Pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP) e da empresa Bio Nano começam a testar a produção de nanocristais de celulose (CNC) em escala industrial. A partir da manipulação de macromoléculas, os cientistas criaram a base para desenvolver esse material retirado de fibras vegetais como as de algodão e de eucalipto. Agora, eles pretendem escalonar a produção e acelerar o processo de obtenção de modo economicamente viável.
Semelhantes a grãos de arroz ou agulhas, porém com espessura cerca de 200 mil vezes menor, os nanocristais se enquadram no conceito dos chamados greens materials (materiais verdes), provenientes de fontes renováveis e sustentáveis. Pesquisas da Embrapa, que trabalha na obtenção desse produto desde 2007, demonstram que eles podem ser extraídos a partir de fibras lignocelulósicas de bagaço de cana, cascas de coco e de arroz, algodão, eucalipto, entre outras, e até de resíduos como madeira de reflorestamento descartada pela indústria.
Tão rígido quanto o aço
“A importância de extrair nanocristais de celulose é obter um material muito resistente da natureza, que apresenta rigidez da ordem de grandeza do aço e ainda permitir a sua adição em outros materiais, mudando suas propriedades mecânicas”, esclarece o pesquisador da Embrapa José Manoel Marconcini.
As características dos CNC têm atraído indústrias no mundo todo. Somado a isso, os nanocristais incorporam propriedades físicas, químicas e biológicas e começam a ser empregados em diversas áreas (veja quadro abaixo). No entanto, existem grandes desafios para sua adoção mais ampla: alto custo, baixa produtividade, longo tempo de produção e ainda pouco material disponível no mercado.
Diante do potencial, a startup Bio Nano aliou seus conhecimentos à infraestrutura do Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA). Embrapa Instrumentação, para extrair nanocristais de celulose em escala-piloto.
Diversas aplicações
As vantagens dos nanocristais de celulose são amplas: apresentam elevadas propriedades mecânicas, baixa densidade, alta cristalinidade, leveza, biodegrabilidade e biocompatibilidade.
Sua aplicação se estende da área médica ao agronegócio, na qual podem ser empregados na produção de fertilizantes e defensivos agrícolas visando ao aumento da eficiência, usando menores quantidades em uma mesma área.
“É importante lembrar que para apresentar todas essas propriedades é necessário que os CNC estejam bem dispersos e de forma homogênea no produto. Desse modo, poucas quantidades (cerca de 1%) são suficientes para grandes melhorias”, garante Ana Carolina Bibbo, engenheira de materiais da Bio Nano.
Nanocristais têm sido incorporados para reforço em matrizes poliméricas, em sensores da indústria de petróleo e gás, em curativos especiais e próteses, em tintas, revestimentos, cosméticos e, com acréscimo de outras substâncias, na indústria eletroeletrônica.
Ainda podem ser recobertos com polímeros solúveis em água para inibir a aglomeração dos nanocristais e utilizados posteriormente para recobrimento da superfície de folhas de papel a fim de melhorar as propriedades superficiais, como brilho e textura mais lisa e uniforme, além de aumentar a resistência mecânica.
De gramas para quilos
A meta da empresa é aumentar em 20 vezes a produção e passar dos atuais 50 gramas obtidos experimentalmente no LNNA para quilogramas no processo industrial. A proposta é encurtar o tempo de extração do material de 20 dias para apenas um dia.
Em escala laboratorial, os nanocristais de celulose foram obtidos a partir de algodão, sisal, curauá, macaúba, gravatá, bagaço de cana-de-açúcar, resíduos do dendezeiro e polpa de eucalipto. Na etapa de escala-piloto industrial, a obtenção vai envolver fibras de eucalipto branqueadas pelo processo Kraft ou polpa de celulose devido à sua disponibilidade em grande volume.
Para viabilizar os testes em escala, a engenheira de materiais da Bio Nano, Ana Carolina Correa Bibbo, buscou apoio de agências de fomento. O projeto foi contemplado pelo programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Novos materiais com desempenho diferenciado e produtos brasileiros com CNC poderão surgir como impacto desse projeto, promovendo agregação de valor com matérias-primas de fonte renovável do agronegócio do País, além de gerar emprego e renda”, avalia a especialista, que foi orientada pelos pesquisadores da EmbrapaLuiz Henrique Capparelli /mattoso e José Manoel Marconcini durante o doutorado pela Universidade Federal de São Carlos(UFSCar).
Mercado promissor para a celulose
O uso de nanocristais de celulose tem despertado o interesse de diversos países. Canadá, Finlândia e Estados Unidos têm investido pesadamente na área. O novo produto pode substituir matérias-primas atuais e servir de base para a elaboração de novos produtos.
As estimativas indicam que o preço dos cristais de nanocelulose poderá ser mais de 20 vezes que o da celulose. A consultoria norte-americana Market Research Store calcula que o mercado de nanocelulose foi de US$ 65 milhões em 2015. A empresa avalia que esse valor subirá para US$ 530 milhões em 2021, um aumento de 30% ao ano.
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de celulose. Com investimentos científicos na área, a nanocelulose é uma grande oportunidade de agregação de valor à commoditie e de geração novos negócios para o País.
Para cada uso, um formato
Em escala nanométrica, a celulose tem dois formatos, nanofibrilas e nanocristais de celulose.
As nanofibrilas (CNF) têm forma de espaguete, facilmente entrelaçáveis e mais destinadas ao reforço de embalagens plásticas ou adicionadas como espessantes.
Já os nanocristais de celulose têm a aparência agulhada ou de arroz e são considerados um material mais nobre porque apresentam alta cristalinidade e resistência mecânica, com módulo elástico teórico semelhante ao do aço.
De acordo com a pesquisadora, podem ter carga elétrica na superfície, serem insolúveis em água e na maioria dos solventes orgânicos e ainda apresentarem excelentes propriedades ópticas e eletrônicas devido às suas dimensões.
Eles medem de 5 a 20 nanômetros (nm) de largura e de 100 a 500 nm de comprimento.
Os nanocristais de celulose podem ser utilizados para diversas aplicações, como na confecção de papéis especiais e na modificação de superfícies de papéis; em nanocompósitos poliméricos; em cosméticos; como reforços mecânicos em tintas, entre outras aplicações.
Fonte: Embrapa