Notícia

Gazeta Mercantil

Fóssil revela como era mar que cobria São Paulo

Publicado em 03 novembro 1999

Por Eduardo Geraque - de São Paulo
Há 250 milhões de anos, muito antes dos dinossauros, os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul eram cobertos pelo mar. Chamado de mar epicontinental pelos geólogos, as condições físico-químicas deste leito pré-histórico eram muito estressantes aos organismos que lá viviam. A diferença brutal de salinidade devido ao regime de chuvas — como ocorre hoje no Mar Cáspio ou no Mar Negro — também era uma das características do mar que existia em São Paulo. O reforço da existência do mar epicontinental, além das novas informações sobre o ambiente de São Paulo antes da chegada dos grandes répteis, é fruto de um estudo recente do Laboratório de Paleontologia da Unesp de Botucatu, em parceria com outras entidades, que tem o financiamento da Fapesp. O órgão de apoio à pesquisa do Estado de São Paulo investiu R$ 36.6 mil na realização do projeto. A equipe dirigida pelo paleontólogo Marcelo Guimarães Simões descobriu, próximo à rodovia Castelo Branco, entre os município de Porangaba e Bofete — 160 a 165 quilômetros de São Paulo —, mais de uma centena de fósseis de moluscos bivalves com medidas entre 5 e 10 centímetros. A coleção dos pesquisadores já chega a 5 mil exemplares. Segundo o professor Simões, os fósseis encontrados no interior estão em um estado quase perfeito de preservação. Os únicos que se comparam aos organismos paulistas são fósseis encontrados no Texas. Além de poder dar novas informações para os cientistas reconstituírem com mais fidelidade o mar pré-histórico brasileiro — uma corrente de estudiosos defende a teoria de que esta massa de água tinha apenas uma saída para o oceano próximo a onde fica hoje a Bacia do Prata —, a descoberta da equipe de Botucatu tem mais um importante significado para a paleontologia nacional. Segundo a bióloga Fernanda de Freitas Torello, os organismos encontrados em São Paulo também já foram localizados na Namíbia e na bacia do Karoo, na África do Sul. Estes achados paralelos reforçam ainda mais a tese do continente único, o Gondwana, que existiu há mais de 65 milhões de anos, época em que os dinossauros — eles viveram por 200 milhões de anos — estavam sobre a Terra. Os fósseis encontrados próximo a Castelo viveram no período geológico conhecido como Permiano. Segundo algumas informações já processadas pelo pessoal de Botucatu, pode-se afirmar que o mar daquela época era também raso como hoje é o Cáspio, que tem entre 50 e 70 metros de profundidade. Além disso, no mar epicontinental houve, durante certos intervalos de tempo, uma influência maior da água doce e, em outros períodos da história, um maior afluxo de água salgada. Outra virtude do projeto comandado pelo professor Simões é a metodologia inédita de conceitos tafonômicos (tafonomia é um ramo da paleontologia que estuda a formação dos depósitos fossilíferos) no Brasil. Para o futuro novas descobertas não estão descartadas pela equipe. "Estamos quase fechando uma nova tese também importante", anuncia em tom de mistério a paleontóloga Fernanda, que vai iniciar o seu doutorado em um projeto inédito no laboratório de Botucatu. Maranhão abrigou dinossauros Franci Monteles - de São Luís A Ilha do Cajual, no município de Alcântara, a 22 quilômetros de São Luís, no Maranhão, já foi terra de dinossauros. Há 95 milhões de anos aproximadamente, o Norte e o Nordeste eram o hábitat do grande predador Carcharodontosaurus e do pequeno Spinosaurus, gêneros de dinossauros terópodes — espécies bípedes. O registro dos novos fósseis foi feito pelos pesquisadores Manuel Alfredo Medeiros e Itapotiara Vilas Boas, ambos da Universidade Federal do Maranhão. Há cinco anos eles estudam fósseis de dinossauros encontrados na Ilha do Cajual. Estes são os primeiros registros destes gêneros no Brasil. Exemplares idênticos aos do Cajual já foram identificados também no continente africano, o que comprovaria, de novo, a teoria do Gondwana. O Carcharodontosaurus atingia até 6 metros de altura. Já o Spinosaurus, de menor porte, deveria ter 3 metros de altura. Este gênero vivia nas margens de rios e lagos, onde se alimentava de peixes. "Esta descoberta reafirma a tese de que os continentes estavam muito próximos há 95 milhões de anos", explica o paleontólogo Manuel Alfredo. Segundo ele, a aproximação permitia que houvesse passagem de animais, possivelmente por intermédio de cadeias de ilhas que interligavam os litorais africanos e sul-americano. "Na época, o Oceano Atlântico ainda estava no início da sua formação", diz Alfredo. O objetivo dos estudos na Maranhão, segundo Alfredo, é reconstituir os ambientes do período Cretáceo do litoral do Maranhão. A intenção dos pesquisadores é, além de identificar as espécies de animais e plantas que viveram na época, especificar o tipo de clima que existia na região junto com os grandes répteis pré-históricos. Os primeiros fósseis de dinossauros no Maranhão foram encontrados nos anos 40 pelo paleontólogo Lewellin Price, na Ilha do Livramento. Na década de 80, estudiosos da Universidade Federal do Rio de Janeiro encontraram restos de dinossauros associados a crocodilos, além de um extenso sítio de pegadas. Os grandes répteis de Monte Alto Não foram apenas os solos da Patagônia ou de Madagascar — últimas descobertas paleontólogos no mês passado — que os dinossauros habitaram há mais de 65 milhões de anos. O que hoje é o Estado de São Paulo também teve como habitantes freqüentes os grandes répteis no período Jurássico. Ao longo dos anos, os cientistas já encontraram vários fósseis dos grandes lagartos em cidades como Monte Alto e Marília. A pequena Monte Alto, na região de Jaboticabal, e o seu museu são uma visita imperdível para quem quer conhecer mais sobre os "dinos" que viveram na região de São Paulo. A maioria dos répteis que viveram em São Paulo é do grupo dos Saurópodes. Os fósseis encontrados em outubro pelo norte-americano John Flynn, da equipe de campo do Museu de Chicago, em Madagascar, anunciados como os mais antigos do mundo - 230 milhões de anos - possuem uma relação de parentesco próxima com os animais do Brasil. Os fósseis africanos foram identificados como pertencentes ao grupo dos pro-saurópodes. Os gêneros dos dois grupos tinham duas características em comum: a herbivoria e dimensões gigantescas. (E.G.)