espaço, chamado bolsa periodontal. "Nos fumantes, além dessas bolsas serem mais profundas, com maior perda óssea, há mais acúmulo de placa bacteriana", compara a dentista. "Também foi provado que o hábito de fumar favorece a formação de tártaro, a placa bacteriana calcificada." Placa bacteriana - Para entender a participação do cigarro nessas estruturas da boca, um estudo americano comparou fumantes e não fumantes que tinham o mesmo nível de placa bacteriana. Verificou-se que os que fumam apresentam uma resposta ao tratamento da doença periodontal alterada. "O fumo reduz a oxigenação dos tecidos e, como conseqüência, a cicatrização. A resposta do paciente à infecção parece estar alterada porque o fumo reduz os níveis dos anticorpos salivares, em particular os linfócitos auxiliares", explica Eliane. "As substâncias químicas presentes no cigarro, como a nicotina e o alcatrão, parecem também modificar os neutrófilos, outros elementos do sistema imunológico. Eles não conseguem mais se mover para destruir as bactérias." A dentista diz ainda que a nicotina pode suprimir a proliferação de osteoblastos (células formadoras de ossos), impedindo a nova formação do osso. Um estudo conduzido por Jones e Triplett, publicado no Journal of Oral Maxillofacial Surgery em 1992, mostra também que os fumantes apresentam menor sucesso para técnicas de enxerto de tecido gengival, enxerto ósseo, regeneração óssea e implantes. "A nicotina é apenas uma das 2 mil substâncias tóxicas do fumo que podem prejudicar os tecidos em torno dos dentes", destaca Eliane. "Por outro lado, o tabaco mastigável, além de causar comprovadamente câncer bucal, provoca retração gengival." Gengivite - O número de cigarros fumados por dia e o tempo de vício também parecem ter relação com a severidade da doença periodontal. Segundo a periodontista, já em 1946 o hábito de fumar tinha sido associado com um maior índice da gengivite ulcerativa necrosante, doença das gengivas que provoca muita dor e mau hálito, em que o tecido em volta do dente é destruído. Pesquisas indicam que a maioria das pessoas refratárias (que não respondem ao tratamento periodontal) é fumante. "Nunca tive um paciente refratário que não fumasse", constata Eliane. Mas, para os que largam o vício, a professora da UFF dá esperanças. "A prevalência e a severidade da doença periodontal é maior em fumantes do que naqueles que nunca fumaram ou que pararam", anima Eliane. "Abandonar o vício pode tornar mais lenta ou até frear a progressão do problema."