O relatório anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgado ontem, em Washington, traça um quadro relativamente otimista da economia mundial em 1996, mas adverte para duas grandes ameaças: o desequilíbrio fiscal e níveis inadequados de poupança doméstica.
O Fundo projeta uma desaceleração temporária do crescimento, mas continua otimista porque na Europa Ocidental e nos Estados Unidos deverá haver uma retomada da expansão econômica no segundo semestre deste ano, de forma menos intensa na Alemanha e na França. No ano passado a economia cresceu 3,5%, índice superior ao registrado nos anos 1990/93, apesar dos resultados negativos em vários países da América Latina, principalmente devido à crise financeira mexicana.
Um dado extremamente positivo foi o aumento do volume de comércio, que continuou expandindo-se a 9%, mais que o dobro do crescimento da economia mundial. Isso se deveu a três fatores: liberalização comercial com redução de tarifas, diversificação de produção e dinamismo das trocas entre os países em desenvolvimento da Ásia e da América Latina.
Apesar dos acontecimentos no México, os capitais, voltaram a fluir para os mercados emergentes, inclusive latino-americanos, e principalmente para o Brasil (ver matéria nesta página). Segundo o FMI, "o robusto crescimento em várias nações em desenvolvimento está vinculado com o aumento da abertura e maior integração na economia global, reformas consistentes e esforços de estabilização". Isso fez com que esses países se tornassem mais resistentes aos declínios cíclicos nos parceiros industrializados.
Para o Fundo, são preocupantes, contudo, as barreiras comerciais que ainda permanecem em alguns países em desenvolvimento, que deveriam adotar políticas apropriadas para aproveitar as novas oportunidades da integração mundial e da conclusão da Rodada Uruguai. A diretoria executiva da instituição reconhece, porém, que uma integração maior coloca novos riscos para o mundo emergente, o que ficou evidente com a crise mexicana. Essa crise, diz o FMI, trouxe à tona o risco da desordem econômica derivada da reversão dos movimentos de capitais, especialmente em países "onde as bases macroeconômicas não são suficientemente fortes". O Fundo recomenda o fortalecimento dos mercados financeiros domésticos e políticas equilibradas para que os países se beneficiem da globalização.
AMÉRICA LATINA
A produção nos países em desenvolvimento cresceu, cerca de 6% em 1995 pelo quarto ano consecutivo, mas com variações consideráveis. No hemisfério Ocidental (América Latina e Caribe), por exemplo, o crescimento caiu do patamar de 4,5% em 1994 para 1%, devido à recessão no México, na Argentina e no Uruguai e os efeitos da crise mexicana.
No México a queda da produção foi de 7% em 95, e a Argentina, que experimentou uma expansão média anual de cerca de 7% nos quatro anos anteriores, registrou crescimento negativo no ano passado. Os dois países começaram a ver sinais de retomada no final de 1995, diz o relatório do Fundo. Muitos outros parceiros da região, entre eles Chile, Colômbia e Peru, foram pouco prejudicados pela crise do peso mexicano e registraram "fortes taxas de crescimento".
ÁFRICA
A África teve um aumento de sua atividade econômica de 3%, o mais elevado em seis anos, o que reflete, segundo o FMI, o fortalecimento de políticas macroeconômicas e estruturais naquela região, além da alta nos preços das commodities. Nos países em desenvolvimento da Ásia o crescimento permaneceu acima de 8% em 95, apesar das políticas financeiras apertadas para conter as pressões inflacionárias em países como Malásia e Tailândia. Na China, depois de um prolongado superaquecimento, o aperto monetário levou a uma redução do crescimento a um patamar sustentado (10%) e a uma inflação menor, de 25% em outubro de 1994 para 8% no final do ano passado.
Para manter a estabilidade macroeconômica, o FMI insiste na necessidade de redução do déficit fiscal, até mesmo nos países industrializados, onde "muito resta para ser feito para restaurar um grau adequado de equilíbrio fiscal e colocar a dívida pública, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em uma clara tendência declinante. A consolidação fiscal permanece essencial para aliviar as pressões sobre as taxas de juros e para compensar as crescentes desvantagens de muitos sistemas públicos de aposentadoria e programas de assistência médica".
CAPITAL VOLÁTIL
Em sua análise sobre as perspectivas da economia mundial, com base em dados do período de 1 de maio de 1995 a 30 de abril deste ano, o relatório de 276 páginas enfatiza também a importância do fortalecimento da disciplina fiscal e a redução dos gastos do Estado nos países em desenvolvimento, aos quais receita: combate ao déficit público e às fraudes fiscais; aumento da arrecadação; implementação de impostos de valor agregado; redução das despesas do governo com o funcionalismo público; eliminação de subsídios e cortes nos gastos militares; aceleração das privatizações e reforma do Estado; fim da indexação dos salários como forma de reduzir a inflação; política monetária restritiva e autonomia dos bancos centrais.
Os diretores do FMI concordam que um fluxo enorme de capitais voláteis "pode complicar o gerenciamento das políticas monetária e de câmbio" e, para enfrentar o problema, sugerem a adoção de programas para atrair capitais de longo prazo. Para alguns diretores da instituição, o uso de instrumentos para controlar capitais não deveria substituir "políticas fundamentais sólidas".
BRASIL NÃO QUIS CONSTAR DO RELATÓRIO
Maria Helena Tachinardi - de Washington
Apesar de ser uma das mais importantes economias emergentes, o Brasil não é mencionado no relatório anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) no capítulo sobre as consultas bilaterais, onde figuram 24 países em desenvolvimento, entre eles Argentina, México, Colômbia, China, Índia e Israel. O Brasil só é citado no quadro dos países que em 1995 concluíram suas consultas anuais e em duas outras breves passagens do documento. O relatório diz que o País registrou um déficit em conta corrente de 2,5% do PIB em 1995, "depois de ter chegado perto do equilíbrio nos dois anos anteriores", e menciona o fluxo acentuado de capitais privados que recebeu, ao contrário do que ocorreu na Argentina e no México.
Pelo segundo ano consecutivo o governo brasileiro não autorizou o Fundo a divulgar o resultado das consultas sobre a situação econômica do País. "Os dados não estão (no relatório) porque o Brasil não quer", confirmou o vice- diretor-gerente do Fundo, Stanley Fischer, que acrescentou: "Nós não temos sobre o Brasil o medo expresso por outros. E talvez devamos parar por aqui".
Segundo fontes diplomáticas, desde a reunião do FMI em Madri, no final de 1994, "o Brasil tem sido consistente quando afirma que não concorda com a disseminação automática das informações fornecidas ao FMI em caráter confidencial".
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, em entrevista à imprensa em meados deste ano, em Washington, deixou claro que o Brasil já fornece informações de forma voluntária. O Ministério da Fazenda e o Banco Central têm páginas na Internet "com um grande número de informações atualizadas semanal e mensalmente. O Brasil vai além do que é proposto e se reserva o direito de fazer a divulgação conforme lhe convém", reage um funcionário brasileiro.
As análises feitas pelos diretores do Fundo consideram a situação dos países consultados entre 1 de maio de 1995 e 30 de abril deste ano. Os 17 países em desenvolvimento e as sete economias em transição (Geórgia, Mongólia, Polônia, Romênia, Rússia, Eslováquia e Ucrânia) foram selecionados, segundo o relatório, devido à sua importância na economia mundial e regional. Os países do G-7 (sete mais industrializados) também constam do capítulo sobre as consultas no âmbito do artigo IV.
ARGENTINA
No caso da Argentina, o Fundo diz que depois de quatro anos de rápido crescimento econômico, ajudado por uma ampla entrada de capitais, o país sofreu uma forte contração na demanda doméstica e na atividade econômica após a crise mexicana. Em maio de 95, a diretoria do FMI notou uma retomada dos depósitos bancários, mas ao mesmo tempo expressou preocupação com a contínua fragilidade de partes do sistema financeiro argentino. E recomendou mais reformas estruturais para aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho, fortalecer a competitividade e atacar o problema do desemprego.
O Fundo considera que a redução nas contribuições de previdência social pagas pelos empregadores deverá corrigir o desestímulo ao emprego e que a taxa de câmbio argentina "tem servido bem a economia". Afirma, entretanto, que seria prudente fortalecer as reservas do Banco Central para sustentar o plano de convertibilidade.
MÉXICO
No relatório, o FMI detalha todas as políticas adotadas pelo México para sair da crise de dezembro de 1994. Em março de 1995 os diretores da instituição notaram uma melhora no comportamento econômico do país e consideraram, na época, que os mecanismos empregados eram apropriados, mas sugeriram um aperto monetário para reduzir a inflação e estabilizar os mercados financeiros. "Contínuas políticas macroeconômicas fortes e a implementação de reformas estruturais devem levar as contas externas correntes a um nível sustentável e à retomada econômica", diz o documento.
A diretoria-executiva reconhece a importância do desembolso americano de US$ 2,5 bilhões em julho de 1995 e a oferta de fundos adicionais, como os de agosto daquele ano, para ajudar a amortizar empréstimos de curto prazo. Refere-se também, às retiradas que o México fez junto ao FMI, para restaurar a confiança no país e os créditos internacionais. O Fundo, entretanto, enfatizou que o restabelecimento da saúde bancária mexicana dependeria basicamente do retorno à estabilidade macroeconômica e da reestruturação financeira dos bancos com problemas.
CHINA
As discussões do Fundo com a China tiveram como ponto central o esfriamento da economia depois de um prolongado período de altas taxas de crescimento. Em 1995 o governo chinês adotou políticas restritivas, inclusive para reduzir a inflação, e intensificou o controle nos gastos com investimentos. Implementou também medidas estruturais relacionadas com o banco central, reforma fiscal e sistema de câmbio. Como resultado, a inflação caiu de 25% em outubro de 1994 para 8% em dezembro de 1995, e o PIB cresceu moderadamente a 10%, frente a 12% em 94. A balança de conta corrente registrou superávit, o país continuou a receber abundantes capitais e as reservas internacionais saltaram de US$ 54 bilhões em 1994 para cerca de US$ 77 bilhões no final do ano passado. Essas tendências continuaram no início deste ano, segundo o relatório do FMI.
A diretoria da instituição recomendou aos chineses moderação no crescimento para evitar um surto inflacionário e expressou preocupação com a queda da receita fiscal em relação ao PIB. Também sugeriu a redução de restrições quantitativas e de créditos subsidiados, além de outras formas de apoio às empresas estatais. Para o FMI, a China deve ampliar a liberalização do comércio exterior e melhorar as suas estatísticas econômicas.
O SISTEMA BANCÁRIO PREOCUPA O FUNDO
O Fundo Monetário Internacional (FMI) está preocupado com a fragilidade do sistema bancário em muitos países em desenvolvimento, o que pode causar "sérios problemas" para os esforços de estabilização ou de crescimento, principalmente se houver insolvência dos bancos.
No relatório anual, o Fundo afirma que no ano financeiro 1995/96 deu uma resposta rápida aos novos desafios da globalização dos mercados e um respaldo financeiro sem precedentes a seus países membros. Como resultado da ajuda à Argentina, à Rússia e ao México, o total de novos recursos comprometidos durante o exercício, referentes a acordos de Direitos Especiais de Saque (DES) e acordos ampliados, atingiu 18 milhões de DES ou US$ 26 bilhões, em relação a US$ 20 bilhões em 1982/83, ponto alto da crise da dívida externa, e um total de US$ 22 bilhões em 1994/95. Só o acordo ampliado trienal aprovado para a Rússia em março deste ano foi de US$ 10 bilhões, o maior desse tipo na história do FMI.
A crise do México levou a um reforço da supervisão das políticas de câmbio dos países membros, "uma das funções centrais do FMI". Nesse sentido, a instituição decidiu adotar as seguintes medidas: reuniões informais da diretoria executiva com maior freqüência (uma vez ao mês) para examinar os principais acontecimentos em determinados países; debates (duas vezes ao ano) sobre as políticas dos países membros no contexto da supervisão; visitas de funcionários do FMI no intervalo entre as consultas anuais; concentração das consultas bilaterais sob o artigo IV em tópicos mais diretamente ligados às políticas cambiais; prioridade nas consultas à análise da evolução da conta de capital, efetuando um exame mais minucioso dos países cuja evolução poderia contagiar outros membros; supervisão regional, sobretudo nos casos em que se formulem políticas econômicas importantes em nível supranacional; estímulo para melhorar a qualidade e a pontualidade dos dados estatísticos básicos e da informação que os países enviam ao FMI. Estimando a possibilidade de ressurgimento de crises esporádicas como a do México, o Fundo criou um mecanismo de financiamento de emergência, que lhe permite atuar de forma rápida e extraordinária, sem que esse seja considerado um novo serviço financeiro.
RECURSOS
Com os recursos líquidos do FMI, constituídos pelas moedas utilizáveis e os Direitos Especiais de Saque (um DES vale US$ 1,45) reduzidos pelo grande volume de financiamento realizado, a diretoria executiva acha que está na hora de aumentar as cotas no contexto da décima-primeira revisão. Este será um dos assuntos da reunião anual do FMI/Banco Mundial no final deste mês, em Washington.
No mesmo evento, o FMI espera chegar a um entendimento para aumentar os recursos de que dispõe no âmbito dos Acordos Gerais de Empréstimos ("General Arrangements to Borrow"), mecanismo formado por onze países industrializados ou seus bancos centrais. Outro tema que o relatório menciona e que será tratado na reunião anual é o plano de ação para resolver o problema dos países pobres e altamente endividados, o que vai requerer a venda de uma parte do ouro em reserva do FMI, disse o seu vice diretor-gerente, Stanley Fischer, referindo-se a isso como "um assunto quente", porque nem todos os países concordam com a iniciativa. Também controvertida será a nova emissão de DES para beneficiar 38 países que ingressaram no FMI depois de 1981, quando houve a última alocação. O Fundo, com seus 181 membros - os mais novos são Brunei Darussalam, Bósnia e Herzegovínia - está dando muita importância à transparência dos dados econômicos dos países. Neste ano, segundo Fischer, houve um avanço nesse sentido com a criação de normas especiais para a divulgação de dados ("Special Data Dissemination Standard"). O novo mecanismo até agora recebeu cerca de 34 adesões. O FMI manterá na rede World Wide Web da Internet um "quadro de avisos eletrônico" com estatísticas dos países que aderirem ao SDDS, "facilitando a formulação de políticas macroeconômicas corretas e um melhor funcionamento dos mercados financeiros", diz o relatório do Fundo. (M.H.T.)
Notícia
Gazeta Mercantil