Processos de deflorestação são conhecidos como obstáculos para a manutenção dos ecossistemas em florestas, mas suas consequências, distintas para espécies da flora e da fauna, podem ser ainda piores para determinados grupos de animais. É o que indica uma pesquisa liderada pelo professor Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro.
Segundo a pesquisa, é este o caso das aves, cuja diversidade de espécies é ameaçada não apenas em circunstâncias de desmatamento de grandes áreas verdes para, por exemplo, a produção agroindustrial, mas também quando as matas são preservadas de forma não contínua e tecnicamente sem proximidade. Ou, ainda, quando não há conservação de áreas suficientemente densas para sua sobrevivência e reprodução.
Os dados da pesquisa, que também foram publicados na revista Science, fazem parte do Projeto Temático “Efeitos de um gradiente de defaunação na herbivoria, predação e dispersão de sementes: uma perspectiva na Mata Atlântica”, apoiado pela Fapesp e concluído em março no Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro.
Galetti e sua equipe se concentraram na investigação do comportamento de determinadas espécies de aves e de sua capacidade de evolução em ambientes que sofrem intensa ação humana, como nos remanescentes da Mata Atlântica na região Sudeste do Brasil.
O professor da Unesp também destacou a redução de um tipo específico de palmeira, a Euterpe edulis, em decorrência direta da exploração humana, reunindo informações presentes no artigo publicado na Science. O trabalho contou com a participação de 15 pesquisadores de oito instituições de São Paulo, Paraná, Pará, Rio de Janeiro, Goiás e também do México e da Espanha.
A palmeira descrita na palestra de Galetti é uma espécie dominante na região da Mata Atlântica e seus frutos são consumidos por mais de 58 espécies de aves. Essa palmeira, porém, também fornece o palmito, o que a coloca em risco por causa da ação humana.
Ao verificar as consequências evolutivas do processo de diminuição de espécies animais como resultado dessa ação, a pesquisa obteve dados sobre o processo de defaunação que ocorre nesse bioma, buscando identificar a perda ou o declínio da população de vertebrados nativos de médio e grande portes.
A defaunação representa uma ameaça significativa não apenas para a Mata Atlântica, mas também para a biodiversidade dos diversos ecossistemas tropicais. “Buscamos verificar como essa perda de espécies, em diferentes níveis, afeta sistemas biológicos ao longo de diferentes processos, da fisiologia e reprodutibilidade vegetal ao comportamento animal, incluindo padrões de migração, abrigo e dieta alimentar”, disse Galetti.
Determinadas mudanças nesses padrões podem levar a interrupções no funcionamento dos ecossistemas e, consequentemente, à degradação ambiental em prazos curtos ou médios. “No longo prazo, porém, as alterações podem significar alterações fenotípicas e até na estrutura genética de populações animais”, disse.
Para Galetti, os dados levantados pelo estudo indicam que é preciso identificar necessidades e apontar possíveis prognósticos, para haver tempo de adaptação a uma condição em que haja possivelmente menos espécies. Composta em grande medida por espécies herbívoras e frugívoras, a fauna de médio e de grande porte tem animais importantes para a dispersão de sementes, que atuam no controle de plantas por meio da herbivoria e da predação de sementes.
Segundo Galetti, a caça ilegal tem reduzido consideravelmente a diversidade desses animais em distintas áreas nos trópicos, especialmente na Mata Atlântica, o que pode ter profundos efeitos na diversidade e na composição das espécies vegetais. Com apenas 12% de floresta remanescente, a Mata Atlântica ainda possui até 8% das espécies de aves do mundo e altas taxas de endemismo.
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Grandes migrações entre as populações de aves sugerem que a Euterpe edulis compartilha uma história evolutiva comum com essas aves, que são importantes agentes para a germinação dessa espécie de palmeira.
“Suas sementes são espalhadas por ação de regurgitação e defecação. Contudo, as evidências apontam para uma diminuição de espécies de aves com capacidade de colher grandes sementes, como tucanos, o que torna vulnerável a dispersão de sementes maiores, entre elas a da E. edulis”, disse Galetti.
Segundo os pesquisadores, a diferença entre as características de tamanho de sementes ocorre em razão de recentes mudanças causadas pelo crescente isolamento das florestas, cada vez mais fragmentadas.
O tamanho da semente estaria relacionado à perda de água e de germinação. Quanto maior a semente, menor a área de superfície exposta em proporção ao volume. Isso agravaria o problema, visto que as sementes não germinam com menos de 20% de sua superfície exposta à água. “A defaunação cria um novo regime de seleção à evolução de plantas no antropoceno. Essas mudanças podem até passar despercebidas, maspodem levar várias espécies à extinção em cenários climáticos futuros”, diz Galetti.