Notícia

UOL

Fogo controlado protege biodiversidade do Cerrado, defende professora da USP

Publicado em 21 maio 2013

Por Karina Toledo, da Agência FAPESP

Grandes incêndios são frequentes no Cerrado, principalmente nos meses de inverno, quando os ventos fortes, a falta de chuva, a baixa umidade do ar e a vegetação seca favorecem a propagação das chamas. Pode parecer contraditório, mas muitos especialistas defendem que a melhor forma de prevenir o problema e proteger a biodiversidade do bioma ameaçado é, justamente, o uso controlado do fogo.

"Queimadas controladas não só diminuem o risco de incêndios acidentais como trazem benefícios para a vegetação. Dois terços das espécies do Cerrado, que constituem o estrato herbáceo, são adaptados a queimadas frequentes e muitas delas podem desaparecer se o fogo for totalmente evitado", alertou Vânia Regina Pivello, professora do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo).

A especialista participou do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA Educação, organizado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na última semana.

No solo ácido e pobre em nutrientes do Cerrado, explica Vânia Regina, a vegetação tende a acumular nas folhas grande quantidade de lignina, substância estrutural de difícil decomposição. O fogo tem o papel de acelerar o processo de reciclagem dos nutrientes, permitindo que sejam reaproveitados mais rapidamente pelas espécies rasteiras. Além disso, o choque térmico provocado pelo fogo quebra a dormência vegetativa das sementes, causando fissuras que favorecem a penetração da água e estimulam a germinação.

Graças a alguns milhões de anos de evolução sob a influência do fogo, afirma a professora, a vegetação do Cerrado apresenta rápido poder de recuperação após um incêndio. Rebrota em curto período, atraindo diversos herbívoros em busca de forragem nova. Mesmo as árvores – para as quais o fogo geralmente não traz benefícios – desenvolveram defesas adaptativas, como as grossas cortiças que recobrem o tronco e funcionam como isolante térmico.

Além de manter a biodiversidade, o manejo de fogo tem o objetivo de diminuir a quantidade de matéria orgânica acumulada, que funciona como combustível no caso de incêndios provocados por raios ou práticas agropecuárias.

Segundo a professora, a queimada pode ser feita em uma época menos seca, como abril ou maio, e durante a noite, quando a umidade do ar é maior. "Se a gente não se antecipar ao fogo acidental, grandes incêndios vão acontecer a cada três ou quatro anos na maior parte das reservas que visam a proteger o Cerrado. Inevitavelmente, o Cerrado vai queimar, e vai ser num momento em que ninguém está controlando", lembrou Vânia sobre o grande incêndio que atingiu 90% do Parque Nacional das Emas, em Goiás, em 2010.

Tesouro perdido

O manejo de fogo, no entanto, foi durante muito tempo proibido no Brasil. Uma lei de 1989 autorizou a prática, mas, segundo a pesquisadora da USP, ainda hoje é difícil obter licença dos órgãos ambientais. Além da falta de conhecimento sobre a importância do fogo para o Cerrado, a professora aponta como motivo a falta de estrutura para fazer o manejo de forma adequada.

"Há sempre o risco de o fogo sair do controle e atingir a fazenda vizinha, o que seria um grande problema. Por isso é preciso ter uma brigada de incêndio bem treinada e equipada. Mas as unidades de conservação, tanto federais como estaduais, têm grande carência de recursos humanos e materiais."

A falta de manejo de fogo adequado não é, no entanto, a única ameaça à biodiversidade do Cerrado, que originalmente cobria 22% do território brasileiro. Graças principalmente ao cultivo de soja, mas também à pecuária, à extração de madeira para produção de carvão para siderurgia, à industrialização e à urbanização, mais de 55% do bioma já foi desmatado ou descaracterizado.

"O Cerrado é um dos 25 ecossistemas do planeta com alto risco de extinção", ressaltou Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), ao apresentar a palestra "Beleza & Inspiração do Universo Micromolecular da biodiversidade do Cerrado", também presente na rodada de palestras.