Rodrigo trabalhava como segurança de um condomínio em Indaiatuba, no interior de São Paulo, quando um pedido de um casal de moradores, Carlos e Maria das Dores, mudou sua vida.
“Fui trocar uma lâmpada, e eles me convidaram para ser motorista deles. Depois virei cuidador. Com o Seu Carlos, eu chegava de manhã, tinha de preparar os medicamentos — ele tomava muitos comprimidos.”
“Ele tinha demência, e teve também derrame. Às vezes, dava um branco na mente dele e ele acabava esquecendo algumas coisas. Aí eu ficava conversando com ele, até que ele começava a lembrar. Nos tornamos muito amigos.”
O cuidador se lembra do dia em que começou a ajudar Carlos a fazer a higiene pessoal. Um momento delicado, mas a partir dali “ficou tudo mais fácil”.
“Foi uma vez que fomos ao hospital colher um exame. Ele era bem fechado. Ia colocar uma camisa, você tinha de sair de perto. E ele não estava conseguindo fazer a coleta. Eu falei, ‘seu Carlos, o senhor quer uma ajuda?’ ‘Mas não tem problema?’ ‘Não.’ Ajudei a fazer a coleta do xixi. Aí ele começou a pegar intimidade.”
“Nos últimos tempos, ele ficou bem debilitado, então tive de ajudar mais com a higiene. Mas eu me sentia muito confortável com ele. E acho também porque eu tive uma convivência com meu tio, ele é cadeirante. Ajudei a cuidar dos ferimentos dele. Então veio me ajudar nessa parte.”
Rodrigo é um perfil atípico entre cuidadores de idosos.
O cuidador típico no Brasil tem perfil mais parecido com o da empregada doméstica, diz à BBC News Brasil Jorge Félix, autor do livro A economia da longevidade: O envelhecimento populacional muito além da previdência.
“O cuidador é uma mulher com cerca de 40 anos de idade, negra, pobre, com poucos anos de estudo, que vê hoje, com a regulamentação da profissão de empregada doméstica, menos demanda por seus serviços como doméstica”, diz Félix, que é pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e professor de gerontologia na Universidade de São Paulo (USP).
Ele afirma que a classe média não quer mais contratar empregadas em horário integral para não ter que arcar com o custo de assinar a carteira. A demanda por cuidadoras, por outro lado, aumenta cada vez mais.
Isso se reflete, inclusive, nos salários, diz o pesquisador.
“A cuidadora hoje consegue ganhar até três salários mínimos e, se ela tiver formação, pode ganhar até mais”, diz.
Rodrigo, que depois passou a cuidar da viúva de Carlos, Maria das Dores, 85 anos, diz não ter intenção de fazer o curso de cuidador.
“Conheço uma pessoa que trabalha (como cuidadora) que falou para mim que eu faço muito mais do que uma pessoa que fez o curso. Sou uma pessoa que o que tiver que fazer, eu faço. Levo no pilates, agacho, coloco o sapato no pé dela. Às vezes, quem está em volta fica olhando, mas eu faço. Porque vejo a dificuldade que tem.”
“E gosto de fazer a mais do que aquilo que tem de fazer. Na maioria das vezes, quando você estuda, você tem um limite. Mas eu não vejo uma barreira. Participo de tudo, me sinto como um filho. Prefiro assim do que ter um curso e ter de me limitar.”