Largos rios transformados em riachos, barcos imobilizados em meio à água escassa, pessoas isoladas em suas casas e um tapete de peixes mortos. Esse era o cenário em áreas da Amazônia assoladas por uma seca intensa de maio a setembro de 2005.
Dois anos mais tarde, após examinar centenas de imagens de satélite e percorrer a floresta para ver de perto os impactos da seca, uma equipe de pesquisadores brasileiros, norte-americanos e ingleses concluiu que, em 2005, o fogo consumiu uma área cinco vezes maior que a área desmatada nesse ano no Estado do Acre, o mais atingido por essa seca.
Dez anos atrás, em outra seca ainda mais intensa, as chamas consumiram
uma área da floresta proporcionalmente menor, correspondente a duas vezes
a área desmatada. O fogo que pôde correr livremente sobre a mata
ressecada emerge agora como o principal agente de transformação
da floresta.
"A floresta pode suportar um fenômeno natural como a seca",
disse Luiz Eduardo Aragão, biólogo carioca que trabalha há
dois anos no Environmental Change Institute (ECI), da Universidade de Oxford.
"Mas os danos do fogo somados à seca podem ser irrecuperáveis,
principalmente se episódios como esse se repetirem."
O trabalho foi feito em colaboração com outros pesquisadores do
próprio ECI, do California Institute of Technology (Caltech), dos Estados
Unidos, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São
José dos Campos.
Esses resultados fazem parte de um estudo aceito para publicação
na revista Geophysical Research Letters e foram apresentados na conferência
"Mudanças Climáticas e o Destino da Amazônia",
realizada de 20 a 22 de março em Oxford. "As condições
que levaram à seca de 2005 podem se repetir", comentou Peter Cox,
da Universidade de Exeter, na Inglaterra.
Estima-se que a combinação de seca e de incêndio provocado
que se espalhou sem controle tenha transformado em cinzas a vegetação
mais próxima do solo em 6,5 mil quilômetros quadrados de floresta
- uma área quatro vezes maior que a ocupada pela cidade de São
Paulo - do estado do Acre, deixando a floresta mais vulnerável ao impacto
de queimadas futuras.
Outros pesquisadores já haviam mostrado que a seca pode alterar a estrutura
da floresta por aumentar a mortalidade das árvores e facilitar o crescimento
de espécies habituadas a ambientes mais secos e mais abertos. Mais desmatamento
e menos umidade circulando podem prejudicar o transporte de umidade e trazer
menos chuva até mesmo nas regiões Sudeste e Sul, que recebem os
ventos normalmente úmidos da região equatorial.