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G1

Flyer polêmico ensina estudantes como reduzir efeito do ecstasy

Publicado em 16 junho 2007

Por Simone Harnik, do G1, em São Paulo

Panfleto é distribuído em universidades e casas noturnas.
Laboratório da USP é responsável pelo projeto 'Baladaboa'.

Um conjunto de flyers destinados a jovens universitários traz informações polêmicas sobre a utilização do ecstasy, uma droga sintética ilegal. Em um deles, a orientação é que, para diminuir os riscos do consumo, uma alternativa "é tomar metade da dose planejada, aguardar os efeitos (pode demorar até 1h) e então decidir se tomará a outra metade".
Dois dos flyers que falam do uso de ecstasyOs informativos têm o logotipo do projeto "Baladaboa" e foram feitos com apoio do Laboratório de Psicofarmacologia da Universidade de São Paulo (USP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e de uma empresa de design, que elaborou o formato.
Ao todo são oito tipos diferentes de flyers, produzidos em papel reciclado, tipo cartão, com design moderno. Na noite desta quinta-feira (14), uma jovem abordava estudantes dentro da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Região Central de São Paulo. A distribuição já ocorreu em universidades como a USP e está prevista para festas em casas noturnas.
O site do projeto afirma que a intenção é reduzir os danos provocados aos usuários da droga. Há uma seção que diz que o projeto "não encoraja nem promove o uso de ecstasy". No entanto, um dos títulos do site diz: "Uma balada boa, ainda que sintética e ilegal".
"Nosso objetivo é incentivar comportamentos menos arriscados, já que o consumo de ecstasy pode trazer problemas. Algumas pessoas escolhem correr esse risco, e não pretendemos julgar ou criticar essas pessoas. A liberdade de escolha de cada um deve ser respeitada, mas ela só é realmente livre quando consciente", diz o site.
Para a professora da USP Maria Teresa Araujo Silva, que supervisiona o projeto, os panfletos não estimulam o uso da droga. "Estão feitas advertências contra os inúmeros perigos, como misturar com outras drogas, falam da segurança no dirigir, da escalada para a dependência".
Segundo ela, a política de redução de riscos das drogas é uma tendência internacional de diversos organismos. A pesquisadora afirmou ainda que o panfleto foi analisado antes de ser distribuído. "A assessoria científica da Fapesp disse que a metodologia está boa", afirmou Maria Teresa.
Stella Pereira de Almeida, que é a pesquisadora responsável e desenvolve o trabalho como pós-doutorado, com bolsa da Fapesp, diz que, na elaboração do conteúdo, foram analisadas as opiniões de mais de 1.400 usuários de ecstasy.
"Acho que o conteúdo é polêmico, porque as pessoas acreditam que é possível um mundo sem drogas. Acredito que não é possível. Tem gente que pensa que a pessoa usa a droga porque quer. Acho que a escolha só pode ser livre se a pessoa souber dos riscos", afirma Stella.
A assessoria de imprensa da Fapesp informou que a instituição se responsabiliza pelo conteúdo da pesquisa e que está avaliando com regularidade o projeto científico.
Outro trecho polêmico responde ao questionamento de que o ecstasy é ou não uma droga segura: "'Droga leve' ou 'segura' é um termo inadequado a qualquer droga. A interação droga-organismo é algo particular. Uma droga pode trazer prejuízos para uns, sendo inócua ou benéfica para outros".
Para o coordenador do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Hospital das Clínicas de São Paulo, Anthony Wong, é perigoso divulgar esse tipo de informação. "Não adianta nada, a gente sabe. O uso da droga está relacionado com a procura do barato. Se a pessoa está pensando que diminuindo a dose fica tudo bem, o que vai acontecer é que não vai sentir efeito e vai procurar uma dose maior", diz.
"A droga pode levar a infarto do miocárdio, derrame cerebral, oferece problemas seriíssimos. Não é possível dizer que existe dose segura, pois não se sabe a concentração das substâncias. Não existe controle nenhum sobre a droga", afirma Fábio Bucaretchi, coordenador do Centro de Controle de Intoxicações da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Efeitos
A molécula de ecstasy é uma metanfetamina, um parente químico muito próximo das anfetaminas, e funciona como estimulante. "Tem o efeito de manter a pessoa acordada e agitada por um período de tempo. Outro efeito indireto é a liberação da serotonina, que regula o humor. A droga dá um efeito alucinógeno, mas depois que termina, pode demorar algum tempo para o corpo produzir a serotonina. E a pessoa fica deprimida", explica Wong.
Segundo ele, a anfetamina também é tóxica para o coração e para o fígado, e há riscos de arritmia e destruição muscular. "Na Europa, o escstasy é uma das principais causas de internação."

Distribuição suspensa
Na semana passada, os organizadores da Parada Gay decidiram suspender a distribuição de um polêmico panfleto que dizia como os usuários podiam utilizar drogas ilícitas sem causar danos à saúde. Os folhetos seriam entregues aos participantes da Parada que foi realizada no domingo (10).
De acordo com os organizadores, o material era dirigido "a usuários de drogas lícitas e ilícitas e está em plena conformidade com as políticas públicas de redução de danos desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal há mais de dez anos". Mesmo com a justificativa, os organizadores acharam melhor não distribuir o material.
Os panfletos tinham selo do governo federal e citavam como patrocinadora a Secretaria Estadual da Saúde. O representante do Ministério da Saúde em São Paulo disse que o folheto - que não traz nenhum texto contra o uso de drogas - não havia sido bem redigido. A Secretaria Estadual da Saúde disse que o conteúdo do material apresentava falhas.